EXTRAS VIVER PARA LUTAR // entrevista com ALINE ROD (No Rest, Ameaça, Ação Antisexista)

“Voltando com as entrevistas EXTRAS do VIVER PARA LUTAR! Serão pequenos curtas individuais, com um pouco mais sobre as vivências, opiniões e experiências das companheiras que participam do documentário, e que por questão de tempo não puderam ser incluídos no longa metragem.

Trecho extra da entrevista com Aline Rod (No Rest, Ameaça, Ação Antisexista) para a série de documentários Viver Para Lutar, realizada em 2016 em Halle (Alemanha), com reflexões sobre a presença das mulheres na cena punk dos 90 e atualidade, questionamentos sobre o modo como o feminismo é tratado no meio anarquista, mudanças nos dias de hoje, e mais.”

Veja o documentário completo em: https://youtu.be/nMRd4nh3tm0

Transativistas Atacam Mulheres em Londres – 13.09.2017

Não importa o quanto transativistas cometam e defendam essa violência ela tem um nome: VIOLÊNCIA MASCULINA MISÓGINA!!

Mulher de 60 anos é agredida por transativistas no Speaker’s Corner em Londres na última quarta feira dia 13. localizado no Hyde Park este era o ponto de encontro para feministas e pessoas interessadas em participarem do evento chamado “O que é Gênero?”. O debate tinha sido primeiramente marcado para acontecer numa biblioteca comunitária em Londres, mas as organizadoras sofreram perseguição e ameaças por transativistas e a biblioteca cancelou o evento um dia antes, dia 12. Porém para seguirem com o evento, foi organizado um outro local, que desta vez foi mantido em segredo para garantir a segurança dos participantes. Apenas o ponto de encontro foi divulgado, dali seguiriam para o novo local.
E então transativistas apareceram no Speaker’s Corner para protestar contra o evento, foi quando, como aparece no vídeo, um transativista chega para agredir uma das mulheres que estavam ali. Logo depois outro começa a dar socos na feminista que desvia para se proteger.

Feministas estão sendo silenciadas e censuradas por serem críticas a noção de gênero. Até quando mulheres terão que sofrer ameaças e agressões? isso que está acontecendo a muito tempo vem sendo abafado pelo medo que as pessoas tem de serem erroneamente acusadas de transfobia por qualquer desacordo que tenham com as teorias de identidade de gênero.

Homens Abusivos Que Usam do Feminismo Para Conseguirem Imunidade

Alguns homens se beneficiam ao usarem do feminismo para conseguirem imunidade. São homens que não diferente de outros abusam de mulheres, porém descobriram que “apoiando” o feminismo eles nunca serão descobertos nem cobrados. São homens que lançam textos sobre feminismo ou discursam feminismo mas nunca tiveram nem de perto a tentativa de se retratarem com as mulheres que eles abusaram. Isso nos mostra que ele não está interessado em praticar o discurso, nem apoiar as mulheres, mas se livrar da culpa. O que só mostra seu grau de manipulação, só confirma o quanto foi abusivo. Só comprova que ele continua sendo abusivo ao seguir passando por cima dos sentimentos e da realidade das mulheres que ele abusou, sem nenhum escrúpulo. Ora, se esse homem se dá ao trabalho de ler textos sobre abuso e distribuí-los ou discursar sobre feminismo, significa que ele tem acesso para entender a questão. Mas muito pelo contrário, ao invés de procurar entender o que é de fato abuso, ele escolhe continuar sendo um homem manipulativo, logo, abusivo. Ele continua desta forma que escolheu – de fingir que nada aconteceu e ainda adentrar no feminismo como cooperador – a causar danos no psicológico da mulher que ele abusou, pois além de ter sido abusada, ela agora tem que lidar com o total apagamento dos abusos que sofreu, e ainda vê-lo procurando ser reconhecido como apoiador da luta das mulheres. Mais uma vez o patriarcado exige apenas dela que resolva sozinha os seus traumas. Mais uma vez ela tem que achar forças para enfrentar uma nova batalha.

O comportamento manipulativo e narcisista de seu abusador tá sempre lá presente ao alcance deste para que possa se beneficiar, para conseguir algo em troca, para conseguir o que ele deseja e só o que ele deseja (característica do seu narcisismo), e para que se mantenha na mesma posição social que tinha antes de cometer os abusos.

Algumas pessoas vão dizer que bastava então as mulheres abusadas por esses homens fazerem denúncias. Bastava mesmo? Elas por acaso não as fazem? Quantas mulheres denunciam seus abusadores e são tachadas de exageradas, vingativas, rancorosas e mentirosas? Quantas mulheres depois dos abusos que sofreram ainda tem que lidar com estar constantemente tendo que provar para todo mundo que o que lhes aconteceu é verdade? Quantas mulheres ficam estigmatizadas e são ostracizadas por denunciarem abuso enquanto seus abusadores não só se safam mas recebem solidariedade da comunidade? Quantas vezes a mulher mesmo que não faça uma denúncia numa escala pública, aberta, fala sim para amigos mais próximos ou em comum com seu abusador e tem que ver o mesmo continuando receber o mesmo tratamento sem nenhuma ressalva por parte de nenhuma dessas pessoas? Nem todas as mulheres estão também dispostas a se exporem, principalmente porque sabem que não serão apoiadas.
E por que a responsabilidade disso tudo fica com a vítima do abuso?
O que a sociedade está querendo nos dizer?

A obrigação não está na mulher em fazer a denúncia, mas deveria estar nos homens não cometerem abusos e se cometerem se responsabilizarem por isso. Isso não é dizer que as mulheres não devem denunciar, de forma alguma, isso é tirar a responsabilidade exclusiva dos ombros das mulheres abusadas e também compreender as que não se sentem seguras para fazê-lo.

É muito comum homens que cometeram abusos preferirem enxergar que o que aconteceu foi uma questão pessoal, uma coisa entre homem e mulher, das “relações interpessoais”, e falham em compreender que o que aconteceu foi completamente fruto do patriarcado, que enquanto lhes beneficia, tem desfavoráveis consequências materiais e específicas às mulheres dentro deste mesmo sistema.

Mas esses mesmos homens (pasmem!) discursam também sobre a estrutura do patriarcado! Como se ele tivesse imunidade, como se ele não tivesse colaborado e não seguisse colaborando com essa estrutura. Então o homem abusador que defende que se deve meter a colher na violência contra a mulher, que demonstra ter consciência de que o pessoal é político, por quê ele de repente tenta a todo custo defender que o que ele fez foi meramente a nível humano, natural e pessoal, e procura agora separar o pessoal do político? Para esta eu tenho a resposta: por conveniência e covardia.

É conveniente oscilar entre o que é pessoal do que é político quando se trata de você mesmo. E é covardia desde quando ele se utilizou da manipulação, e segue incessantemente com o seu comportamento covarde. Eu acho é muito triste, não me dá nenhuma alegria escrever este texto nem recompensa. Mas está feita a denúncia. Esta é a minha denúncia, contra todos os homens que se safam dos abusos que cometem, saibam vocês que nós sabemos muito bem o que aconteceu. E se lhes resta um pingo de dignidade admitam que o que fizeram foi abusivo, lembrem do que acontecia durante o tempo que se relacionavam, lembrem das mentiras relevantes e graves, e igualmente das atitudes, que como consequência, só estendeu o prazo de validade da manipulação que se operava. lembrem dos impedimentos que criaram sejam nas escolhas que suas parceiras faziam, seja nas roupas que vocês criticavam ou no comportamento delas com o intuito de controlá-las. Lembrem de como vocês as usaram para prazer pessoal ou para outros fins quando ao mesmo tempo desconsideravam as necessidades ou dificuldades delas. lembrem daquele momento que vocês já sabiam o que tava acontecendo mas optaram por deixá-la no escuro e a enganaram até o fim, mas não vacilaram de forma alguma, de sugá-la até drená-la quase que completamente porque “sua companheira” estava ali para te servir e nutrir afinal das contas. Lembrem de que foram vocês que continuaram andando pelos mesmos espaços que tinham em comum enquanto ela teve que se retirar, e não esqueçam que muitas vezes esses espaços eram o ganha pão dela, e aqui vale lembrar que as mulheres tem menor poder econômico em comparação aos homens. Lembrem do que vocês faziam no foro íntimo, quando sua parceira estava dormindo. Porque elas não esqueceram, e ao contrário de vocês, elas se culpabilizam por “terem deixado chegar até aquele ponto”. O patriarcado é tão cruel que a culpa sempre fica com a mulher. Foi ela em fim que aguentou porque quis.

aline rodrigues

Reforçando o pensamento

as vezes que fico exausta, quando a luta mostra o seu lado mais pesado é quando eu paro um momento para reforçar o pensamento. como eu sei que é uma questão de sobrevivência, minha, de todas as mulheres incluindo das que virão, eu não penso em voltar atrás. porque eu não tenho outra escolha. eu tomo muito cuidado para não desmotivar as mulheres porque eu gostaria que fizessem o mesmo comigo.
porque eu sei o quanto é importante para a nossa sanidade mental.
pensem que cada gesto, cada palavra tem uma reverberação. pensem em sermos como aquelas guerreiras impecáveis, e que o caminho escolhido invariavelmente leva outras com a gente. cada uma de nós tem seu limite.por isso mesmo.

 

Escrachando o Feminismo Radical – uma resposta às acusações ao feminismo radical de poa

Abaixo segue a resposta à “Moção de Repúdio ao Movimento Feminista Radical de POA”. A resposta fala por si, contextualiza, em fim, não há necessidade de introdução basta lê-la. Mas sinto a necessidade de colocar o seguinte:

Uma moção de repúdio a feministas radicais daqui ou de qualquer lugar é algo questionável. É questionável do ponto de vista feminista fazer uma moção de repúdio contra mulheres que se organizam para lutarem por libertação. Uma moção de repúdio? Um repudio? Uma coisa é discordar teoricamente, uma coisa é escolher com quem vai se aliar, com quem vai lutar e de qual forma. Mas outra coisa bem diferente é REPUDIAR feministas e ainda tornar isso público e colocar a segurança física e emocional de um determinado grupo de mulheres em risco. Não é possível fazer acusações por fazer, sem um mínimo de consideração, sem informação pelo que se está criticando, em fim. Nós mulheres já somos alvos de ataques misóginos de todos os níveis, nossa luta e sobrevivência são parte do nosso diário.

Também acho importante ressaltar o apoio que o “repúdio” recebeu, quando prontamente 100 pessoas “curtiram”. 100 pessoas se sentiram confortáveis o suficiente para tornar público que concordam com ser possível repudiar um grupo de mulheres que compartilham da teoria feminista radical.

Eu queria problematizar isso. De onde vem este conforto, esta confiança para se dar este apoio? Sim, é seguro criticar feministas radicais, pois são odiadas, são taxadas de transfóbicas, de excludentes, de anti-homens. Nada mais seguro e confortável persegui-las sem tentar compreendê-las. E diria mais, esta não é uma questão de não “tentar” compreendê-las somente, mas percebo que é uma negação proposital, porque compreender o feminismo radical causaria ter que rever suas posições, seus privilégios, ceder espaço para mulheres, todas estas coisas da quais os homens se beneficiam no patriarcado. Então não finjam que estão do lado das mulheres, do nosso lado, porque vocês não estão, e ativamente estão contribuindo com a exploração e a opressão que combatemos para a nossa libertação, e para que sejamos silenciadas.

Também gostaria de frisar que o escracho não foi uma ação feita por feministas radicais, então a “Moção de repúdio às feministas radicais de Poa” é difamatória. Porém como está explicada na carta abaixo não farei desta a defesa das feministas radicais, porque respeitamos a ação escolhida(o escracho) por estas mulheres e cabe apenas a elas falarem por elas se assim desejarem.

Isso tudo é assustador: existir uma moção de repudio a mulheres feministas radicais, e 100 pessoas tornarem público seu acordo a isso. É assustador utilizar de um escracho denunciando o machismo para atacar um grupo de mulheres. É assustador também que mesmo com a descoberta de que não foi este grupo de mulheres (feministas radicais) que fizeram este escracho, tenha se sucedido uma “retratação” que apenas reforçou as críticas levianas ao feminismo radical, e não consiste em retratação de forma alguma, mas apenas a continuidade da postura de irresponsabilidade política adotada. E mesmo sabendo disso as pessoas continuaram “curtindo” ou mantiveram lá suas “curtidas”.

Ao contrário do que dizem os difamadores, feministas radicais são mulheres de todos os tipos e lugares, de classes sociais , raças e etnias diferentes. O que nos aproxima vai além da teoria, porque nossa teoria e nossa prática andam juntas. É comum encontramos no feminismo radical o único espaço onde sentimos conforto, compreensão e acolhimento. E ao contrário do que dizem, o feminismo radical não é a teoria feminista mais difundida nas universidades, se fosse não seria uma vergonha mas uma conquista. Sejam honestos pelo menos com isso.

enila dor.
ESCRACHANDO O FEMINISMO RADICAL

Sobre as acusações ao feminismo radical POA referentes ao escracho no Bar Zumbi

Diante de diversas acusações, nos sentimos compelidas a dar respostas a uma série de falácias motivadas e endossadas por toda uma histórica perseguição a mulheres feministas. Perseguição esta que atualmente assume nova roupagem, mas continua servindo da mesma maneira ao patriarcado, desacreditando e desarticulando a nossa luta. A perseguição a feministas radicais chegou a tal ponto que fomos responsabilizadas por decisões que não tomamos, como, por exemplo, pelo recente escracho organizado por mulheres autônomas de diversas correntes feministas contra o bar Zumbi e o evento que seria lá sediado.

No último período, Porto Alegre (bem como outras cidades do país e do mundo) tem sido palco de festas que se dizem alternativas e libertárias e que, no entanto, tem demonstrado conteúdo misógino, machista, lesbofóbico e racista, tornando-se espaços de silenciamento, assédio e abuso de mulheres. Neste contexto, várias mulheres têm se organizado para se contrapor a essas iniciativas. Embora o movimento radical não tenha organizado o referido escracho, salientamos que sempre estivemos e sempre estaremos ao lado das mulheres que combatem o machismo em suas diferentes manifestações. Não falaremos aqui sobre as críticas feitas ao método utilizado por essas mulheres, pois acreditamos que elas mesmas podem se pronunciar sobre isso.

Quanto às críticas direcionadas ao movimento, percebemos que vem ocorrendo interpretações errôneas sobre o que é o feminismo radical. Somos feministas radicais porque buscamos combater a opressão patriarcal em sua raiz. No entanto temos sofrido a acusação de transfobia como uma associação direta à teoria radical. Entendemos que a associação de feminismo radical à transfobia é uma redução desonesta de todas as demandas desse movimento a uma mentira que se utiliza desse “carimbo” como ferramenta de perseguição de militantes e uma maneira de invisibilizar as pautas que dizem respeito a mulheres e suas vivências. Consideramos a acusação de transfobia leviana e irresponsável, na medida em que culpabiliza mulheres militantes por uma violência real causada por um inimigo comum, que tem os mesmos ideais machistas que combatemos.

Também consideramos que a acusação de academicismo que feministas vêm sofrendo é bastante problemática, tendo em vista toda a história de exclusão das mulheres no acesso ao conhecimento formal e da configuração de um espaço acadêmico extremamente machista e dominado por homens. Reivindicamos o conhecimento formal produzido por escritoras, cientistas e estudantes, num esforço de valorizar o saber produzido pelas mulheres, que deve ser passado adiante dentro dos espaços feministas para enriquecer nossa luta com a perspectiva feminina e valorizar a herança deixada pelas mulheres que vieram antes de nós. No entanto, não entendemos conhecimento formal como algo que desvalorize ou se contraponha às vivências feministas, mas que são complementares. Nosso feminismo é construído cotidianamente através da nossa prática, a partir das nossas ações na luta global das mulheres pelas mulheres.

Além das demais acusações acima, houve a de racismo. Enfatizamos nosso posicionamento contra o racismo, o qual consideramos uma violência muito grave, que combatemos em nossa atuação e cuja acusação levamos extremamente a sério. Nesse sentido, gostaríamos que fosse apontado onde está o racismo em nossas problematizações. Lamentamos, ainda, que seja dito que a motivação das mulheres que realizaram o referido escracho tenha sido racista, pois é um contrassenso, uma vez que entendemos que o objetivo do escracho e das manifestações das redes sociais foi justamente denunciar o conteúdo racista (além de misógino, machista e lesbofóbico) do evento que teria lugar no bar Zumbi e com a qual os organizadores, os donos do bar e as bandas participantes foram coniventes.

Não podemos ignorar que foi de extrema irresponsabilidade política e pessoal as acusações feitas tanto ao grupo que realizou o escracho quanto as mulheres organizadas no feminismo radical, pois expôs e colocou em risco a integridade física e moral de integrantes de ambos os grupos.

Infelizmente é inviável abordar todas as pautas necessárias a este texto e a este contexto, no entanto, gostaríamos de convidar todas as mulheres a construir conosco um movimento feminista de maneira responsável, coerente e que não exponha mulheres, mas sim lute por elas.”

Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas

Por Tamara K. Nopper

Como uma mulher que sofreu abuso físico e emocional cometido por homens, alguns com os quais eu tive longos relacionamentos, é sempre difícil ficar sabendo que outras mulheres ativistas estão sofrendo abuso por homens ativistas.

As questões interrelacionadas do sexismo, misoginia e homofobia em círculos ativistas são excessivas, e não é surpreendente que mulheres sejam abusadas física e emocionalmente por homens ativistas com os quais elas trabalham em vários projetos.

Eu não estou falando abstratamente aqui. Na verdade, eu sei de vários relacionamentos entre homens e mulheres ativistas nos quais as últimas são abusadas se não fisicamente, emocionalmente. Por exemplo, há muito tempo uma amiga minha me mostrou ferimentos em seu braço que ela me disse que foram causados por outro homem ativista. Essa mulher certamente luta emocionalmente, o que é de alguma forma esperado dado que ela sofreu abuso físico. O que era ainda mais desolador de se ver era como esta mulher era evitada nos círculos ativistas quando ela tentava falar sobre seu abuso ou quando se referia a ele. Alguns disseram a ela para ultrapassá-lo, ou para se focar em “verdadeiros” homens babacas tais como proeminentes figuras políticas. Outros disseram a ela para não deixar “problemas pessoais” interferirem na “realização do trabalho”.

Eu lutei com a recuperação de minha amiga também. Como sobrevivente de abuso, era difícil encontrar uma mulher que de certa forma era um espectro de mim. Eu procurava ela e ela volta e meia me falava sobre outra briga que ela e seu namorado haviam tido. Eu me vi evitando essa mulher porque, francamente, era difícil olhar para uma mulher que me recordava muito de quem eu era há não muito tempo: uma pessoa assustada, envergonhada e desesperada que balbuciaria para qualquer pessoa disposta a ouví-la sobre o que estava acontecendo com ela. Em outras palavras, eu, como essa mulher, tinha passado pelo desespero de tentar sair de uma relação abusiva e necessitando finalmente contar às pessoas o que estava acontecendo comigo. E assim como essa mulher era tratada, a maioria das pessoas, até mesmo aqueles que eu chamava de amigos, se esquivavam de me escutar porque eles não queriam ser incomodados ou estavam lutando com suas próprias lutas emocionais.

A vergonha associada em contar às pessoas que você tem foi abusada, e como eu, ficado numa relação abusiva, é agravada pelas respostas que você obtém das pessoas. Ao invés de se solidarizarem, muitas pessoas ficaram decepcionadas comigo. Muitas vezes as pessoas me disseram que elas estavam “surpresas” em descobrir que eu havia “me envolvido com esta merda” porque diferentemente de “mulheres fracas”, eu era uma mulher “forte” e “política”. Essa resposta é completamente misógina porque ela nega quão dominante é o patriarcado e o ódio às mulheres e ao “feminino”, e ao invés disso, tenta colocar a culpa nas mulheres. Isto é, nós ignoramos que mulheres estão sendo abusadas por homens e, ao invés disso, enfatizamos o caráter das mulheres como a razão definitiva pela qual algumas são abusadas enquanto outras não “se envolvem com esta merda”.

É impossível não pensar que outras mulheres ativistas que têm sido abusadas, quer seja por homens ativistas ou não, também enfrentam dificuldades semelhantes recuperando-se do abuso. Independentemente da política de alguém, as mulheres podem ser e são abusadas. Qualquer um que se recuse a acreditar nisso, ou simplesmente não escuta às mulheres, ou não pensa sobre o que as mulheres normalmente passam. E isso só acontece por hostilidade das pessoas em reconhecer quão pervasivos e normalizados são o patriarcado e a misoginia – tanto fora quanto dentro de círculos ativistas.

Mais, várias de nós queremos acreditar que homens ativistas são diferentes de nossos pais, irmãos, antigos namorados e machos estranhos com os quais nos confrontamos em nossas rotinas diárias. Nós queremos ter alguma fé que o cara que escreve um ensaio sobre sexismo e o posta em seu website não o está escrevendo somente para fazer uma boa imagem de sí mesmo, obter sexo, ou encobrir algumas de suas perigosas práticas com relação às mulheres. Nós queremos acreditar que as mulheres estão sendo respeitadas por suas habilidades, energia e comprometimento político e não estão sendo solicitadas a fazer algo porque elas são vistas como “exploráveis” e “abusáveis” por homens ativistas.

Nós queremos acreditar que, se um homem ativista fez um avanço indevido ou fisicamente/sexualmente agrediu uma mulher ativista, isso seria prontamente e atenciosamente lidado por organizações e comunidades políticas – e com a contribuição da vítima. Nós queremos acreditar que grupos ativistas não são tão facilmente seduzidos pelas habilidades ou pelo “poder nomeado” que um ativista masculino traz a um projeto ao ponto de estarem dispostos a deixar uma mulher ser abusada ou não se importarem com sua recuperação. E nós gostaríamos de pensar que “a segurança” em círculos ativistas não somente foca nas questões de listas de grupos na internet ou em usar nomes falsos em assembléias, mas que de fato inclui pensar proativamente sobre como lidar com a misoginia, o patriarcado e o heterossexismo tanto fora quanto dentro de cenários ativistas.

Mas todos esses desejos, todos esses sonhos obviamente não tendem a ser abordados. Em vez disso, eu sei de homens ativistas que trollam espaços políticos como predadores procurando por mulheres que eles possam manipular politicamente ou “transar sem ter que dar explicação”. Como padres abusivos, alguns desses homens literalmente movem-se de cidade em cidade procurando se divertir e encontrar carne fresca no meio daqueles que não são familiares com sua reputação. E eu tenho visto mulheres ativistas se dedicarem a homens ativistas (que frequentemente ficam com o crédito) na esperança de que o homem ativista abusivo irá finalmente se dar conta disso ou a apreciará enquanto ser humano.

Enquanto o romance entre ativistas é aprazível, eu acho nojento como homens ativistas usam o romance para controlar as mulheres politicamente e manter as mulheres emocionalmente comprometidas em ajudar esses homens politicamente, mesmo quando essas políticas são piegas ou problemáticas. Ou, em alguns casos, homens ativistas se envolvem com política para encontrar mulheres que eles possam envolver em relações abusivas e de controle.

E dado que o abuso traz à tona o pior da vítima, eu tenho visto que mulheres interagem com outras ativistas (particularmente mulheres) de maneiras que elas normalmente não fariam se elas não estivessem sendo politicamente e emocionalmente manipuladas por homens. Por exemplo, eu sei de mulheres ativistas abusadas que têm espalhado rumores sobre outras mulheres ativistas ou têm-se envolvido em brigas políticas entre seu namorado e outros ativistas.

O que é assustador é que eu sei de ativistas homens que estavam abusando e manipulando de mulheres ativistas ao mesmo tempo que escreviam ensaios sobre sexismo ou sobre competição entre mulheres. Às vezes o homem ativista irá redigir o ensaio com sua amiga ativista de forma a obter mais legitimidade. Eu sei de homens ativistas que numa hora citam Bell Hooks, Gloria Anzaldúa ou outras escritoras feministas e noutra estão perseguindo ou espalhando mentiras e fofocas sobre uma amiga ativista.E de homens ativistas que irão ensinar mulheres a serem menos competitivas com outras mulheres para dissimular seu comportamento abusivo e manipulador.

O que é mais desolador é o apoio que homens ativistas abusivos encontram de outros/as ativistas, homens ou mulheres, mas mais habitualmente de outros homens.As mulheres ativistas não só têm de confrontar e lidar com seu agressor em círculos ativistas, mas com uma comunidade política que se designa comprometida mas que no final das contas não dá importância alguma sobre a segurança emocional e física da vítima. Em muitas ocasiões eu tenho ouvido as histórias das mulheres sobre abuso serem recontadas e reformuladas por homens ativistas de uma maneira hostil e sexista. E quando eles remodelam essa história, eles geralmente o fazem naquela voz, aquela voz falsa, acusatória e zombeteira.

Por exemplo, quando eu estava dividindo com um homem ativista minhas preocupações sobre como uma mulher ativista estava sendo tratada por um homem ativista que mantinha uma posição proeminente em um grupo político, o homem “ouvindo” a minha história disse naquela voz “Oh, ela só está provavelmente brava porque ele começou a namorar outra pessoa” e passou a tirar sarro dela. Ele continuou a me dizer que, enquanto ele “reconhecia” que o homem estava errado, que cabe a mulher impor-se ao homem se ela quer que o tratamento pare.

Infelizmente essa característica de misoginia deste homem disfarçada como homem feminista é muito comum em círculos ativistas dado que muitos homens em geral acreditam que mulheres são abusadas porque elas são fracas ou que no fundo querem ter relacionamentos com homens abusivos. Mais, os comentários deste homem revelaram uma atitude que acredita que se mulheres ativistas têm problemas com homens ativistas, elas “denunciam o abuso” para encobrir desejos sexuais ocultos e raiva por terem sido rejeitadas por homens que “não irão comê-las”.

Eu acho repulsivo que a segurança física e emocional de mulheres seja de pouca preocupação para homens ativistas em geral. Enquanto homens ativistas irão falar da boca para fora sobre como eles precisam ficar com suas bocas caladas quando as mulheres estão falando ou como espaços somente de mulheres são necessários, muito frequentemente pessoas “críticas” e “políticas” não querem confrontar o fato de que as mulheres estão sendo abusadas por homens ativistas em nossos círculos.

Quando essa questão é “abordada”, mais frequentemente do que não, a atenção será dada a “batalhar com” o homem (ou seja, deixando-o permanecer e talvez só fofocando sobre ele). Eu tenho visto algumas situações onde homens abusivos são adotados, por assim dizer, por outros ativistas, que vêem a reabilitação do homem como parte de seus projetos mas que praticamente não pensam sobre o que isso significa para as mulheres que estão tentando se recuperar. Em alguns casos, o homem ativista abusador foi adotado enquanto a mulher foi rejeitada como “instável”, “louca” ou “muito sentimental”. Basicamente, esses grupos iriam antes ajudar um cara frio e calculista que pode “mantê-los unidos” enquanto ele abusa de mulheres ao invés de lidar com a realidade de que o abuso pode contribuir para as dificuldades emocionais e sociais das vítimas enquanto elas se esforçam para se tornarem sobreviventes.

E em alguns casos, mulheres ativistas irão evitar de ir à polícia porque elas criticam o complexo industrial penitenciário, mas também porque outros homens ativistas irão dizer-lhes que elas estão “contribuindo para o problema” ao “conduzirem o Estado para dentro”. Mas na maioria dos casos, o homem ativista não é castigado pelos problemas que ele criou. Deste modo, as mulheres estão presas tendo que descobrir como garantir sua segurança sem serem rotuladas como “traidoras” por seus colegas ativistas.

Enquanto acredito fortemente que nós devemos tentar trabalhar pela reabilitação ao invés da punição em si, eu estou dolorosamente consciente que nós frequentemente damos mais ênfase em ajudar homens a permanecerem em círculos ativistas do que apoiar mulheres através de suas recuperações, o que pode envolver a necessidade de ter o homem removido de nossos grupos políticos. Basicamente, o grupo irá normalmente determinar que o ativista abusador deve ser deixado a se reabilitar sem perguntar à mulher o que ela necessita do grupo para recuperar-se e ser apoiada em seu processo. Eu sei de vários exemplos em que mulheres foram forçadas a tolerar a indisposição do grupo ao se referirem ao abuso. Algumas irão permanecer envolvidas em organizações porque elas acreditam na causa e porque francamente, há poucos espaços para ir, se houverem, onde ela não sofra o risco de ser abusada por outro ativista ou que o abuso que sofreu não seja desconsiderado. Outras irão simplesmente deixar o grupo.

Eu tenho visto como essas mulheres são tratadas por outros/as ativistas – homens e mulheres – que tratam mulheres friamente ou fofocam que elas são egoístas ou traidoras por deixarem o lado pessoal interferir na “causa”. Ou quando mulheres ativistas que foram abusadas são “apoiadas”, é usualmente porque ela é considerada “eficiente” ou porque desconsiderar o abuso será “ruim para o grupo”. Nesse sentido, a saúde física, emocional e espiritual da mulher é ainda sacrificada. Em vez disso, o abuso sofrido deve ser levado em conta porque se ele não for, ela pode “parar de contribuir com o grupo” ou pode haver muita tensão no mesmo para que ele funcione de forma eficiente. De qualquer forma, a segurança das mulheres não é vista como digna de preocupação em si mesma.

Em geral, cenários ativistas não são um espaço seguro para mulheres porque nele circulam homens misóginos e abusivos. Além disso, muitos desses abusadores usam a linguagem, ferramentas de ativismo e apoio de outros ativistas como meio de abusar de mulheres e esconder seus comportamentos. E infelizmente, em muitos círculos políticos, independentemente de quanto nós falemos sobre o patriarcado ou misoginia, mulheres são sacrificadas de forma a manter a “causa” ou salvar a organização. Talvez seja tempo de nós realmente nos importarmos com o fato de que as mulheres ativistas estão vulneráveis a serem manipuladas e abusadas por homens ativistas e considerar que abordar isso proativamente é uma parte integral da “causa” pela qual ativistas devem lutar.

 

Solidariedade e Cuidado em Espaços Feministas

Espaços feministas existem pela necessidade de criarmos esses espaços de luta e resistência. Espaços feministas são para nos fortalecermos, objetivando construirmos novas realidades individuais e coletivas, para nos apoiarmos e sermos solidárias umas com as outras, para identificarmos padrões que nos ajudam a perceber o inimigo, a causa, e para buscarmos soluções ou apenas resistirmos – buscas que temos por existir uma identificação: temos tratamento e oportunidades diferenciados devido ao machismo, a misoginia e as normas do patriarcado. Ainda que mulheres, lésbicas e outras identidades tenham suas especificidades e com isso opressões específicas, todas estas opressões são fruto de misoginia e crença na inferioridade de “ser mulher”, ou ainda, que mulher se deveria ser aos olhos da sociedade patriarcal.

Em espaços feministas você vai encontrar mulheres com traumas, mulheres ditas fortes e mulheres ditas fracas, mulheres em diferentes momentos de suas vidas, insubmissas, submissas ou com diferentes graus de submissão, adesão ao patriarcado ou a padrões estipulados pela sociedade, e mulheres sobreviventes.

Nós então não vamos encontrar mulheres iguais a nós, vamos lidar com diferenças, com ideias e objetivos nem sempre iguais.

É importante partindo disso, sabermos que o debate está aberto, de que temos diferenças. Ok.

Mas é interessante termos como princípios pelo menos duas coisas: a solidariedade e o cuidado com nossas companheiras e amigas. Obviamente não temos que ser solidárias com atos autoritários por exemplo, ou com qualquer atitude que qualquer mulher tenha só pelo fato de ela ser mulher. Seria mais um ponto de partida na nossa interação com as outras, mais uma maneira de encarar a si mesma e a outra, e uma tentativa de se opor à competitividade estimulada entre mulheres.

As vezes podemos estar muito focadas num problema específico em determinado momento para percebermos o nosso entorno -como a vida está para essas mulheres que estão aqui comigo agora-, e como está também para outras mulheres mais distantes. Mas é importante adotarmos a prática de prestarmos atenção no que outras estão trazendo e passando, e até, porque não, fazermos um esforço em compreender através do silêncio, que pode bem ser um indício de desconforto e medo, e de dinâmicas hierárquicas num espaço que precisa não gerar mais medos e domínio.

Eu tenho vivenciado que em alguns espaços, algumas atitudes e conceitos contrapõem a esta solidariedade e este cuidado fundamentais para o bem-estar de todas.

Por mais que estejamos abertas as discussões, não podemos descartar que esta “abertura” pode ser traumática, e nem todas as teses podem ser abertamente discutidas sem que se tenha cuidado, para evitarmos de machucar outras mulheres. Por exemplo, algumas teorias sobre o patriarcado, sobre o estupro, submissão e vitimização me parecem bem conflituosas para que se exponham desconsiderando que naquele espaço existem pessoas que foram estupradas, foram ou ainda são submissas, para citar algumas realidades. Geralmente com relação a submissão podemos ter uma opinião muito formada e acreditar que só a outra está sendo submissa e desta forma não enxergar nossas próprias atitudes ou situações. Eu percebi muitas vezes que o descuido, acaba por culpabilizar a vítima. E apesar de que o feminismo tem como fundamento nunca culpabilizar nenhuma vítima de estupro, quero dizer, a gente pensa que isso é consenso básico no “mundo” feminista, algumas teorias compartilhadas acabam por culpabilizar. O próprio termo estupro vem sendo desconstruído e banalizado, e tem pessoas que falam em estupro verbal por exemplo, que tentam comparar situações totalmente diferentes de estupros com o estupro. Não é solidário colocar tudo no mesmo saco, e pode ser altamente ofensivo, além de desconsiderar sofrimentos e traumas profundos. E por que haveríamos de ignorar que estes espaços agregam mulheres com traumas e dificuldades? Obviamente que não estou sugerindo que não devemos debater questões que se apresentam, mas que estejamos atentas para não machucarmos umas às outras.

Desde as formas como nos organizarmos, é fundamental que não exerçamos controle e centralidade, mas isso eu percebo estar mais em andamento, mesmo que na prática nem sempre funcione muito bem. O que nos mostra que temos muito por fazer, lembrando que para nossa autonomia é importante que geremos nossas próprias propostas, procurando criar as realidades que queremos para todas nós.

Outra coisa importante de se considerar, é que não podemos também exigir umas das outras, que sejam tomadas atitudes que julgamos mais importantes, sem levar em conta que a outra pode não estar preparada para tomar tais atitudes. O que podemos fazer é contribuir mutuamente nesta “preparação”, para que cada uma se desvincule o máximo que conseguir de suas dificuldades, daquilo que cada uma quer se desvincular. A interação entre nós tem que ser no sentido de nos libertar e de apoio mutuo, e não de reproduzirmos a opressão. Muitas vezes podemos não perceber o que estamos fazendo e estar “contribuindo” para silenciarmos a outra e deixá-la ainda mais insegura.

Penso que uma tentativa de solucionarmos problemas como estes, é de buscarmos desenvolver práticas de apoio quando nos propormos a construir e nos envolvermos em um espaço feminista. Não este cuidado paternalista atrelado ao conceito de fraqueza das mulheres, mas o cuidado para não causarmos mais danos. É essencial que espaços feministas sejam também espaços de apoio e confiança, além de serem de luta e resistência.

Pensemos enquanto feministas nas consequências de que nossas palavras e atos tenham em outras mulheres. Pensemos enquanto feministas em nos colocarmos no lugar da outra com solidariedade, não caridade.

 

Estratégias de mobilização Anarquista Feminista na 3ª FLAPOA

Hoje no segundo dia da 3ª FLAPOA além da exposição de materiais anarquistas e feministas durante todo o dia, seguem as oficinas e bate papos, filme e intervenções artísticas, confira toda a programação no site da feira flapoa.deriva.com.br/

Às 19h rola um bate papo, somente para mulheres:

Estratégias de mobilização Anarquista Feminista
Propostas para construção de rede anarquista e feminista, bate papo sobre novas (e velhas) táticas de ação, mobilização e propagação das idéias anarquistas em uma perspectiva feminista.