Roda de Conversa Em Apoio A Nossas Irmãs Nicaraguenses – 20.08.18

‘Nos últimos quatro meses a Nicarágua tem vivido uma grave e violenta crise política, que expõe fortemente as contradições do governo autoritário de Daniel Ortega há onze anos no poder. Mas por quê essa é também uma pauta feminista? Além da solidariedade em si com uma rebelião que está sendo violentamente reprimida, é importante conhecer na história recente da Nicarágua o papel das organizações de mulheres e feministas, que tem sido das mais ativas em combater as violências estruturais de um país marcado pelo machismo extremamente arraigado. Estas ativistas vêm denunciando há anos o caráter ditatorial e misógino deste governo – responsável pela criminalização de qualquer forma de aborto em 2006 -, assim como denunciando publicamente a impunidade de Ortega frente a graves acusações de ter abusado sexualmente de sua enteada por duas década.
Nesta roda de conversa, Ana Marcela Sarria, feminista e pesquisadora nicaraguense residente no Brasil, estará contextualizando a/a situação atual da Nicarágua a partir da vivência das organizações de mulheres, abordando também a relação desta crise com a história herdada da Revolução Sandinista, que marcou o país na década de 1980.’

Dia: 20/08/2018, Segunda Feira
Horário: 19h
Local: Fora da Asa – na Cidade Baixa em Porto Alegre

Além de sofrermos abusos, nos querem caladas – sobre as denúncias de abusos de homens contra as mulheres no meio musical

Nas últimas semanas surgiram denúncias de abuso por parte de homens de diferentes bandas, e com isso se iniciou um debate nas “redes sociais”. Como de costume, os debates são rasos, as pessoas sem um mínimo de entendimento das consequências que os abusos causam nas mulheres passaram a questionar a veracidade dos fatos e as mulheres abusadas, bem como apesar de uma total falta de compreensão sobre o feminismo, direcionaram suas opiniões sobre feministas provocando o silenciamento por parte de muitas mulheres e críticas àquelas que ousam confrontar a dominação masculina.
segue o texto publicado por lá.

Além dos abusos que nós mulheres sofremos, nos querem caladas, o abuso não pode ser revelado, tem que se manter como um segredo ou alguma coisa suja que não pode manchar esta ou aquela cena, o ambiente, a família, as amizades. Mas que amizades seriam exatamente as que não se preocupam com a nossa integridade física e emocional? Que só ficam contentes com a gente quando concordamos com seguirmos sendo oprimidas em silêncio? Qual a finalidade de perante uma denúncia desviar o assunto e diluir a gravidade das consequências dos abusos cometidos contra uma mulher? Diluir o assunto com o intuito de salvar a pele dos homens em detrimento de machucar as mulheres? Diluir o assunto para dividir as mulheres entre si? Por que é mais importante a preocupação com o emprego dos homens, com a carreira deles, com o seu status, do que com o corpo e o psicológico das mulheres? E seus traumas? E com a carreira delas? (sim muitas mulheres perdem o emprego quando sofrem abuso, não podem trabalhar porque o ‘parceiro’ não deixa entre outras causas). E só um pouco aí, quantas de nós mulheres que estão na música temos que incessantemente por anos a fio provar a nossa competência, ou talento, ou só o direito de estarmos ali com ou sem talento mesmo? O que significa que no meio de uma denúncia de abuso as pessoas acham mais “adequado”, mais urgente e relevante falar que “as vezes é possível que as denúncias sejam irresponsáveis”? Qual a finalidade de elaborar palavras que apenas servem como uma ótima justificativa e salvação para homens abusivos?
O que leva uma pessoa a achar o que ela julga irresponsável (e aí teríamos ainda que partir do princípio que seu julgamento é correto) causa mais danos do que a própria violência cometida? Isso só demonstra quem está em primeiro lugar e só corrobora com o porquê de continuarmos resistindo.

O que eu vi aqui foi que no meio de uma denúncia e de um debate que podia trazer mais solidariedade com as mulheres e entre elas mesmas, foi mais importante ressalvar que o orgulho dos homens não pode ser ferido sobre hipótese alguma, antes uma mulher abusada, do que um orgulho de homem machucado. E quanto carreira e sustentabilidade, pois somos nós mulheres em comparação aos homens que pertencemos a classe que recebe menos pelos mesmos serviços prestados, que criamos filhos sozinhas, que não conseguimos ou perdemos emprego por estarmos grávidas ou por termos filhos pequenos, e comumente porque nossa capacidade é questionada e é preferível colocar um homem no posto. Muito ruim as posições que li aqui, homens sendo acusados de abuso ou suas bandas e ao invés de se retratarem (perderam a chance) procuraram sem nenhum constrangimento usarem do momento para salvarem a pele de uma forma muito oportunista e ainda por cima sobre o sofrimento de mulheres abusadas. É possível que se acredite que nós não sabemos o que nos acontece com nós mesmas e que palavras incoerentes e que não condizem com a realidade vão entrar na cabeça de todas as mulheres e que o feminismo vai sumir? Não, o feminismo não vai sumir, o que precisa sumir antes disso é a opressão e exploração cometida contra as mulheres. Por quê não se começa primeiro apontando a opressão e se solidarizando ao invés de apontar os possíveis erros cometidos por mulheres abusadas? E quais erros essas mulheres realmente cometeram? Procurar apoio? Se sentirem mais dignas e quem sabe com sorte menos sozinhas? E elas tem que serem perfeitas?

O que de fato se sente quanto uma mulher retira uma denúncia? alívio? E alívio pelo que exatamente? Porque se estava preocupado com a saúde da moça ou porque agora a sua banda pode seguir de vento em popa? Alguém cavoca se é verdade mesmo que não aconteceu nada agora? Alguém pede agora provas de que o que não aconteceu não aconteceu mesmo?

Vocês sabem porque mulheres voltam atrás nas denúncias de violência? Vocês se sentem bem se eu disser que esse modus operandi visto aqui contribui para isso? E consequentemente com mais violência contra a mulher? Que ser paternalista e elogiar mulheres por se comportarem como “preferível” contribui para o silenciamento de mulheres? E para que sofram mais violências?

O desconforto que debates assim podem causar não pode ser mais importante que a segurança física e emocional das mulheres. Eu acho que é possível fazermos melhor que isso.

aline rod.

Homens Abusivos Que Usam do Feminismo Para Conseguirem Imunidade

Alguns homens se beneficiam ao usarem do feminismo para conseguirem imunidade. São homens que não diferente de outros abusam de mulheres, porém descobriram que “apoiando” o feminismo eles nunca serão descobertos nem cobrados. São homens que lançam textos sobre feminismo ou discursam feminismo mas nunca tiveram nem de perto a tentativa de se retratarem com as mulheres que eles abusaram. Isso nos mostra que ele não está interessado em praticar o discurso, nem apoiar as mulheres, mas se livrar da culpa. O que só mostra seu grau de manipulação, só confirma o quanto foi abusivo. Só comprova que ele continua sendo abusivo ao seguir passando por cima dos sentimentos e da realidade das mulheres que ele abusou, sem nenhum escrúpulo. Ora, se esse homem se dá ao trabalho de ler textos sobre abuso e distribuí-los ou discursar sobre feminismo, significa que ele tem acesso para entender a questão. Mas muito pelo contrário, ao invés de procurar entender o que é de fato abuso, ele escolhe continuar sendo um homem manipulativo, logo, abusivo. Ele continua desta forma que escolheu – de fingir que nada aconteceu e ainda adentrar no feminismo como cooperador – a causar danos no psicológico da mulher que ele abusou, pois além de ter sido abusada, ela agora tem que lidar com o total apagamento dos abusos que sofreu, e ainda vê-lo procurando ser reconhecido como apoiador da luta das mulheres. Mais uma vez o patriarcado exige apenas dela que resolva sozinha os seus traumas. Mais uma vez ela tem que achar forças para enfrentar uma nova batalha.

O comportamento manipulativo e narcisista de seu abusador tá sempre lá presente ao alcance deste para que possa se beneficiar, para conseguir algo em troca, para conseguir o que ele deseja e só o que ele deseja (característica do seu narcisismo), e para que se mantenha na mesma posição social que tinha antes de cometer os abusos.

Algumas pessoas vão dizer que bastava então as mulheres abusadas por esses homens fazerem denúncias. Bastava mesmo? Elas por acaso não as fazem? Quantas mulheres denunciam seus abusadores e são tachadas de exageradas, vingativas, rancorosas e mentirosas? Quantas mulheres depois dos abusos que sofreram ainda tem que lidar com estar constantemente tendo que provar para todo mundo que o que lhes aconteceu é verdade? Quantas mulheres ficam estigmatizadas e são ostracizadas por denunciarem abuso enquanto seus abusadores não só se safam mas recebem solidariedade da comunidade? Quantas vezes a mulher mesmo que não faça uma denúncia numa escala pública, aberta, fala sim para amigos mais próximos ou em comum com seu abusador e tem que ver o mesmo continuando receber o mesmo tratamento sem nenhuma ressalva por parte de nenhuma dessas pessoas? Nem todas as mulheres estão também dispostas a se exporem, principalmente porque sabem que não serão apoiadas.
E por que a responsabilidade disso tudo fica com a vítima do abuso?
O que a sociedade está querendo nos dizer?

A obrigação não está na mulher em fazer a denúncia, mas deveria estar nos homens não cometerem abusos e se cometerem se responsabilizarem por isso. Isso não é dizer que as mulheres não devem denunciar, de forma alguma, isso é tirar a responsabilidade exclusiva dos ombros das mulheres abusadas e também compreender as que não se sentem seguras para fazê-lo.

É muito comum homens que cometeram abusos preferirem enxergar que o que aconteceu foi uma questão pessoal, uma coisa entre homem e mulher, das “relações interpessoais”, e falham em compreender que o que aconteceu foi completamente fruto do patriarcado, que enquanto lhes beneficia, tem desfavoráveis consequências materiais e específicas às mulheres dentro deste mesmo sistema.

Mas esses mesmos homens (pasmem!) discursam também sobre a estrutura do patriarcado! Como se ele tivesse imunidade, como se ele não tivesse colaborado e não seguisse colaborando com essa estrutura. Então o homem abusador que defende que se deve meter a colher na violência contra a mulher, que demonstra ter consciência de que o pessoal é político, por quê ele de repente tenta a todo custo defender que o que ele fez foi meramente a nível humano, natural e pessoal, e procura agora separar o pessoal do político? Para esta eu tenho a resposta: por conveniência e covardia.

É conveniente oscilar entre o que é pessoal do que é político quando se trata de você mesmo. E é covardia desde quando ele se utilizou da manipulação, e segue incessantemente com o seu comportamento covarde. Eu acho é muito triste, não me dá nenhuma alegria escrever este texto nem recompensa. Mas está feita a denúncia. Esta é a minha denúncia, contra todos os homens que se safam dos abusos que cometem, saibam vocês que nós sabemos muito bem o que aconteceu. E se lhes resta um pingo de dignidade admitam que o que fizeram foi abusivo, lembrem do que acontecia durante o tempo que se relacionavam, lembrem das mentiras relevantes e graves, e igualmente das atitudes, que como consequência, só estendeu o prazo de validade da manipulação que se operava. lembrem dos impedimentos que criaram sejam nas escolhas que suas parceiras faziam, seja nas roupas que vocês criticavam ou no comportamento delas com o intuito de controlá-las. Lembrem de como vocês as usaram para prazer pessoal ou para outros fins quando ao mesmo tempo desconsideravam as necessidades ou dificuldades delas. lembrem daquele momento que vocês já sabiam o que tava acontecendo mas optaram por deixá-la no escuro e a enganaram até o fim, mas não vacilaram de forma alguma, de sugá-la até drená-la quase que completamente porque “sua companheira” estava ali para te servir e nutrir afinal das contas. Lembrem de que foram vocês que continuaram andando pelos mesmos espaços que tinham em comum enquanto ela teve que se retirar, e não esqueçam que muitas vezes esses espaços eram o ganha pão dela, e aqui vale lembrar que as mulheres tem menor poder econômico em comparação aos homens. Lembrem do que vocês faziam no foro íntimo, quando sua parceira estava dormindo. Porque elas não esqueceram, e ao contrário de vocês, elas se culpabilizam por “terem deixado chegar até aquele ponto”. O patriarcado é tão cruel que a culpa sempre fica com a mulher. Foi ela em fim que aguentou porque quis.

aline rodrigues

Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas

Por Tamara K. Nopper

Como uma mulher que sofreu abuso físico e emocional cometido por homens, alguns com os quais eu tive longos relacionamentos, é sempre difícil ficar sabendo que outras mulheres ativistas estão sofrendo abuso por homens ativistas.

As questões interrelacionadas do sexismo, misoginia e homofobia em círculos ativistas são excessivas, e não é surpreendente que mulheres sejam abusadas física e emocionalmente por homens ativistas com os quais elas trabalham em vários projetos.

Eu não estou falando abstratamente aqui. Na verdade, eu sei de vários relacionamentos entre homens e mulheres ativistas nos quais as últimas são abusadas se não fisicamente, emocionalmente. Por exemplo, há muito tempo uma amiga minha me mostrou ferimentos em seu braço que ela me disse que foram causados por outro homem ativista. Essa mulher certamente luta emocionalmente, o que é de alguma forma esperado dado que ela sofreu abuso físico. O que era ainda mais desolador de se ver era como esta mulher era evitada nos círculos ativistas quando ela tentava falar sobre seu abuso ou quando se referia a ele. Alguns disseram a ela para ultrapassá-lo, ou para se focar em “verdadeiros” homens babacas tais como proeminentes figuras políticas. Outros disseram a ela para não deixar “problemas pessoais” interferirem na “realização do trabalho”.

Eu lutei com a recuperação de minha amiga também. Como sobrevivente de abuso, era difícil encontrar uma mulher que de certa forma era um espectro de mim. Eu procurava ela e ela volta e meia me falava sobre outra briga que ela e seu namorado haviam tido. Eu me vi evitando essa mulher porque, francamente, era difícil olhar para uma mulher que me recordava muito de quem eu era há não muito tempo: uma pessoa assustada, envergonhada e desesperada que balbuciaria para qualquer pessoa disposta a ouví-la sobre o que estava acontecendo com ela. Em outras palavras, eu, como essa mulher, tinha passado pelo desespero de tentar sair de uma relação abusiva e necessitando finalmente contar às pessoas o que estava acontecendo comigo. E assim como essa mulher era tratada, a maioria das pessoas, até mesmo aqueles que eu chamava de amigos, se esquivavam de me escutar porque eles não queriam ser incomodados ou estavam lutando com suas próprias lutas emocionais.

A vergonha associada em contar às pessoas que você tem foi abusada, e como eu, ficado numa relação abusiva, é agravada pelas respostas que você obtém das pessoas. Ao invés de se solidarizarem, muitas pessoas ficaram decepcionadas comigo. Muitas vezes as pessoas me disseram que elas estavam “surpresas” em descobrir que eu havia “me envolvido com esta merda” porque diferentemente de “mulheres fracas”, eu era uma mulher “forte” e “política”. Essa resposta é completamente misógina porque ela nega quão dominante é o patriarcado e o ódio às mulheres e ao “feminino”, e ao invés disso, tenta colocar a culpa nas mulheres. Isto é, nós ignoramos que mulheres estão sendo abusadas por homens e, ao invés disso, enfatizamos o caráter das mulheres como a razão definitiva pela qual algumas são abusadas enquanto outras não “se envolvem com esta merda”.

É impossível não pensar que outras mulheres ativistas que têm sido abusadas, quer seja por homens ativistas ou não, também enfrentam dificuldades semelhantes recuperando-se do abuso. Independentemente da política de alguém, as mulheres podem ser e são abusadas. Qualquer um que se recuse a acreditar nisso, ou simplesmente não escuta às mulheres, ou não pensa sobre o que as mulheres normalmente passam. E isso só acontece por hostilidade das pessoas em reconhecer quão pervasivos e normalizados são o patriarcado e a misoginia – tanto fora quanto dentro de círculos ativistas.

Mais, várias de nós queremos acreditar que homens ativistas são diferentes de nossos pais, irmãos, antigos namorados e machos estranhos com os quais nos confrontamos em nossas rotinas diárias. Nós queremos ter alguma fé que o cara que escreve um ensaio sobre sexismo e o posta em seu website não o está escrevendo somente para fazer uma boa imagem de sí mesmo, obter sexo, ou encobrir algumas de suas perigosas práticas com relação às mulheres. Nós queremos acreditar que as mulheres estão sendo respeitadas por suas habilidades, energia e comprometimento político e não estão sendo solicitadas a fazer algo porque elas são vistas como “exploráveis” e “abusáveis” por homens ativistas.

Nós queremos acreditar que, se um homem ativista fez um avanço indevido ou fisicamente/sexualmente agrediu uma mulher ativista, isso seria prontamente e atenciosamente lidado por organizações e comunidades políticas – e com a contribuição da vítima. Nós queremos acreditar que grupos ativistas não são tão facilmente seduzidos pelas habilidades ou pelo “poder nomeado” que um ativista masculino traz a um projeto ao ponto de estarem dispostos a deixar uma mulher ser abusada ou não se importarem com sua recuperação. E nós gostaríamos de pensar que “a segurança” em círculos ativistas não somente foca nas questões de listas de grupos na internet ou em usar nomes falsos em assembléias, mas que de fato inclui pensar proativamente sobre como lidar com a misoginia, o patriarcado e o heterossexismo tanto fora quanto dentro de cenários ativistas.

Mas todos esses desejos, todos esses sonhos obviamente não tendem a ser abordados. Em vez disso, eu sei de homens ativistas que trollam espaços políticos como predadores procurando por mulheres que eles possam manipular politicamente ou “transar sem ter que dar explicação”. Como padres abusivos, alguns desses homens literalmente movem-se de cidade em cidade procurando se divertir e encontrar carne fresca no meio daqueles que não são familiares com sua reputação. E eu tenho visto mulheres ativistas se dedicarem a homens ativistas (que frequentemente ficam com o crédito) na esperança de que o homem ativista abusivo irá finalmente se dar conta disso ou a apreciará enquanto ser humano.

Enquanto o romance entre ativistas é aprazível, eu acho nojento como homens ativistas usam o romance para controlar as mulheres politicamente e manter as mulheres emocionalmente comprometidas em ajudar esses homens politicamente, mesmo quando essas políticas são piegas ou problemáticas. Ou, em alguns casos, homens ativistas se envolvem com política para encontrar mulheres que eles possam envolver em relações abusivas e de controle.

E dado que o abuso traz à tona o pior da vítima, eu tenho visto que mulheres interagem com outras ativistas (particularmente mulheres) de maneiras que elas normalmente não fariam se elas não estivessem sendo politicamente e emocionalmente manipuladas por homens. Por exemplo, eu sei de mulheres ativistas abusadas que têm espalhado rumores sobre outras mulheres ativistas ou têm-se envolvido em brigas políticas entre seu namorado e outros ativistas.

O que é assustador é que eu sei de ativistas homens que estavam abusando e manipulando de mulheres ativistas ao mesmo tempo que escreviam ensaios sobre sexismo ou sobre competição entre mulheres. Às vezes o homem ativista irá redigir o ensaio com sua amiga ativista de forma a obter mais legitimidade. Eu sei de homens ativistas que numa hora citam Bell Hooks, Gloria Anzaldúa ou outras escritoras feministas e noutra estão perseguindo ou espalhando mentiras e fofocas sobre uma amiga ativista.E de homens ativistas que irão ensinar mulheres a serem menos competitivas com outras mulheres para dissimular seu comportamento abusivo e manipulador.

O que é mais desolador é o apoio que homens ativistas abusivos encontram de outros/as ativistas, homens ou mulheres, mas mais habitualmente de outros homens.As mulheres ativistas não só têm de confrontar e lidar com seu agressor em círculos ativistas, mas com uma comunidade política que se designa comprometida mas que no final das contas não dá importância alguma sobre a segurança emocional e física da vítima. Em muitas ocasiões eu tenho ouvido as histórias das mulheres sobre abuso serem recontadas e reformuladas por homens ativistas de uma maneira hostil e sexista. E quando eles remodelam essa história, eles geralmente o fazem naquela voz, aquela voz falsa, acusatória e zombeteira.

Por exemplo, quando eu estava dividindo com um homem ativista minhas preocupações sobre como uma mulher ativista estava sendo tratada por um homem ativista que mantinha uma posição proeminente em um grupo político, o homem “ouvindo” a minha história disse naquela voz “Oh, ela só está provavelmente brava porque ele começou a namorar outra pessoa” e passou a tirar sarro dela. Ele continuou a me dizer que, enquanto ele “reconhecia” que o homem estava errado, que cabe a mulher impor-se ao homem se ela quer que o tratamento pare.

Infelizmente essa característica de misoginia deste homem disfarçada como homem feminista é muito comum em círculos ativistas dado que muitos homens em geral acreditam que mulheres são abusadas porque elas são fracas ou que no fundo querem ter relacionamentos com homens abusivos. Mais, os comentários deste homem revelaram uma atitude que acredita que se mulheres ativistas têm problemas com homens ativistas, elas “denunciam o abuso” para encobrir desejos sexuais ocultos e raiva por terem sido rejeitadas por homens que “não irão comê-las”.

Eu acho repulsivo que a segurança física e emocional de mulheres seja de pouca preocupação para homens ativistas em geral. Enquanto homens ativistas irão falar da boca para fora sobre como eles precisam ficar com suas bocas caladas quando as mulheres estão falando ou como espaços somente de mulheres são necessários, muito frequentemente pessoas “críticas” e “políticas” não querem confrontar o fato de que as mulheres estão sendo abusadas por homens ativistas em nossos círculos.

Quando essa questão é “abordada”, mais frequentemente do que não, a atenção será dada a “batalhar com” o homem (ou seja, deixando-o permanecer e talvez só fofocando sobre ele). Eu tenho visto algumas situações onde homens abusivos são adotados, por assim dizer, por outros ativistas, que vêem a reabilitação do homem como parte de seus projetos mas que praticamente não pensam sobre o que isso significa para as mulheres que estão tentando se recuperar. Em alguns casos, o homem ativista abusador foi adotado enquanto a mulher foi rejeitada como “instável”, “louca” ou “muito sentimental”. Basicamente, esses grupos iriam antes ajudar um cara frio e calculista que pode “mantê-los unidos” enquanto ele abusa de mulheres ao invés de lidar com a realidade de que o abuso pode contribuir para as dificuldades emocionais e sociais das vítimas enquanto elas se esforçam para se tornarem sobreviventes.

E em alguns casos, mulheres ativistas irão evitar de ir à polícia porque elas criticam o complexo industrial penitenciário, mas também porque outros homens ativistas irão dizer-lhes que elas estão “contribuindo para o problema” ao “conduzirem o Estado para dentro”. Mas na maioria dos casos, o homem ativista não é castigado pelos problemas que ele criou. Deste modo, as mulheres estão presas tendo que descobrir como garantir sua segurança sem serem rotuladas como “traidoras” por seus colegas ativistas.

Enquanto acredito fortemente que nós devemos tentar trabalhar pela reabilitação ao invés da punição em si, eu estou dolorosamente consciente que nós frequentemente damos mais ênfase em ajudar homens a permanecerem em círculos ativistas do que apoiar mulheres através de suas recuperações, o que pode envolver a necessidade de ter o homem removido de nossos grupos políticos. Basicamente, o grupo irá normalmente determinar que o ativista abusador deve ser deixado a se reabilitar sem perguntar à mulher o que ela necessita do grupo para recuperar-se e ser apoiada em seu processo. Eu sei de vários exemplos em que mulheres foram forçadas a tolerar a indisposição do grupo ao se referirem ao abuso. Algumas irão permanecer envolvidas em organizações porque elas acreditam na causa e porque francamente, há poucos espaços para ir, se houverem, onde ela não sofra o risco de ser abusada por outro ativista ou que o abuso que sofreu não seja desconsiderado. Outras irão simplesmente deixar o grupo.

Eu tenho visto como essas mulheres são tratadas por outros/as ativistas – homens e mulheres – que tratam mulheres friamente ou fofocam que elas são egoístas ou traidoras por deixarem o lado pessoal interferir na “causa”. Ou quando mulheres ativistas que foram abusadas são “apoiadas”, é usualmente porque ela é considerada “eficiente” ou porque desconsiderar o abuso será “ruim para o grupo”. Nesse sentido, a saúde física, emocional e espiritual da mulher é ainda sacrificada. Em vez disso, o abuso sofrido deve ser levado em conta porque se ele não for, ela pode “parar de contribuir com o grupo” ou pode haver muita tensão no mesmo para que ele funcione de forma eficiente. De qualquer forma, a segurança das mulheres não é vista como digna de preocupação em si mesma.

Em geral, cenários ativistas não são um espaço seguro para mulheres porque nele circulam homens misóginos e abusivos. Além disso, muitos desses abusadores usam a linguagem, ferramentas de ativismo e apoio de outros ativistas como meio de abusar de mulheres e esconder seus comportamentos. E infelizmente, em muitos círculos políticos, independentemente de quanto nós falemos sobre o patriarcado ou misoginia, mulheres são sacrificadas de forma a manter a “causa” ou salvar a organização. Talvez seja tempo de nós realmente nos importarmos com o fato de que as mulheres ativistas estão vulneráveis a serem manipuladas e abusadas por homens ativistas e considerar que abordar isso proativamente é uma parte integral da “causa” pela qual ativistas devem lutar.