EXTRAS VIVER PARA LUTAR // entrevista com ALINE ROD (No Rest, Ameaça, Ação Antisexista)

“Voltando com as entrevistas EXTRAS do VIVER PARA LUTAR! Serão pequenos curtas individuais, com um pouco mais sobre as vivências, opiniões e experiências das companheiras que participam do documentário, e que por questão de tempo não puderam ser incluídos no longa metragem.

Trecho extra da entrevista com Aline Rod (No Rest, Ameaça, Ação Antisexista) para a série de documentários Viver Para Lutar, realizada em 2016 em Halle (Alemanha), com reflexões sobre a presença das mulheres na cena punk dos 90 e atualidade, questionamentos sobre o modo como o feminismo é tratado no meio anarquista, mudanças nos dias de hoje, e mais.”

Veja o documentário completo em: https://youtu.be/nMRd4nh3tm0

A segurança dos homens para cometerem violências e a culpabilização das mulheres

A invasão dos homens ao espaço e corpos das mulheres é uma violência comum, cotidiana, cometida de várias formas. Na semana passada essa realidade se tornou bastante evidente quando um homem ejaculou no pescoço de uma mulher no ônibus. A gravidade da violência e também por ter sido cometida em espaço público não teve como ser abafada como são outros tipos de violências cometidas contra às mulheres.

Parte mais leve desta realidade, digamos assim, nós todas as mulheres estamos bastante acostumadas a lidar. Pegando apenas a invasão dos homens em transportes públicos eu não saberia contar as vezes que homens invadiram meu espaço ou cometeram abusos. Uma vez um desconhecido tirou o fone do meu ouvido para falar comigo. Eu achei aquilo ultrajante e peguei meu fone de volta e não lhe dei mais ouvidos literalmente. Isso só para ilustrar o direito que os homens se sentem de invadir o espaço das mulheres. Os homens constantemente interrompem mulheres, quando falamos e quando estamos no nosso silêncio. Quando estamos fazendo algo que eles julgam que fazem melhor começam a nos explicar muitas vezes coisas que já sabemos muito bem ou melhor que eles. Quantas vezes vendo a fraqueza dos homens em querer provar um conhecimento sobre algo banal, eu me vi lhes ouvindo apenas por constrangimento alheio. Muito provável que o meu sentimento de “constrangimento alheio” tenha raiz justamente na questão de que nós mulheres somos criadas a sermos compassivas e compreensíveis. A compaixão e a compreensão embora sejam consideradas virtudes para humanos, elas são muito mais uma obrigação para as mulheres do que para os homens. Os homens são mais estimulados a serem “autênticos” e suas ações ásperas são comumente justificadas como “homem de temperamento forte”, “não leva desaforo pra casa”, “um verdadeiro homem”, enquanto nós por reagirmos mesmo quando sem agressividade somos sempre “a louca”, “a histérica”, “a mal amada”.

Eu realmente não saberia dizer quantas vezes fui importunada no ônibus. Aos 13 anos porém eu passei pelo primeiro abuso de grau mais grave no transporte coletivo. Nesta primeira vez eu estava sentada na janela olhando pra rua pensativa como já era meu hábito, aguardando como todo mundo que está ali aguarda – minha parada chegar. Então eu sinto algo na minha vagina. Algo impossível de não sentir, porém devido a total discrepância daquilo que eu sentia com o que me parecia razoável em termos reais – ali no ônibus afinal das contas – eu cheguei a questionar a mim mesma se eu realmente tinha sentido aquilo. Eu não entendia de onde vinha aquilo. Porém eu olhei instintivamente para trás e havia um homem de seus mais de 30 anos, ele me olhava e tinha um sorriso sarcástico no rosto. Eu não soube o que fazer no primeiro momento. Eu soube porém que eu não teria como provar que aquilo tinha acontecido, e me bastou um segundo de observação para saber- o homem colocou a mão no vão do banco, entre o assento e o encosto, como eram os assentos na época, porque ele se achou no direito, e mais que isso- é importante ressaltar – se achou seguro para fazê-lo. Eu passei o resto do percurso elaborando uma estratégia em como eu desceria do ônibus, e se ele descesse atrás de mim? Eu também pensei em mudar de lugar mas eu me senti paralisada, eu julguei que seu eu me levantasse seria confirmar que ele havia me atingido. Muito estranho aquele meu pensamento, eu queria fingir que ele não havia me tocado, mas não por mim, eu queria que ele achasse que não tinha sido bem sucedido, embora eu queria sair correndo dali.

É muito desproporcional que os homens se sintam seguros para cometerem os abusos que cometem, incluindo em espaços públicos, e nós mulheres não nos sentimos seguras para reagir, pedir ajuda ou denunciar os abusos que sofremos. Isso é importante ressaltar. Não estou falando com isso que nós mulheres não reagimos, estou falando que é desproporcional a segurança com que os homens sentem de cometer abusos em relação a falta de segurança que temos e sentimos para reagir aos abusos. Isso é parte da guerra não declarada contra nós mulheres e que estamos “acostumadas”, nos cabendo apenas sobreviver no meio desta guerra da melhor forma que podemos. Muitas de nós não sobrevivem.

Alguns anos depois, lembrando que estou me atendo apenas a violência masculina no transporte público, lá estava eu, novamente num ônibus aguardando a hora de chegar em casa numa noite de segunda feira. Então senta um homem ao meu lado. Como era noite e eu olhava pela janela, foi possível pelo reflexo do vidro ver uma movimentação estranha vindo do homem. O braço dele mexia sem parar porém estava embaixo de uma pasta. Eu soube na hora o que ele fazia mas eu me senti travada para fazer alguma coisa. Eu novamente não estava preparada para aquilo, eu acho que nunca vou estar completamente, embora com o tempo de vida hoje me sinto bem mais capacitada para agir contra a violência masculina, mas não imune.

As pessoas costumam me considerar autoconfiante, com capacidade de resposta. Mas eu não consegui naquele momento colocar em ação toda essa minha virtude, ou defeito já que como mulher pode ser considerado como tal. Foram inúmeras vezes que já revisitei este episódio tentando entender do porquê eu não ter falado com as pessoas ao meu redor, ou ter chamado a atenção do motorista, ou cobrador. Uma das razões eu lembro, foi de que eu poderia estar cometendo um equívoco já que o que o homem fazia era literalmente por debaixo dos panos. Uma outra razão que eu também encontrei depois de recordar sobre o “ocorrido” foi vergonha. Eu senti vergonha por estar sendo atacada, como se houvesse uma espécie de culpa em mim, como se fosse possível que eu fosse a culpada. A vergonha que eu senti foi uma vergonha por antecipação, é como se eu soubesse que as pessoas me olhariam incrédulas, desconfiadas e ou iam me questionar sobre o que eu tinha feito para aquele homem fazer aquilo.

De certa forma a autoconfiança que eu procurei desde pequena desenvolver apesar de todo bombardeio do patriarcado que nós mulheres recebemos para não desenvolvermos, acho que foi o que me levou naquele dia a julgar que eu poderia me livrar sozinha sem ajuda das pessoas. Então, como da vez do primeiro abuso no ônibus, eu comecei a pensar numa estratégia de como sair daquela “situação”. Eu estava apavorada, mas conseguia raciocinar, eu jogava com o tempo e na verdade precisava que demorasse bastante, que o ônibus parasse em todas paradas possíveis até eu descobrir o que fazer. Eu sabia que principalmente naquelas circunstâncias, eu não poderia descer sozinha na parada de ônibus próxima a minha casa que era um local ermo e sem iluminação pública decente, era noite por volta das 23h. Depois de avaliar bastante, eu encontrei uma possível saída para o meu problema e decidi que era melhor eu descer uns dois quilômetros antes de casa, pois isso se daria numa avenida supostamente mais movimentada e que se caso ele descesse eu teria mais chances de não ser atacada. Para o caminho a percorrer depois até em casa à noite e sozinha, bem essa seria uma nova estratégia a solucionar. Também como parte da minha estratégia, eu pensei em descer só quando o ônibus parasse, ao contrário do comum que é levantar com certa antecedência e puxar a cordinha (que hoje é um botão). Esta estratégia porém era arriscada, pois dependia de que alguém solicitasse parar aonde eu queria ou que alguém solicitasse o ônibus da tal parada. Decidi arriscar. De repente faltavam três paradas para o meu destino – que não era de fato o meu destino final. Como para uma mulher pode ser difícil chegar em casa sob essa realidade, e ela também pode nunca chegar. Fui me preparando psicológica e fisicamente para tanto. Quando a parada chegou eu pulei do assento o mais rápido que pude e contornei as pernas do homem que se masturbava incessantemente, sempre por debaixo da pasta, imaginando que o mesmo não desceria já que não havia se levantado e solicitado a parada, e que teria um pingo de vergonha de mudar de ideia em cima da hora. Eu não sei porque cargas d’água eu pensei que um homem que não tinha vergonha de se masturbar em público pudesse realmente sentir vergonha de qualquer outra coisa. Desci com uma espécie de alívio que durou apenas um segundo pois ao olhar para trás para me verificar da minha segurança, como num filme de horror, ali ele se encontrava, na mesma parada que eu. Ele havia descido do ônibus. Pânico. Isso só me confirmou o que acontecia e os meus medos do que me poderia acontecer. Para minha “sorte” tinham três pessoas na parada e eu fiquei torcendo para que elas ali se mantivessem até eu bolar o plano B. E o homem se manteve igualmente ali aguardando sua presa. Ele me mantinha como refém. Tudo em silêncio. Tudo sozinha. Então uma pessoa pegou o próximo ônibus e dali uns minutos a segunda, quando eu vi que logo a terceira pessoa ia pegar o seu ônibus eu resolvi agir rapidamente, olhei ao meu redor e vi um grupo de pessoas se aproximando, eram três homens, eu então disse olá tudo bem? E comecei a caminhar com aqueles homens, o que não me garantia muita segurança, mas eu não tinha muitas chances. Eu não pensei na época em confrontar fisicamente aquele homem que havia se masturbado no ônibus e pronto para me atacar, além dele ser bem maior do que eu, eu não sabia se ele estava armado, eu tampouco estava interessada em dar-lhe as costas e esperar para que me atacasse. E foi assim que eu me livrei desse homem, os três caras estavam indo para a mesma direção que eu e nos separamos a umas duas quadras antes da minha casa.

Havia porém uma outra razão para eu ter ficado em silêncio durante todo o meu suplício, que nesta narrativa eu escolhi deixar para o final. Eu lembro que eu pensei que se caso eu procurasse ajuda das pessoas no ônibus e caso elas não agissem com indiferença e me fizessem sentir vergonha, que podia acontecer que se desencadeasse o linchamento daquele homem. Parece esquisito eu ter escolhido a integridade física daquele homem em contraponto a minha própria. Mais tarde quando eu já estava segura eu só pensava que ele poderia estar atrás de uma outra mulher e agora eu me sentia culpada perante a esta conclusão.

Vendo que dos últimos casos de violências contras às mulheres das últimas semanas surgiram debates sobre punitivismo eu me lembrei de tudo isso que me aconteceu de todos os detalhes, e me perguntei, de quem e para quem essas pessoas estão falando sobre punitivismo? Quem são as pessoas em grande maioria que além de cometerem as violências primárias costumam cometer crimes de vingança? Pergunto, fora considerar que as denúncias feitas por mulheres contra homens podem talvez se tornarem escrachos e possíveis mas muito improváveis linchamentos o que está sendo feito para parar a violência dos homens? Quais medidas a esquerda tem tomado para acabar com a violência masculina? Nem mesmo acreditar nas mulheres agredidas a esquerda costuma acreditar, são incansáveis as denúncias de abuso que não mudam absolutamente nada na vida do agressor que muito pelo contrário continua andando pelos mesmos cenários que sempre andou. Então esta questão sobre o punitivismo além de tudo o que já foi mencionado é também falha em vários sentidos. Ela parece se alienar da realidade material. As pessoas que estão sendo punidas em primeiro lugar são as mulheres. Não que o debate sobre punitivismo não possa acontecer, mas também ele demonstra a prioridade da preocupação com a segurança dos homens. A misoginia é estrutural, dar menos importância a segurança das mulheres é sua consequência. Dentro de uma perspectiva de debate você sempre pode escolher uma neutralidade, se distanciar para elaborar teorias que podem até fazer sentido, teoricamente, mas que não correspondem com a realidade ou que favorecem os opressores, neste caso a neutralidade pode ter escolhido um lado.

Os homens mantém as mulheres como reféns, o patriarcado e a misoginia inerente a ele, nos atingem diariamente, a nossa rotina pode ser pesada e perigosa, mas nós mulheres somos sempre culpabilizadas, seja por estarmos no “lugar errado”, na hora “inapropriada para uma mulher”, com as roupas “erradas” (ou não), seja por vocalizarmos nosso sofrimento com o preço de sermos as responsáveis pela segurança dos nossos algozes.

 

aline rod.

Homens Abusivos Que Usam do Feminismo Para Conseguirem Imunidade

Alguns homens se beneficiam ao usarem do feminismo para conseguirem imunidade. São homens que não diferente de outros abusam de mulheres, porém descobriram que “apoiando” o feminismo eles nunca serão descobertos nem cobrados. São homens que lançam textos sobre feminismo ou discursam feminismo mas nunca tiveram nem de perto a tentativa de se retratarem com as mulheres que eles abusaram. Isso nos mostra que ele não está interessado em praticar o discurso, nem apoiar as mulheres, mas se livrar da culpa. O que só mostra seu grau de manipulação, só confirma o quanto foi abusivo. Só comprova que ele continua sendo abusivo ao seguir passando por cima dos sentimentos e da realidade das mulheres que ele abusou, sem nenhum escrúpulo. Ora, se esse homem se dá ao trabalho de ler textos sobre abuso e distribuí-los ou discursar sobre feminismo, significa que ele tem acesso para entender a questão. Mas muito pelo contrário, ao invés de procurar entender o que é de fato abuso, ele escolhe continuar sendo um homem manipulativo, logo, abusivo. Ele continua desta forma que escolheu – de fingir que nada aconteceu e ainda adentrar no feminismo como cooperador – a causar danos no psicológico da mulher que ele abusou, pois além de ter sido abusada, ela agora tem que lidar com o total apagamento dos abusos que sofreu, e ainda vê-lo procurando ser reconhecido como apoiador da luta das mulheres. Mais uma vez o patriarcado exige apenas dela que resolva sozinha os seus traumas. Mais uma vez ela tem que achar forças para enfrentar uma nova batalha.

O comportamento manipulativo e narcisista de seu abusador tá sempre lá presente ao alcance deste para que possa se beneficiar, para conseguir algo em troca, para conseguir o que ele deseja e só o que ele deseja (característica do seu narcisismo), e para que se mantenha na mesma posição social que tinha antes de cometer os abusos.

Algumas pessoas vão dizer que bastava então as mulheres abusadas por esses homens fazerem denúncias. Bastava mesmo? Elas por acaso não as fazem? Quantas mulheres denunciam seus abusadores e são tachadas de exageradas, vingativas, rancorosas e mentirosas? Quantas mulheres depois dos abusos que sofreram ainda tem que lidar com estar constantemente tendo que provar para todo mundo que o que lhes aconteceu é verdade? Quantas mulheres ficam estigmatizadas e são ostracizadas por denunciarem abuso enquanto seus abusadores não só se safam mas recebem solidariedade da comunidade? Quantas vezes a mulher mesmo que não faça uma denúncia numa escala pública, aberta, fala sim para amigos mais próximos ou em comum com seu abusador e tem que ver o mesmo continuando receber o mesmo tratamento sem nenhuma ressalva por parte de nenhuma dessas pessoas? Nem todas as mulheres estão também dispostas a se exporem, principalmente porque sabem que não serão apoiadas.
E por que a responsabilidade disso tudo fica com a vítima do abuso?
O que a sociedade está querendo nos dizer?

A obrigação não está na mulher em fazer a denúncia, mas deveria estar nos homens não cometerem abusos e se cometerem se responsabilizarem por isso. Isso não é dizer que as mulheres não devem denunciar, de forma alguma, isso é tirar a responsabilidade exclusiva dos ombros das mulheres abusadas e também compreender as que não se sentem seguras para fazê-lo.

É muito comum homens que cometeram abusos preferirem enxergar que o que aconteceu foi uma questão pessoal, uma coisa entre homem e mulher, das “relações interpessoais”, e falham em compreender que o que aconteceu foi completamente fruto do patriarcado, que enquanto lhes beneficia, tem desfavoráveis consequências materiais e específicas às mulheres dentro deste mesmo sistema.

Mas esses mesmos homens (pasmem!) discursam também sobre a estrutura do patriarcado! Como se ele tivesse imunidade, como se ele não tivesse colaborado e não seguisse colaborando com essa estrutura. Então o homem abusador que defende que se deve meter a colher na violência contra a mulher, que demonstra ter consciência de que o pessoal é político, por quê ele de repente tenta a todo custo defender que o que ele fez foi meramente a nível humano, natural e pessoal, e procura agora separar o pessoal do político? Para esta eu tenho a resposta: por conveniência e covardia.

É conveniente oscilar entre o que é pessoal do que é político quando se trata de você mesmo. E é covardia desde quando ele se utilizou da manipulação, e segue incessantemente com o seu comportamento covarde. Eu acho é muito triste, não me dá nenhuma alegria escrever este texto nem recompensa. Mas está feita a denúncia. Esta é a minha denúncia, contra todos os homens que se safam dos abusos que cometem, saibam vocês que nós sabemos muito bem o que aconteceu. E se lhes resta um pingo de dignidade admitam que o que fizeram foi abusivo, lembrem do que acontecia durante o tempo que se relacionavam, lembrem das mentiras relevantes e graves, e igualmente das atitudes, que como consequência, só estendeu o prazo de validade da manipulação que se operava. lembrem dos impedimentos que criaram sejam nas escolhas que suas parceiras faziam, seja nas roupas que vocês criticavam ou no comportamento delas com o intuito de controlá-las. Lembrem de como vocês as usaram para prazer pessoal ou para outros fins quando ao mesmo tempo desconsideravam as necessidades ou dificuldades delas. lembrem daquele momento que vocês já sabiam o que tava acontecendo mas optaram por deixá-la no escuro e a enganaram até o fim, mas não vacilaram de forma alguma, de sugá-la até drená-la quase que completamente porque “sua companheira” estava ali para te servir e nutrir afinal das contas. Lembrem de que foram vocês que continuaram andando pelos mesmos espaços que tinham em comum enquanto ela teve que se retirar, e não esqueçam que muitas vezes esses espaços eram o ganha pão dela, e aqui vale lembrar que as mulheres tem menor poder econômico em comparação aos homens. Lembrem do que vocês faziam no foro íntimo, quando sua parceira estava dormindo. Porque elas não esqueceram, e ao contrário de vocês, elas se culpabilizam por “terem deixado chegar até aquele ponto”. O patriarcado é tão cruel que a culpa sempre fica com a mulher. Foi ela em fim que aguentou porque quis.

aline rodrigues

Mulheres são parte da piada para a banda francesa ‘Attentat Fanfare!’

No dia 12 de janeiro passado, eu vi o show da banda francesa Atenttat Fanfare, no VL na cidade de Halle na Alemanha. O VL é uma hausprojekt, uma casa onde acontecem gigs, oficinas, encontros de grupos de esquerda e também é uma comunidade onde moram várias pessoas. Em seus princípios estão o anti racismo, o anti sexismo, a anti homofobia e a luta contra o anti semitismo.

Eu não fui propriamente para o show, mas estava na casa e acabei ficando. A banda subiu no palco. Os integrantes estavam todos fantasiados, exceto pela mulher que toca acordeon. O vocalista estava de pijamas e pantufas, e os outros integrantes vestiam outras fantasias ou acessórios ‘engraçados’. um deles estava ‘fantasiado’ de mulher. Não pude deixar de pensar que a piada era muito ruim.

Os homens sempre acham uma grande sacada se vestirem de mulher para serem engraçados e debochados. É misógino querer fazer graça com vestimentas associadas às mulheres. Enquanto para os homens pode ser uma brincadeira usar salto alto, maquiagem, etc, para a mulher é como o patriarcado nos força à feminilidade e estabelece como padrões de beleza que nos oprimem.

Apesar de eu ter críticas a esta e outras características da banda não foram estas as razões para eu escrever.

Faço aqui um relato do que se sucedeu durante o show.

No meio do show entre uma música e outra, o vocalista parou para anunciar a próxima música e começou dizendo: “eu estive no Rio no Brasil e lá as mulheres tem grandes ‘tetas’ e bundas incríveis.” E juntamente gesticulava desenhando seios e bundas grandes no ar com as mãos enquanto arregalava os olhos. Eu realmente não acreditei no ponto que chegara. Já estava bastante intragável aquela banda, mas este foi o dado mais concreto e sem nenhuma sombra de dúvida do que estava acontecendo ali. Esta frase só tem a seguinte leitura: misoginia e racismo. Falar das mulheres daquele jeito. Se referir daquela forma às mulheres brasileiras, de um país que muito provavelmente ele nunca tenha pisado, mas que se pisou também não melhora em nada.

Com esta atitude, ele mostrou sem nenhum constrangimento o seu privilégio como homem e como europeu. Ele achou muito engraçado utilizar do estereótipo que se têm – e que também se vende – da mulher brasileira. Ele não está nem aí para o que isso representa. O quanto as mulheres no Brasil são exploradas por exemplo pelo turismo sexual, que seus compatriotas, outros europeus e homens de outros países mais ricos fazem.

Ele simplesmente não sofre com a objetificação do seu corpo, ao contrário de nós mulheres que temos nossos corpos controlados pelo patriarcado e suas leis, onde nossos corpos são objetificados e vendidos em rótulos de cerveja, objetificados e violados inclusive por homens que confiamos. Onde os padrões de beleza nos oprimem e levam muitas mulheres a uma busca incansável e infrutífera pelo corpo perfeito do qual o capitalismo (além do patriarcado) se alimenta. Padrões estes que levam às mulheres, incluindo meninas muito novas, a depressão, anorexia, bulimia e outros transtornos que por si só já são muito sérios, mas que ainda podem levar à morte. Ele se coloca do degrau da misoginia, do privilégio de macho eurocentrado e racista. Ele se apresenta desta forma mesmo num local de reputação libertária e política. Porque os homens se sentem no direito de serem machistas e se beneficiam disso.

Eu reagi gritando contra o vocalista em meio ao som alto as seguintes frases: “you have no right to say what Brazilian women are! you sexist! you racist!”

Ele respondeu dizendo: “maybe I’m too drunk”.

O público seguiu dançando e eles continuaram tocando tranquilamente. E eu me retirei da sala.

Eu não quero com isso culpabilizar as pessoas que ali se encontravam pela falta de reação. Estou me atendo aos fatos, porque estes dizem bastante sobre como aconteceu e como eu me senti. E entendo que principalmente mulheres podem não se sentirem seguras para reagir. Acredito também que algumas pessoas “não viram”, não perceberam. Porém também não deixo de notar que parte deste “não ver” é por conta de que a luta contra a misoginia e o machismo não são consideradas causas legitimas. A luta das mulheres é luta de segunda ordem, para não dizer de terceira ou quinta muitas vezes na escala de hierarquia de lutas. Esta falta de reação me surpreendeu bastante neste contexto específico, diz muito sobre como patriarcado funciona e que é também dominante na cena de esquerda.

Eu posso dizer que eu notei. Eu fui atingida, nós todas as mulheres fomos atingidas pela atitude do vocalista,e por isso faço esta denúncia.

Gostaria de dizer que não sou patriota, não estava defendendo o “meu país”. Isso foi apenas coincidência, teria reagido contra ele da mesma forma se ele estivesse falando de qualquer mulher de qualquer outro lugar do planeta. O que ele fez é culpabilizar as mulheres por serem exploradas. Porque ele não falou dos homens que as exploram, das indústrias que as exploram, do sistema patriarcal. Ele estava objetificando e também debochando das mulheres que ele vê serem retratadas na mídia como enfeites de carnaval.

Porém a ofensa foi a todas as mulheres que ali estavam, quer as pessoas percebam isso ou não. E isso é misoginia.

Dizer que é “só uma piada” não é um bom argumento de defesa. Deu para perceber isso. Não melhora em absolutamente nada, apenas confirma o grau de misoginia e desrespeito pelas mulheres ao tratá-las como objeto também de chacota.

 

 

 

Women are part of the joke for the French band Attentat Fanfare

On the last January 12th I saw the show of this French band Attentat Fanfare, at VL in the city of Halle,Germany. VL is a hausprojekt, as they call here, a community where some people live, a place for gigs, workshops, left wing groups meetings and other things.

I was in the house and it happened that this band would play. The band got on stage. Except by the woman playing accordion they were all dressed in “funny” costumes. The singer was in pajamas and slippers and one of them was dressed “as a woman”.

I couldn’t help but think that it was a bad joke. Men always found a bright idea to dress up “as women” to make fun. It’s misogynistic to wear clothes associated to women in order to mock. While it can be a joke for men to wear high heels, make up, skirts, etc, for women these are things patriarchy forces us into femininity and establishes those as beauty standards that oppress us.

But. Although I’m critical of this and some other characterstics of this band, those weren’t the reasons for me writing this.

I’m reporting what took place during the concert.

In some part o the show, between songs, the singer started to announce the next song, he begun saying: “I was in Brazil and there women have big tits and great asses” (his words). At the same time his hands were drawing shapes of breasts and asses on the air while his eyes widned. I could not believe that he came at this far. For me the band was already hard to swallow, but that was a more tangible fact which left no room for doubts about what was going on. That sentence has only one interpretation: misogyny and racism. Talking about women on that way. To refer to Brazilian women on that way, from a country he probably never stepped in, but in case he did, it doesn’t count on his favor.

He showed his male and european privilege without any embarrassment. He found it very funny to reinforce the stereotype of Brazilian women. He simply doesn’t care of what this stands for. Of how women in Brazil are exploited by the sex tourism for example, which is a practice widely used for his compatriots, other european men, as well other men for any richer country.

He simply doesn’t have a clue what means to be objectified, different from us women, having our bodies been controlled by patriarchy and its laws, where our bodies are objectified and sold on beer labels, objectfied and violated for men including the ones we trust. Where the beauty standards oppress us and lead women on this restless and unsuccessful search for a perfect body/looking, which feeds both capitalism and patriarchy. Standards that are the cause for many women, also very young girls, for depression, eating disorders and other disturbances that are serius enough, but that can also lead to death. He placed himself from the step of misogyny, at the racist eurocentric male privilege place. He presents himself in this way, even in a place with political reputation. Because men feel entitled to be sexist and they benefit from it.

I reacted yelling at him in the middle of the noize the following sentences: “you have no right to say what brazilian women are! you sexist! you racist!

His answer was: “Maybe I’m too drunk”.

The audience kept dancing and they continued playing peacifully. And I left the room. I don’t want to blame the people there for their lack of reaction. I’m sticking into the facts for only one reason, because they (the facts) say a lot about what happened and how I did feel about it. I understand that sepecially women might not feel comfortable to react in situations like this. I also believe that some people didn’t see or realized it. However I also cannot help but noticing that part of “not seeing” it’s because the struggle against misogyny and sexism aren’t considered legitimate struggles. Women’s struggle is secondary, for not saying of third or fifth level in the hierachical scale of the struggles. This lack of reaction surprised me on that particular context and says a lot about how patriarchy works and also prevails in the left scene.

I can say that I have noticed, that it hit me, that his atittude hit all women, and that’s why I’ve decided to dennounce it.

I would like to inform I’m no patriot, I wasn’t defending “my country”. That’s just a coincidence, I would have reacted the same way if he would have talked about any women from any other place of the planet. What he did was to blame women for being exploited. He didn’t talked about the men who exploit them, about the industries that exploit them, neither about the patriarchal system. He objectified and also mock women who he sees been depicted in the media as carnaval accessories.

However, the offense was to all women in the room, even if people don’t realize it. And this is misogyny.

It’s not a good defense to say that it was just a joke. I realized that. And that doesn’t help it in any way, on the contrary, only confirms the level of misogyny and disrespect for women, because as doing so, you are treating women as object also for mockery.

Aline Rodrigues

Escrachando o Feminismo Radical – uma resposta às acusações ao feminismo radical de poa

Abaixo segue a resposta à “Moção de Repúdio ao Movimento Feminista Radical de POA”. A resposta fala por si, contextualiza, em fim, não há necessidade de introdução basta lê-la. Mas sinto a necessidade de colocar o seguinte:

Uma moção de repúdio a feministas radicais daqui ou de qualquer lugar é algo questionável. É questionável do ponto de vista feminista fazer uma moção de repúdio contra mulheres que se organizam para lutarem por libertação. Uma moção de repúdio? Um repudio? Uma coisa é discordar teoricamente, uma coisa é escolher com quem vai se aliar, com quem vai lutar e de qual forma. Mas outra coisa bem diferente é REPUDIAR feministas e ainda tornar isso público e colocar a segurança física e emocional de um determinado grupo de mulheres em risco. Não é possível fazer acusações por fazer, sem um mínimo de consideração, sem informação pelo que se está criticando, em fim. Nós mulheres já somos alvos de ataques misóginos de todos os níveis, nossa luta e sobrevivência são parte do nosso diário.

Também acho importante ressaltar o apoio que o “repúdio” recebeu, quando prontamente 100 pessoas “curtiram”. 100 pessoas se sentiram confortáveis o suficiente para tornar público que concordam com ser possível repudiar um grupo de mulheres que compartilham da teoria feminista radical.

Eu queria problematizar isso. De onde vem este conforto, esta confiança para se dar este apoio? Sim, é seguro criticar feministas radicais, pois são odiadas, são taxadas de transfóbicas, de excludentes, de anti-homens. Nada mais seguro e confortável persegui-las sem tentar compreendê-las. E diria mais, esta não é uma questão de não “tentar” compreendê-las somente, mas percebo que é uma negação proposital, porque compreender o feminismo radical causaria ter que rever suas posições, seus privilégios, ceder espaço para mulheres, todas estas coisas da quais os homens se beneficiam no patriarcado. Então não finjam que estão do lado das mulheres, do nosso lado, porque vocês não estão, e ativamente estão contribuindo com a exploração e a opressão que combatemos para a nossa libertação, e para que sejamos silenciadas.

Também gostaria de frisar que o escracho não foi uma ação feita por feministas radicais, então a “Moção de repúdio às feministas radicais de Poa” é difamatória. Porém como está explicada na carta abaixo não farei desta a defesa das feministas radicais, porque respeitamos a ação escolhida(o escracho) por estas mulheres e cabe apenas a elas falarem por elas se assim desejarem.

Isso tudo é assustador: existir uma moção de repudio a mulheres feministas radicais, e 100 pessoas tornarem público seu acordo a isso. É assustador utilizar de um escracho denunciando o machismo para atacar um grupo de mulheres. É assustador também que mesmo com a descoberta de que não foi este grupo de mulheres (feministas radicais) que fizeram este escracho, tenha se sucedido uma “retratação” que apenas reforçou as críticas levianas ao feminismo radical, e não consiste em retratação de forma alguma, mas apenas a continuidade da postura de irresponsabilidade política adotada. E mesmo sabendo disso as pessoas continuaram “curtindo” ou mantiveram lá suas “curtidas”.

Ao contrário do que dizem os difamadores, feministas radicais são mulheres de todos os tipos e lugares, de classes sociais , raças e etnias diferentes. O que nos aproxima vai além da teoria, porque nossa teoria e nossa prática andam juntas. É comum encontramos no feminismo radical o único espaço onde sentimos conforto, compreensão e acolhimento. E ao contrário do que dizem, o feminismo radical não é a teoria feminista mais difundida nas universidades, se fosse não seria uma vergonha mas uma conquista. Sejam honestos pelo menos com isso.

enila dor.
ESCRACHANDO O FEMINISMO RADICAL

Sobre as acusações ao feminismo radical POA referentes ao escracho no Bar Zumbi

Diante de diversas acusações, nos sentimos compelidas a dar respostas a uma série de falácias motivadas e endossadas por toda uma histórica perseguição a mulheres feministas. Perseguição esta que atualmente assume nova roupagem, mas continua servindo da mesma maneira ao patriarcado, desacreditando e desarticulando a nossa luta. A perseguição a feministas radicais chegou a tal ponto que fomos responsabilizadas por decisões que não tomamos, como, por exemplo, pelo recente escracho organizado por mulheres autônomas de diversas correntes feministas contra o bar Zumbi e o evento que seria lá sediado.

No último período, Porto Alegre (bem como outras cidades do país e do mundo) tem sido palco de festas que se dizem alternativas e libertárias e que, no entanto, tem demonstrado conteúdo misógino, machista, lesbofóbico e racista, tornando-se espaços de silenciamento, assédio e abuso de mulheres. Neste contexto, várias mulheres têm se organizado para se contrapor a essas iniciativas. Embora o movimento radical não tenha organizado o referido escracho, salientamos que sempre estivemos e sempre estaremos ao lado das mulheres que combatem o machismo em suas diferentes manifestações. Não falaremos aqui sobre as críticas feitas ao método utilizado por essas mulheres, pois acreditamos que elas mesmas podem se pronunciar sobre isso.

Quanto às críticas direcionadas ao movimento, percebemos que vem ocorrendo interpretações errôneas sobre o que é o feminismo radical. Somos feministas radicais porque buscamos combater a opressão patriarcal em sua raiz. No entanto temos sofrido a acusação de transfobia como uma associação direta à teoria radical. Entendemos que a associação de feminismo radical à transfobia é uma redução desonesta de todas as demandas desse movimento a uma mentira que se utiliza desse “carimbo” como ferramenta de perseguição de militantes e uma maneira de invisibilizar as pautas que dizem respeito a mulheres e suas vivências. Consideramos a acusação de transfobia leviana e irresponsável, na medida em que culpabiliza mulheres militantes por uma violência real causada por um inimigo comum, que tem os mesmos ideais machistas que combatemos.

Também consideramos que a acusação de academicismo que feministas vêm sofrendo é bastante problemática, tendo em vista toda a história de exclusão das mulheres no acesso ao conhecimento formal e da configuração de um espaço acadêmico extremamente machista e dominado por homens. Reivindicamos o conhecimento formal produzido por escritoras, cientistas e estudantes, num esforço de valorizar o saber produzido pelas mulheres, que deve ser passado adiante dentro dos espaços feministas para enriquecer nossa luta com a perspectiva feminina e valorizar a herança deixada pelas mulheres que vieram antes de nós. No entanto, não entendemos conhecimento formal como algo que desvalorize ou se contraponha às vivências feministas, mas que são complementares. Nosso feminismo é construído cotidianamente através da nossa prática, a partir das nossas ações na luta global das mulheres pelas mulheres.

Além das demais acusações acima, houve a de racismo. Enfatizamos nosso posicionamento contra o racismo, o qual consideramos uma violência muito grave, que combatemos em nossa atuação e cuja acusação levamos extremamente a sério. Nesse sentido, gostaríamos que fosse apontado onde está o racismo em nossas problematizações. Lamentamos, ainda, que seja dito que a motivação das mulheres que realizaram o referido escracho tenha sido racista, pois é um contrassenso, uma vez que entendemos que o objetivo do escracho e das manifestações das redes sociais foi justamente denunciar o conteúdo racista (além de misógino, machista e lesbofóbico) do evento que teria lugar no bar Zumbi e com a qual os organizadores, os donos do bar e as bandas participantes foram coniventes.

Não podemos ignorar que foi de extrema irresponsabilidade política e pessoal as acusações feitas tanto ao grupo que realizou o escracho quanto as mulheres organizadas no feminismo radical, pois expôs e colocou em risco a integridade física e moral de integrantes de ambos os grupos.

Infelizmente é inviável abordar todas as pautas necessárias a este texto e a este contexto, no entanto, gostaríamos de convidar todas as mulheres a construir conosco um movimento feminista de maneira responsável, coerente e que não exponha mulheres, mas sim lute por elas.”

Larga Viva – uma carta de repúdio a declaração de Paz Berti

Está sendo organizado para o dia 15 de março a Larga Viva, um evento pelo mês de março, para lembrar o dia 8, dia das mulheres, dia de luta.

Eu recebi um convite via e-mail para o evento e nele havia um link para o evento.

Acessei o link e tive o desprazer de ver a discussão gerada adivinhem pelo que? Tenho certeza que muitas já adivinharam, pois é, estão discutindo em como é excludente e autoritário o evento ser exclusivo de mulheres! Como ousam as mulheres fazerem um evento por elas e para elas?

Tudo começou porque o MC chamado Paz Berti se diz “censurado”, excluído e classificado porque não vai “poder” tocar neste evento pelo dia das mulheres que ousam serem as protagonistas do evento!

Ele diz assim:’Só queria informar que me tirarem da programação do próximo Largo Vivo por ter pênis e não xereca. Ta todo o errado!!! Tenho que lutar diariamente com atitudes machistas, homofóbicas e agora algumas femistas se sumarem. É complicado pensar um feminismo de esse jeito.’

Sim, é verdade, eu também custei a acreditar em tamanha ignorância e misogina. E tudo isso vindo de quem? De um cara que se diz feminista. Nem vou mencionar o fato que ele usou a palavra “femista”.

Vamos então colocar umas coisas para você Paz.

Primeiro, que você pode se dizer feminista mas isso não significa que: 1)você seja um 2) que homens possam ser feministas 3) qual “jeito” é o “feminismo certo” para você Paz Berti.

Você poderia ser uma aliado talvez, mas isso você também não é porque você acabou de demostrar.

O que aconteceu é que um homem se sentiu machucado e tá muito triste porque as mulheres não lhe priorizaram! E ele se diz feminista! Fala sério!

Notem que quando ele se refere a vagina ele fala “xereca”!, já ao se referir ao seu lindo pênis ele usa a palavra….pênis. Ele diz que sofre diariamente com atitudes machistas e homofóbicas e ele mesmo tem atitudes machistas e homofóbicas, e misóginas! É misoginia desqualificar a vagina em primeiro lugar! E é machismo supervalorizar seu pênis meu querido, caso você não saiba.

E aí este mesmo cara posa numa foto de saia sem camisa com uma garota do lado de mãos dadas também sem camisa, onde nos seus corpos está escrito “nem homem” “nem mulher”. Porém caro Paz, por mais que você ande por aí de saia você continua sendo privilegiado. E caso você não saiba você não é oprimido pelo patriarcado, você no máximo sente desconforto com as regras do mesmo, mas você é PRIVILEGIADO pelo patriarcado, de tal forma que basta você trocar suas saias por uma calça. Já nós mulheres mesmo de calças somos assediadas nas ruas, somos estupradas todos os dias, assassinadas por termos XERECAS (arg, que nojo esta coisa que fede a peixe já disseram muitos homens gays nos anos 70). Ou seja, não vai fazer nenhuma diferença para mim usar roupas neutras, hum seriam “masculinas”? Ou usar roupas que foram feitas para mulheres usarem.

Seguindo o show de horrores machista, ele tem apoiadoras que não titubearam em sair para “ajudá-lo”, em sua defesa, pobre coitadinho. Sabem por que isso acontece? Porque nós mulheres somos educadas para darmos prioridade aos homens. Porque nós mulheres sempre temos que ser apaziguadoras, porque nós mulheres estamos ‘classificadas’ – para usar o termo usado por Paz – como da classe inferior. Logo nós internalizamos o machismo e também somos capazes de atitudes machistas e misóginas. E é por isso que o feminismo existe caso você não saiba, para lutarmos contra o machismo e a misoginia vigentes e institucionais, lutarmos por nossa autonomia que inclui reaprendermos e buscarmos o que nos foi tirado e negado.

Uma das garotas que lhe defende diz assim:“Te ajudo e descolamos todo um equipo pra fazer dois palcos.Se ser feminista eh isso Sigo sendo anti machista e libertária.”

Sim gente, eu não estou inventando.

Eu também não acredito que passa pela cabeça de alguém alterar a programação, passar por cima literalmente das decisões e /ou vontades de outras mulheres para defender um homem, e tudo isso, ambxs dizem em nome do feminismo!

Pois o feminismo não é não uma luta para favorecer os homens! Ah não sabia! Pois é, o feminismo é uma luta das mulheres para as mulheres. E muitos homens que sentem desconforto com o machismo, que se sentem mal serão igualmente beneficiados nesta luta das mulheres.

Nós não seremos nem salvas, nem libertas, nem protegidas por vocês homens. São os homens que nos assediam nas ruas e em todos os espaços(trabalho, escolas, lazer, etc), são os homens que nos estupram, nos ameaçam, nos agridem física, emocional e verbalmente. Assim como você Paz acabou de fazer. Você está nos agredindo por não receber o tratamento que você acha que merece. E isso se dá por causa do seu privilégio, porque você não foi educado para ser excluído não é mesmo? Você cresceu tendo todos os espaços internos e externos sendo seus!

Nós não! Nós fomos educadas como inferiores e crescemos lutando por espaços ou nos conformando que os espaços não são nossos. Nós só temos estas duas opções. Nos conformar ou lutar!

Não Paz, você não é feminista, sinto lhe dizer. Você deve repensar o que você está sendo para o feminismo, para as mulheres e lésbicas, e repensar suas atitudes.

O machismo não se luta com paz. O machismo se enfrenta com muita luta, com muita batalha, até porque o machismo é a guerra não declarada contra as mulheres.

 

Por que ela não tá nem aí pra sua Insurreição//tradução

Por Que Ela Não Tá Nem Aí Pra Sua Insurreição é um texto que fala sobre machismo num contexto específico de Nova Iorque, na cena anarquista insurrecionária da qual a autora faz parte. Ela faz uma crítica sobre como o machismo está presente mesmo neste contexto, pois as mulheres enfrentam a opressão do patriarcado fora, mas também dentro de espaços anarquistas/libertários. Poderíamos dizer espaços supostamente anarquistas e libertários e não estaríamos sendo radicais, apenas sendo coerentes, pois não é possível que nestes espaços o machismo seja aceito, que seja uma opressão praticada como normalidade ou mesmo “apenas” ignorado. Não é possível ignorar o machismo. Isso só acontece porque existe interesse em manter as mulheres sob domínio dos homens. Lendo o texto percebemos que é uma situação análoga as cenas das quais nós também nos encontramos. Boa leitura.

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Tradução de Why she doesn’t give a fuck about your Insurrection

Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas

Por Tamara K. Nopper

Como uma mulher que sofreu abuso físico e emocional cometido por homens, alguns com os quais eu tive longos relacionamentos, é sempre difícil ficar sabendo que outras mulheres ativistas estão sofrendo abuso por homens ativistas.

As questões interrelacionadas do sexismo, misoginia e homofobia em círculos ativistas são excessivas, e não é surpreendente que mulheres sejam abusadas física e emocionalmente por homens ativistas com os quais elas trabalham em vários projetos.

Eu não estou falando abstratamente aqui. Na verdade, eu sei de vários relacionamentos entre homens e mulheres ativistas nos quais as últimas são abusadas se não fisicamente, emocionalmente. Por exemplo, há muito tempo uma amiga minha me mostrou ferimentos em seu braço que ela me disse que foram causados por outro homem ativista. Essa mulher certamente luta emocionalmente, o que é de alguma forma esperado dado que ela sofreu abuso físico. O que era ainda mais desolador de se ver era como esta mulher era evitada nos círculos ativistas quando ela tentava falar sobre seu abuso ou quando se referia a ele. Alguns disseram a ela para ultrapassá-lo, ou para se focar em “verdadeiros” homens babacas tais como proeminentes figuras políticas. Outros disseram a ela para não deixar “problemas pessoais” interferirem na “realização do trabalho”.

Eu lutei com a recuperação de minha amiga também. Como sobrevivente de abuso, era difícil encontrar uma mulher que de certa forma era um espectro de mim. Eu procurava ela e ela volta e meia me falava sobre outra briga que ela e seu namorado haviam tido. Eu me vi evitando essa mulher porque, francamente, era difícil olhar para uma mulher que me recordava muito de quem eu era há não muito tempo: uma pessoa assustada, envergonhada e desesperada que balbuciaria para qualquer pessoa disposta a ouví-la sobre o que estava acontecendo com ela. Em outras palavras, eu, como essa mulher, tinha passado pelo desespero de tentar sair de uma relação abusiva e necessitando finalmente contar às pessoas o que estava acontecendo comigo. E assim como essa mulher era tratada, a maioria das pessoas, até mesmo aqueles que eu chamava de amigos, se esquivavam de me escutar porque eles não queriam ser incomodados ou estavam lutando com suas próprias lutas emocionais.

A vergonha associada em contar às pessoas que você tem foi abusada, e como eu, ficado numa relação abusiva, é agravada pelas respostas que você obtém das pessoas. Ao invés de se solidarizarem, muitas pessoas ficaram decepcionadas comigo. Muitas vezes as pessoas me disseram que elas estavam “surpresas” em descobrir que eu havia “me envolvido com esta merda” porque diferentemente de “mulheres fracas”, eu era uma mulher “forte” e “política”. Essa resposta é completamente misógina porque ela nega quão dominante é o patriarcado e o ódio às mulheres e ao “feminino”, e ao invés disso, tenta colocar a culpa nas mulheres. Isto é, nós ignoramos que mulheres estão sendo abusadas por homens e, ao invés disso, enfatizamos o caráter das mulheres como a razão definitiva pela qual algumas são abusadas enquanto outras não “se envolvem com esta merda”.

É impossível não pensar que outras mulheres ativistas que têm sido abusadas, quer seja por homens ativistas ou não, também enfrentam dificuldades semelhantes recuperando-se do abuso. Independentemente da política de alguém, as mulheres podem ser e são abusadas. Qualquer um que se recuse a acreditar nisso, ou simplesmente não escuta às mulheres, ou não pensa sobre o que as mulheres normalmente passam. E isso só acontece por hostilidade das pessoas em reconhecer quão pervasivos e normalizados são o patriarcado e a misoginia – tanto fora quanto dentro de círculos ativistas.

Mais, várias de nós queremos acreditar que homens ativistas são diferentes de nossos pais, irmãos, antigos namorados e machos estranhos com os quais nos confrontamos em nossas rotinas diárias. Nós queremos ter alguma fé que o cara que escreve um ensaio sobre sexismo e o posta em seu website não o está escrevendo somente para fazer uma boa imagem de sí mesmo, obter sexo, ou encobrir algumas de suas perigosas práticas com relação às mulheres. Nós queremos acreditar que as mulheres estão sendo respeitadas por suas habilidades, energia e comprometimento político e não estão sendo solicitadas a fazer algo porque elas são vistas como “exploráveis” e “abusáveis” por homens ativistas.

Nós queremos acreditar que, se um homem ativista fez um avanço indevido ou fisicamente/sexualmente agrediu uma mulher ativista, isso seria prontamente e atenciosamente lidado por organizações e comunidades políticas – e com a contribuição da vítima. Nós queremos acreditar que grupos ativistas não são tão facilmente seduzidos pelas habilidades ou pelo “poder nomeado” que um ativista masculino traz a um projeto ao ponto de estarem dispostos a deixar uma mulher ser abusada ou não se importarem com sua recuperação. E nós gostaríamos de pensar que “a segurança” em círculos ativistas não somente foca nas questões de listas de grupos na internet ou em usar nomes falsos em assembléias, mas que de fato inclui pensar proativamente sobre como lidar com a misoginia, o patriarcado e o heterossexismo tanto fora quanto dentro de cenários ativistas.

Mas todos esses desejos, todos esses sonhos obviamente não tendem a ser abordados. Em vez disso, eu sei de homens ativistas que trollam espaços políticos como predadores procurando por mulheres que eles possam manipular politicamente ou “transar sem ter que dar explicação”. Como padres abusivos, alguns desses homens literalmente movem-se de cidade em cidade procurando se divertir e encontrar carne fresca no meio daqueles que não são familiares com sua reputação. E eu tenho visto mulheres ativistas se dedicarem a homens ativistas (que frequentemente ficam com o crédito) na esperança de que o homem ativista abusivo irá finalmente se dar conta disso ou a apreciará enquanto ser humano.

Enquanto o romance entre ativistas é aprazível, eu acho nojento como homens ativistas usam o romance para controlar as mulheres politicamente e manter as mulheres emocionalmente comprometidas em ajudar esses homens politicamente, mesmo quando essas políticas são piegas ou problemáticas. Ou, em alguns casos, homens ativistas se envolvem com política para encontrar mulheres que eles possam envolver em relações abusivas e de controle.

E dado que o abuso traz à tona o pior da vítima, eu tenho visto que mulheres interagem com outras ativistas (particularmente mulheres) de maneiras que elas normalmente não fariam se elas não estivessem sendo politicamente e emocionalmente manipuladas por homens. Por exemplo, eu sei de mulheres ativistas abusadas que têm espalhado rumores sobre outras mulheres ativistas ou têm-se envolvido em brigas políticas entre seu namorado e outros ativistas.

O que é assustador é que eu sei de ativistas homens que estavam abusando e manipulando de mulheres ativistas ao mesmo tempo que escreviam ensaios sobre sexismo ou sobre competição entre mulheres. Às vezes o homem ativista irá redigir o ensaio com sua amiga ativista de forma a obter mais legitimidade. Eu sei de homens ativistas que numa hora citam Bell Hooks, Gloria Anzaldúa ou outras escritoras feministas e noutra estão perseguindo ou espalhando mentiras e fofocas sobre uma amiga ativista.E de homens ativistas que irão ensinar mulheres a serem menos competitivas com outras mulheres para dissimular seu comportamento abusivo e manipulador.

O que é mais desolador é o apoio que homens ativistas abusivos encontram de outros/as ativistas, homens ou mulheres, mas mais habitualmente de outros homens.As mulheres ativistas não só têm de confrontar e lidar com seu agressor em círculos ativistas, mas com uma comunidade política que se designa comprometida mas que no final das contas não dá importância alguma sobre a segurança emocional e física da vítima. Em muitas ocasiões eu tenho ouvido as histórias das mulheres sobre abuso serem recontadas e reformuladas por homens ativistas de uma maneira hostil e sexista. E quando eles remodelam essa história, eles geralmente o fazem naquela voz, aquela voz falsa, acusatória e zombeteira.

Por exemplo, quando eu estava dividindo com um homem ativista minhas preocupações sobre como uma mulher ativista estava sendo tratada por um homem ativista que mantinha uma posição proeminente em um grupo político, o homem “ouvindo” a minha história disse naquela voz “Oh, ela só está provavelmente brava porque ele começou a namorar outra pessoa” e passou a tirar sarro dela. Ele continuou a me dizer que, enquanto ele “reconhecia” que o homem estava errado, que cabe a mulher impor-se ao homem se ela quer que o tratamento pare.

Infelizmente essa característica de misoginia deste homem disfarçada como homem feminista é muito comum em círculos ativistas dado que muitos homens em geral acreditam que mulheres são abusadas porque elas são fracas ou que no fundo querem ter relacionamentos com homens abusivos. Mais, os comentários deste homem revelaram uma atitude que acredita que se mulheres ativistas têm problemas com homens ativistas, elas “denunciam o abuso” para encobrir desejos sexuais ocultos e raiva por terem sido rejeitadas por homens que “não irão comê-las”.

Eu acho repulsivo que a segurança física e emocional de mulheres seja de pouca preocupação para homens ativistas em geral. Enquanto homens ativistas irão falar da boca para fora sobre como eles precisam ficar com suas bocas caladas quando as mulheres estão falando ou como espaços somente de mulheres são necessários, muito frequentemente pessoas “críticas” e “políticas” não querem confrontar o fato de que as mulheres estão sendo abusadas por homens ativistas em nossos círculos.

Quando essa questão é “abordada”, mais frequentemente do que não, a atenção será dada a “batalhar com” o homem (ou seja, deixando-o permanecer e talvez só fofocando sobre ele). Eu tenho visto algumas situações onde homens abusivos são adotados, por assim dizer, por outros ativistas, que vêem a reabilitação do homem como parte de seus projetos mas que praticamente não pensam sobre o que isso significa para as mulheres que estão tentando se recuperar. Em alguns casos, o homem ativista abusador foi adotado enquanto a mulher foi rejeitada como “instável”, “louca” ou “muito sentimental”. Basicamente, esses grupos iriam antes ajudar um cara frio e calculista que pode “mantê-los unidos” enquanto ele abusa de mulheres ao invés de lidar com a realidade de que o abuso pode contribuir para as dificuldades emocionais e sociais das vítimas enquanto elas se esforçam para se tornarem sobreviventes.

E em alguns casos, mulheres ativistas irão evitar de ir à polícia porque elas criticam o complexo industrial penitenciário, mas também porque outros homens ativistas irão dizer-lhes que elas estão “contribuindo para o problema” ao “conduzirem o Estado para dentro”. Mas na maioria dos casos, o homem ativista não é castigado pelos problemas que ele criou. Deste modo, as mulheres estão presas tendo que descobrir como garantir sua segurança sem serem rotuladas como “traidoras” por seus colegas ativistas.

Enquanto acredito fortemente que nós devemos tentar trabalhar pela reabilitação ao invés da punição em si, eu estou dolorosamente consciente que nós frequentemente damos mais ênfase em ajudar homens a permanecerem em círculos ativistas do que apoiar mulheres através de suas recuperações, o que pode envolver a necessidade de ter o homem removido de nossos grupos políticos. Basicamente, o grupo irá normalmente determinar que o ativista abusador deve ser deixado a se reabilitar sem perguntar à mulher o que ela necessita do grupo para recuperar-se e ser apoiada em seu processo. Eu sei de vários exemplos em que mulheres foram forçadas a tolerar a indisposição do grupo ao se referirem ao abuso. Algumas irão permanecer envolvidas em organizações porque elas acreditam na causa e porque francamente, há poucos espaços para ir, se houverem, onde ela não sofra o risco de ser abusada por outro ativista ou que o abuso que sofreu não seja desconsiderado. Outras irão simplesmente deixar o grupo.

Eu tenho visto como essas mulheres são tratadas por outros/as ativistas – homens e mulheres – que tratam mulheres friamente ou fofocam que elas são egoístas ou traidoras por deixarem o lado pessoal interferir na “causa”. Ou quando mulheres ativistas que foram abusadas são “apoiadas”, é usualmente porque ela é considerada “eficiente” ou porque desconsiderar o abuso será “ruim para o grupo”. Nesse sentido, a saúde física, emocional e espiritual da mulher é ainda sacrificada. Em vez disso, o abuso sofrido deve ser levado em conta porque se ele não for, ela pode “parar de contribuir com o grupo” ou pode haver muita tensão no mesmo para que ele funcione de forma eficiente. De qualquer forma, a segurança das mulheres não é vista como digna de preocupação em si mesma.

Em geral, cenários ativistas não são um espaço seguro para mulheres porque nele circulam homens misóginos e abusivos. Além disso, muitos desses abusadores usam a linguagem, ferramentas de ativismo e apoio de outros ativistas como meio de abusar de mulheres e esconder seus comportamentos. E infelizmente, em muitos círculos políticos, independentemente de quanto nós falemos sobre o patriarcado ou misoginia, mulheres são sacrificadas de forma a manter a “causa” ou salvar a organização. Talvez seja tempo de nós realmente nos importarmos com o fato de que as mulheres ativistas estão vulneráveis a serem manipuladas e abusadas por homens ativistas e considerar que abordar isso proativamente é uma parte integral da “causa” pela qual ativistas devem lutar.

 

O Machismo Também Saiu às Ruas

Nos protestos pelo Brasil pudemos observar que o machismo também “saiu às ruas”. É importante ressaltar isso, principalmente porque o machismo é sempre abrandado, quando não negado, e historicamente ignorado devido a “coisas mais importantes para se resolver ou para se focar”.

Desta vez porém, referente aos protestos, observamos e denunciamos o sentimento ufanista, a necessidade desesperada de caracterizar o movimento como pacifista, a violência perpetuada contra pixadores, a perseguição de manifestantes alcunhados como vândalos, a tentativa de cooptação da direita, a infiltração de neonazis e da própria polícia, entre outras questões.

Nada menos do que imprescindível nos atermos sobre questões que sim, não tenham impedido os protestos de continuarem, mas que incomodaram uma grande parcela de manifestantes, principalmente mulheres e que podem sim terem impedido algumas de continuarem participando. Geralmente em eventos públicos, com aglomeração de pessoas, a gente vê manifestações de racismo, machismo e heterossexismo, e normalmente as pessoas ficam caladas. Tais preconceitos não acontecem apenas em eventos e aglomerações obviamente, diariamente nos deparamos com situações machistas, racistas e heterossexistas e nem sempre temos na ponta da língua uma resposta, ou não dispomos de energia, ou “presença de espírito” para respondermos, ou simplesmente percebemos outras problemáticas implícitas numa possível explicação. Além do que, estes preconceitos são reproduzidos de forma sistemática e normalizada, o que dificulta tentativas de diálogo que são tratadas com hostilidade, descartando que hostil é a manifestação do preconceito em primeiro lugar.

De certa forma poderia ser mais fácil confrontar preconceitos em situações similares a protestos como este, onde é trazido à tona as desigualdades, já que existe um terreno propício ao questionamento. Mas parece não ser tão fácil assim.

Os protestos estão dizendo que não aguentamos mais as desigualdades sociais e de classes, e que estamos dispostas a lutar por demandas que nos são importantes e necessárias para nossas vidas e para a sobrevivência de vários grupos. Desta forma precisamos dar atenção para não oprimirmos outros grupos que sofrem outras opressões.

Durante estes protestos surgiram cartazes e gritos machistas, como os referentes a Dilma não enquanto presidente, mas enquanto mulher, como no cartaz que dizia: “de quantas mulheres precisa pro Brasil afundar? Di(u)ma.” Piadas como esta, estão carregadas de misoginia mas são encaradas com naturalidade, e fazem “todo mundo” rir. Exceto a quem ela atinge, como são as piadas de negros e de “viado” ou “sapatão” em que as pessoas dizem “não sou racista/homofóbico mas escuta essa!”

Ouvi em diferentes momentos mulheres serem chamadas de vadia no meio dos protestos, por não corresponderem ao esperado delas. Argumentei com estas pessoas que não fazia sentido elas se referirem assim àquelas mulheres e recebi de volta comentários de desprezo também por eu ser mulher.

É importante combatermos as opressões, incorporando como ação importante nas nossas lutas e no nosso cotidiano, até que o machismo, a misoginia e o preconceito encontrem resistência, e passem a não ser mais uma normalidade.

 

A Questão Feminina em Nossos Meios – Lucia Sanchez Saornil

O texto que segue é de Lucia Sanchez Saornil da organização Mujeres Libres da Espanha. A organização surgiu em 1936 na época da Revolução Espanhola, também contada como Guerra Civil Espanhola. O texto é um trecho de uma discussão entre Lucia e o secretário da CNT Mariano R. Vasquez que foi publicada no jornal Solidaridad Obrera em 1935.  O texto parece oportuno e ainda atual pois critica o pensamento científico da maternidade como característica definidora da mulher, ditando suas funções dentro da sociedade, e relata o machismo no meio anarquista da época.  Sinto uma grande afinidade com o pensamento de Lucia, pois hoje ainda enfrentamos as mesmas dificuldades.

“Na atualidade, está socialmente questionada a teoria da inferioridade intelectual feminina ; um número considerável de mulheres de todas as condições sociais demonstrou praticamente a falsidade do dogma, poderíamos dizer, revelando a excelente qualidade de suas aptidões, em todos os ramos da atividade humana. Apenas nas camadas sócias inferiores onde a cultura penetra mais lentamente pode sustentar-se, ainda, uma crença tão perniciosa.

Quando, porém, o campo parecia limpo, um novo dogma, este com garantias científicas, aparentes, obstaculizou o caminho da mulher, levantando novos obstáculos à sua passagem; e é de tal qualidade que, por um momento, deve tê-la deixado pensativa.

Frente ao dogma da inferioridade intelectual da mulher, levantou-se o da diferenciação sexual. Já não se discute como no século passado, se a mulher é superior ou inferior; afirma-se que é diferente. Já não se trata de um cérebro de maior ou menor peso ou volume, mas de uns corpinhos esponjosos, chamados glândulas de secreção, que imprimem um caráter peculiar à criatura, determinando seu sexo e com este, suas atividades no campo social.

Nada tenho a objetar a esta teoria em seu aspecto fisiológico, mas sim às conclusões que se pretendem extrair da mesma. Que a mulher é diferente? De acordo. Embora talvez essa diversidade não se deva tanto à natureza, como ao meio ambiente em que se desenvolveu. É curioso que, quando se extraíam tantas conseqüências da teoria do meio na evolução das espécies, esta seja completamente esquecida quando se trata da mulher. Considera-se a mulher atual como um tipo acabado, sem levar-se em conta que não é mais do que o produto de um meio permanentemente coativo e é quase certo que, restabelecidas no possível as condições primárias, o tipo se modificaria ostensivamente, burlando, talvez, as teorias da ciência que pretendem defini-la.

Pela teoria da diferenciação, a mulher não é mais do que uma matriz tirânica que exerce suas influências obscuras até os últimos recantos do cérebro; toda vida psíquica da mulher é subordinada a um processo biológico, e tal processo biológico não é outro que o da gestação. “Nascer, sofrer, morrer”, dissemos num artigo anterior. A ciência veio modificar os termos, sem alterar a essência desse axioma: “Nascer, gestar, morrer”. E aí está todo o horizonte feminino.

É claro que se tentou cobrir essas conclusões com douradas nuvens apoteóticas. “A missão da mulher é a mais culta e sublime da natureza”, dizem; “ela é a mãe, a orientadora, a educadora da humanidade futura”. E, no entanto, fala-se em dirigir todos os seus passos, toda a sua vida, toda a sua educação para esse único fim; único ao que parece, em perfeita harmonia com sua natureza.

E novamente vemos, frente a frente, o conceito de mulher e o de mãe. Porque resulta que os sábios não descobriram nenhum mediterrâneo; em todas as idades, têm-se praticado a exaltação mística da maternidade; antes exaltava-se a mãe prolífica, parideira de heróis, de santos, de redentores ou tiranos; de agora em diante, exaltar-se-á a mãe eugênica, engendradora, gestadora, parideira perfeita; antes a agora, todos esforços são convergentes para manter em pé a brutal afirmação de Okén que citava outro dia: “A mulher não é o fim, mas o meio da natureza; o único fim e objeto é o homem”.

Eu disse que tínhamos novamente os conceitos de mulher e de mãe frente a frente, e disse mal; agora temos algo ainda pior: o conceito de mãe absorvendo o de mulher, a função anulando o indivíduo.

Dir-se-ia que no transcorrer dos séculos, o mundo masculino tem oscilado, frente à mulher, entre dois conceitos extremos: da prostituta à mãe, do abjeto ao sublime, sem deter-se no estritamente humano: a mulher. A mulher como indivíduo racional, pensante e autônomo. Se procurarmos a mulher nas sociedades primitivas, apenas encontraremos a mãe do guerreiro, exaltadora do valor e da força. Se a procurarmos na sociedade romana, apenas encontraremos a matrona prolífica que supre a República com cidadãos. Se a procurarmos na sociedade cristã encontra-la-emos já convertida em mãe de Deus.

A mãe é o produto da reação masculina frente à prostituta, que é para ele toda mulher. É a deificação da matriz que o abrigou.

Contudo – e ninguém deve escandalizar-se pois estamos entre anarquistas e nosso compromisso primordial é restabelecer as coisas em seus verdadeiros termos, derrubar todos os falsos conceitos, por mais prestigiados que sejam – , a mãe como valor social não deixou de ser, até o momento, a manifestação de um instinto, um instinto tanto mais agudo quanto a vida da mulher só girou em torno dele durante anos; porém, instinto, afinal; apenas, em algumas mulheres superiores, alcançou a categoria de sentimento.

A mulher, em troca, é o indivíduo, o ser pensante, a entidade superior. Em nome da mãe, quer-se excluir a mulher, quando se pode ter mulher e mãe, porque a mulher não exclui nunca a mãe.

Desdenha-se a mulher como valor determinante na sociedade, dando-lhe a qualidade de valor passivo. Desdenha-se o aporte direto de uma mulher inteligente por um filho talvez inepto. Repito que há que se restabelecerem as coisas em seus verdadeiros termos. Que as mulheres seja mulheres antes de tudo; somente sendo mulheres e que se terão as mães de se necessita.

O que verdadeiramente me assusta é que companheiros que se chamam de anarquistas, alucinados, talvez, pelo princípio científico sobre o qual se pretende estar assentado o novo dogma sejam capazes de sustentá-lo. Frente a eles, assusta-me essa dúvida: se são anarquistas, não são sinceros; se são sinceros, não são anarquistas.

Na teoria da diferenciação, a mãe é o equivalente do trabalhador. Para um anarquista, antes que o trabalhador, está o homem, antes que a mãe, deve estar a mulher (falo em sentido genérico). Porque para um anarquista, antes de tudo e acima de tudo, está o indivíduo.”

Extraído de Mujeres Libres da Espanha: Documentos da Revolução Espanhola : Editora Achiamé, 2007; Rago, Margareth; Biajoli, Maria Clara Pivato.