Abaixo segue a resposta à “Moção de Repúdio ao Movimento Feminista Radical de POA”. A resposta fala por si, contextualiza, em fim, não há necessidade de introdução basta lê-la. Mas sinto a necessidade de colocar o seguinte:
Uma moção de repúdio a feministas radicais daqui ou de qualquer lugar é algo questionável. É questionável do ponto de vista feminista fazer uma moção de repúdio contra mulheres que se organizam para lutarem por libertação. Uma moção de repúdio? Um repudio? Uma coisa é discordar teoricamente, uma coisa é escolher com quem vai se aliar, com quem vai lutar e de qual forma. Mas outra coisa bem diferente é REPUDIAR feministas e ainda tornar isso público e colocar a segurança física e emocional de um determinado grupo de mulheres em risco. Não é possível fazer acusações por fazer, sem um mínimo de consideração, sem informação pelo que se está criticando, em fim. Nós mulheres já somos alvos de ataques misóginos de todos os níveis, nossa luta e sobrevivência são parte do nosso diário.
Também acho importante ressaltar o apoio que o “repúdio” recebeu, quando prontamente 100 pessoas “curtiram”. 100 pessoas se sentiram confortáveis o suficiente para tornar público que concordam com ser possível repudiar um grupo de mulheres que compartilham da teoria feminista radical.
Eu queria problematizar isso. De onde vem este conforto, esta confiança para se dar este apoio? Sim, é seguro criticar feministas radicais, pois são odiadas, são taxadas de transfóbicas, de excludentes, de anti-homens. Nada mais seguro e confortável persegui-las sem tentar compreendê-las. E diria mais, esta não é uma questão de não “tentar” compreendê-las somente, mas percebo que é uma negação proposital, porque compreender o feminismo radical causaria ter que rever suas posições, seus privilégios, ceder espaço para mulheres, todas estas coisas da quais os homens se beneficiam no patriarcado. Então não finjam que estão do lado das mulheres, do nosso lado, porque vocês não estão, e ativamente estão contribuindo com a exploração e a opressão que combatemos para a nossa libertação, e para que sejamos silenciadas.
Também gostaria de frisar que o escracho não foi uma ação feita por feministas radicais, então a “Moção de repúdio às feministas radicais de Poa” é difamatória. Porém como está explicada na carta abaixo não farei desta a defesa das feministas radicais, porque respeitamos a ação escolhida(o escracho) por estas mulheres e cabe apenas a elas falarem por elas se assim desejarem.
Isso tudo é assustador: existir uma moção de repudio a mulheres feministas radicais, e 100 pessoas tornarem público seu acordo a isso. É assustador utilizar de um escracho denunciando o machismo para atacar um grupo de mulheres. É assustador também que mesmo com a descoberta de que não foi este grupo de mulheres (feministas radicais) que fizeram este escracho, tenha se sucedido uma “retratação” que apenas reforçou as críticas levianas ao feminismo radical, e não consiste em retratação de forma alguma, mas apenas a continuidade da postura de irresponsabilidade política adotada. E mesmo sabendo disso as pessoas continuaram “curtindo” ou mantiveram lá suas “curtidas”.
Ao contrário do que dizem os difamadores, feministas radicais são mulheres de todos os tipos e lugares, de classes sociais , raças e etnias diferentes. O que nos aproxima vai além da teoria, porque nossa teoria e nossa prática andam juntas. É comum encontramos no feminismo radical o único espaço onde sentimos conforto, compreensão e acolhimento. E ao contrário do que dizem, o feminismo radical não é a teoria feminista mais difundida nas universidades, se fosse não seria uma vergonha mas uma conquista. Sejam honestos pelo menos com isso.
enila dor.
“ESCRACHANDO O FEMINISMO RADICAL
Sobre as acusações ao feminismo radical POA referentes ao escracho no Bar Zumbi
Diante de diversas acusações, nos sentimos compelidas a dar respostas a uma série de falácias motivadas e endossadas por toda uma histórica perseguição a mulheres feministas. Perseguição esta que atualmente assume nova roupagem, mas continua servindo da mesma maneira ao patriarcado, desacreditando e desarticulando a nossa luta. A perseguição a feministas radicais chegou a tal ponto que fomos responsabilizadas por decisões que não tomamos, como, por exemplo, pelo recente escracho organizado por mulheres autônomas de diversas correntes feministas contra o bar Zumbi e o evento que seria lá sediado.
No último período, Porto Alegre (bem como outras cidades do país e do mundo) tem sido palco de festas que se dizem alternativas e libertárias e que, no entanto, tem demonstrado conteúdo misógino, machista, lesbofóbico e racista, tornando-se espaços de silenciamento, assédio e abuso de mulheres. Neste contexto, várias mulheres têm se organizado para se contrapor a essas iniciativas. Embora o movimento radical não tenha organizado o referido escracho, salientamos que sempre estivemos e sempre estaremos ao lado das mulheres que combatem o machismo em suas diferentes manifestações. Não falaremos aqui sobre as críticas feitas ao método utilizado por essas mulheres, pois acreditamos que elas mesmas podem se pronunciar sobre isso.
Quanto às críticas direcionadas ao movimento, percebemos que vem ocorrendo interpretações errôneas sobre o que é o feminismo radical. Somos feministas radicais porque buscamos combater a opressão patriarcal em sua raiz. No entanto temos sofrido a acusação de transfobia como uma associação direta à teoria radical. Entendemos que a associação de feminismo radical à transfobia é uma redução desonesta de todas as demandas desse movimento a uma mentira que se utiliza desse “carimbo” como ferramenta de perseguição de militantes e uma maneira de invisibilizar as pautas que dizem respeito a mulheres e suas vivências. Consideramos a acusação de transfobia leviana e irresponsável, na medida em que culpabiliza mulheres militantes por uma violência real causada por um inimigo comum, que tem os mesmos ideais machistas que combatemos.
Também consideramos que a acusação de academicismo que feministas vêm sofrendo é bastante problemática, tendo em vista toda a história de exclusão das mulheres no acesso ao conhecimento formal e da configuração de um espaço acadêmico extremamente machista e dominado por homens. Reivindicamos o conhecimento formal produzido por escritoras, cientistas e estudantes, num esforço de valorizar o saber produzido pelas mulheres, que deve ser passado adiante dentro dos espaços feministas para enriquecer nossa luta com a perspectiva feminina e valorizar a herança deixada pelas mulheres que vieram antes de nós. No entanto, não entendemos conhecimento formal como algo que desvalorize ou se contraponha às vivências feministas, mas que são complementares. Nosso feminismo é construído cotidianamente através da nossa prática, a partir das nossas ações na luta global das mulheres pelas mulheres.
Além das demais acusações acima, houve a de racismo. Enfatizamos nosso posicionamento contra o racismo, o qual consideramos uma violência muito grave, que combatemos em nossa atuação e cuja acusação levamos extremamente a sério. Nesse sentido, gostaríamos que fosse apontado onde está o racismo em nossas problematizações. Lamentamos, ainda, que seja dito que a motivação das mulheres que realizaram o referido escracho tenha sido racista, pois é um contrassenso, uma vez que entendemos que o objetivo do escracho e das manifestações das redes sociais foi justamente denunciar o conteúdo racista (além de misógino, machista e lesbofóbico) do evento que teria lugar no bar Zumbi e com a qual os organizadores, os donos do bar e as bandas participantes foram coniventes.
Não podemos ignorar que foi de extrema irresponsabilidade política e pessoal as acusações feitas tanto ao grupo que realizou o escracho quanto as mulheres organizadas no feminismo radical, pois expôs e colocou em risco a integridade física e moral de integrantes de ambos os grupos.
Infelizmente é inviável abordar todas as pautas necessárias a este texto e a este contexto, no entanto, gostaríamos de convidar todas as mulheres a construir conosco um movimento feminista de maneira responsável, coerente e que não exponha mulheres, mas sim lute por elas.”