[Repost] Chegamos no Dia internacional da Mulher

Chegamos no Dia Internacional da Mulher
sem que saibam o que é ser uma
sem que saibam de onde vem nossa opressão
outros protagonistas mais uma presunção
chegamos no dia internacional da mulher
e não querem saber como chegamos aqui
nem como sobreviveram nossas antepassadas
terem nos gerado é irrelevância
melhor quando esquecidas na sua insignificância
chegamos no dia internacional da mulher
o que fizeram não pode ser lembrado
e antes que o conhecimento seja repassado
deem um jeito dele junto ao corpo ficar soterrado
chegamos no dia internacional da mulher
nosso engenho é renegado
nosso sangue é derramado
nosso útero é desprezado
mas tem valor para ser alugado
chegamos no dia internacional da mulher
e ser mulher é uma roupa
ou fetiche
uma sensação matinal
que pode mudar no meio da tarde
ao estender uma roupa de baixo no varal
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso corpo é tabu
é “biologia terf”
é biomedicina
é experimento
é xyz com vitamina
chegamos no dia internacional da mulher
e eles são comemorados
e o homem neste dia é situado
para garantir que ele sempre seja o primeiro colocado
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso futuro é incerto
nossa esperança é abalada
mas quem se importa com gente desatualizada
chegamos no dia internacional da mulher
e a mais antiga opressão chamam de profissão
é capital é diversão
o poder tá na mão
o prazer está na exploração
chegamos no dia internacional da mulher
ela tá tentando escapar mas ninguém a nota
a quem interessa afinal
é só mais uma mulher morta
chegamos no dia internacional da mulher
o dia da arca de noé não esqueçam
é dia de salvar todas espécies que apareçam
porque afinal hoje é o dia de quem quiser

aline rod

Escrito e publicado pela primeira vez em março de 2018. http://acaoantisexista.com.br/chegamos-no-dia-internacional-da-mulher/

Prostituição é Exploração

Quando você critica a prostituição você sempre tem que ouvir alguém te perguntando o que você tem contra as mulheres prostituídas.

Por acaso quando você critica qualquer outro tipo de exploração, tortura ou escravidão alguém te pergunta o que você tem contra estas pessoas exploradas, torturadas ou escravizadas?

 

 

Conformidade e Exploração Não Empoderam Mulheres

O feminismo não é qualquer coisa que passamos a acreditar que ele seja, nem é possível adaptar o feminismo para que se encaixe nas nossas escolhas pessoais. Ser feminista é uma escolha pessoal (na verdade uma saída para a nossa sobrevivência), porém o inverso não é equivalente – uma escolha pessoal não vira feminista a qualquer custo porque assim desejo. Nomear algo de feminista não o transforma em feminismo, é preciso que este ‘algo’ tenha um comprometimento com a análise feminista que enxerga as estruturas de poder que estão sob domínio dos homens como opressoras de mulheres.

Nessa ótica podemos entender que a maioria do que se fala atualmente sobre empoderamento faz parte deste caminho inverso de tentar transformar comportamentos, conceitos e práticas não feministas e até antifeministas ou misóginas em feminismo.

Os padrões de beleza e comportamento estipulados para as mulheres passaram de estereótipos do gênero feminino a serem questionados para serem vistos como parte do “empoderamento feminino”. É uma forma que é conveniente para a manutenção do status quo pela falsa ideia que cria de que há uma mudança comportamental – pois agora a mulher faz uma “escolha”. Mas quando uma coisa é imposta, mesmo que no âmbito de costumes culturais, não é uma escolha quando respondemos exatamente como nos é esperado, é assim que funciona uma imposição. Os costumes são criados dentro das regras sociais e são desiguais entre os grupos de pessoas.

Desta forma as mulheres continuam sofrendo a mesma imposição de padrões mas são incentivadas a acreditar que são “agentes” “criadoras” “independentes”(mesmo que paguem caro para atingir esta “independência”: cirurgias plásticas, cosméticos, etc.). Isso gera também uma conformidade nas mulheres quanto a sua aceitação na sociedade. Antes era possível concluir que para ser aceita tinha que se perseguir esses padrões impostos, agora se estes viram “empoderamento”, não há mais a necessidade de questioná-los e muito menos mudá-los. Tanto o patriarcado quanto o capitalismo são agraciados quando não há oposição ao papel estipulado que as mulheres tem de cumprir na sociedade e quando se garante um público de consumo.

Com isso não se está dizendo que nós mulheres ao respondermos afirmativamente as pressões sociais ou ao adotarmos estes padrões deixamos de ser feministas, mas apenas que nossas atitudes não são automaticamente feministas por sermos mulheres, e que responder as imposições e padrões de beleza estipulados para nós mulheres como é esperado, não pode ser tido como empoderador.

Assim como a imposição dos padrões de beleza e de comportamento estão sendo dadas como “empoderamento” também a exploração sexual passa a ser vista como tal. Os defensores da prostituição e pornografia descobriram no mesmo argumento de “empoderamento” uma maneira que visa manter as mulheres escravizadas mas com sua aceitação, pois tira-se o “escravizada” e coloca-se “empoderada” e você terá mulheres conformadas a serem exploradas. Pelo menos este é o objetivo, o que não significa dizer que é alcançado (a aceitação e conformidade verdadeiras), pois dizer que as mulheres na prostituição e ponografia estão conformadas seria culpabilizá-las em alguma instância, na verdade essa “aceitação” e conformidade são resultados diretos da falta de oportunidades para mulheres.

Mas para os defensores da prostituição e pornografia não basta que estas sejam práticas exploratórias de mulheres, é preciso convertê-las em “escolha feminista”. Apropria-se do feminismo e o deturpa até naturalizar a exploração das mulheres para dar credibilidade a indústria do sexo, um negócio que rende bilhões anualmente. Os defensores da prostituição e da pornografia ignoram completamente a desigualdade de oportunidades entre os sexos (muitos não ignoram mas lucram com isso), pois são as mulheres as maiores vítimas da exploração sexual e das violências que lhe são intrínsecas.

A prostituição e a pornografia são violências contra as mulheres criadas pelos homens para que atendam as “necessidades” masculinas. Não tem como as fantasias masculinas (que ainda por cima são fundamentadas na cultura do estupro) se transformarem em “escolha feminista”, isso até subestima nossa compreensão das coisas. Não importa o quanto se faça um esforço em moldá-las, inventar alternativas, ou caracterizá-las como empoderadoras ou subversivas, pois isso são apenas disfarces – a exploração sexual ao ser renomeada não deixa de ser exploração. Tampouco é possível pegar as fantasias masculinas que perduram no sistema patriarcal e transformá-las em fantasias “igualmente” de mulheres, pois aí se esquece que neste sistema as fantasias masculinas são geradas e mantidas com as mulheres sendo subjugadas – são justamente a violência e a exploração das mulheres que atendem as fantasias masculinas. Procurar transformá-las como fantasias que se dão “naturalmente” e da mesma forma para ambos os sexos é um equívoco. Por mais que uma mulher possa passar a ter as mesmas fantasias, estas surgiram em algum momento do ponto de vista masculino. Na verdade nós não temos como saber quais são nossas reais fantasias. Embora os homens também tenham suas fantasias determinadas pelo sistema patriarcal, elas são oriundas da misoginia inerente a um sistema que beneficia os homens – são as mulheres que pertencem a classe das pessoas violadas, e isso não é uma fantasia mas uma realidade. Ademais o feminismo não é uma luta pela igualdade, mas pela libertação, que jamais se dará se incorporarmos as mesmas atitudes masculinistas. Só é possível alcançarmos a nossa libertação com a mudança na estrutura deste sistema, o que seria dizer, com a destruição do patriarcado.

Apoiar a pornografia e a prostituição consciente ou não dos processos de exploração inerentes a elas é um impedimento para a nossa libertação, e quando se proclama que é em nome do feminismo acaba-se endossando a misoginia de forma oculta e enganosa, até o ponto onde a exploração seja algo livremente consumível e aceitável sem a interferência do feminismo de fato.

A ideia de que empoderamento seja qualquer coisa que uma mulher faça, e que isso é ser feminista, contribui com o conceito de “vários feminismos”, um conceito que se tornou inquestionável – as pessoas acham que advogar por vários feminismos é uma coisa necessariamente boa e indiscutível (ai de alguém ter uma ideia variada). Como se o feminismo também fosse uma forma de consumo, ele próprio virou “um nicho a ser explorado”. Mas o feminismo não é uma roupa de estação que pode mudar completamente dependendo da moda. Para ser feminismo precisa reconhecer e afirmar que as mulheres fazem parte da classe subordinada e entender o que é subordinação. A libertação das mulheres não é como uma vestimenta ultrapassada, a luta feminista não está “desatualizada” porque “hoje em dia as coisas estão diferentes e diversificadas e o feminismo precisa se diversificar”. Não existe nada que “diversifique” a exploração das mulheres suficientemente ao ponto de que a exploração vire um hobby (pelo menos não para as mulheres). Obviamente que o feminismo não é uma coisa estática e homogênea, mas para ser feminismo ele não pode se utilizar da exploração, opressão, violência e discriminação das mulheres como bandeira pró feminista. Além disso, a reivindicação de “vários feminismos” surge muito frequentemente como tática para silenciar feministas, porque se presume que esta reivindicação é inclusiva, portanto correta. A inclusividade é outro conceito praticamente proibido de se questionar, a menos que as excluídas sejam mulheres de grupos sociais que não merecem a mesma atenção, ou feministas radicais (constantemente julgadas como desprezíveis por conta da teoria que defendem).

O feminismo ao pontuar que o empoderamento não se dá pela nossa conformidade aos padrões de beleza e comportamento impostos a nós nem através da exploração do nosso sexo, jamais almeja aumentar a carga nos ombros das mulheres. A análise não visa culpabilizar as mulheres da opressão que enfrentam, pelo menos não como uma classe que se beneficia disso, essa é uma interpretação que tem o intuito de nos dividir e de aliviar a responsabilidade dos homens. A crítica é ao domínio dos homens e a opressão que se estabelece que atinge todas as mulheres.

O feminismo vai seguir sendo a luta contra as estruturas de poder que colocam as mulheres na situação de subalternas dos homens em qualquer esfera. Até que sejamos todas livres de toda e qualquer exploração.

 

aline rod.

Áustria – Vendida a casa onde José Fritzl torturou e estuprou a filha para um proprietário de uma “casa noturna”.

Essa notícia é muito perturbadora. Toda essa história é muito perturbadora. Um pai que manteve a filha em cativeiro estuprando-a repetidamente por 24 anos. 24 anos. Como se não bastasse os estupros e a privação, Elisabeth a vítima (sua filha), teve sete filhos decorrentes dos estupros, dos quais três (com 5, 18 e 19 anos) nunca haviam visto a luz do dia até serem resgatados em 2008.
Agora um dono de um “strip club” comprou a casa por 160.000 euros. É como um filme de terror, é como uma risada bem grande na nossa cara, no sofrimento das mulheres. O ódio às mulheres tanto não tem limites quanto é negligenciado. Eu sempre considero relevante lembrar que o patriarcado antecede ao capitalismo, porém eu também sei que o capitalismo e o patriarcado andam juntos e se sustentam entre si. A compra desta casa é uma ‘jogada de marketing’, e o mais incrível é que associa a exploração das mulheres com estupro e incesto como propaganda, nem se preocupa em negar e defender que “os clientes compram um serviço como qualquer outro”, como costumam dizer. Eu vejo assim pelo menos, pra mim tá bastante claro. Me perturba demais esta notícia, mexe com alguma coisa dentro de mim, um absolutamente medo do que tudo isso possa causar um “incremento” no abuso, exploração, sofrimento, na vida dessas mulheres. Porque a fantasia masculina está sempre garantida e impulsiona e gera o que os liberais chamam de “trabalho sexual”, em detrimento ao mal-estar, a insegurança, a vulnerabilidade, a exploração das mulheres, as desiguais oportunidades e a violência contra a mulher.

link da notícia:

House where Josef Fritzl tortured and raped daughter sold to strip club owner

* essa notícia veio no meu feed de notícias no fb através da página “Wipeout Misoginy”. Agora a Ação Antisexista tem pagina no fb também. Confere lá, curte e apoie!

Legalização da prostituição e Projeto de Lei de Jean Wyllys: Legalizando a mercantilização dos corpos de mulheres, protegendo os que as exploram

O projeto de lei do deputado Jean Wyllys tem como objetivo legalizar a prostituição e as casas de prostituição e garantir proteção aos cafetões e aos usuários. Segundo Jean Wyllys as mulheres prostituídas estarão protegidas da violência, que segundo ele acontece na rua, e estarão garantidas de exercerem com “dignidade” o que ele e o segmento neoliberal chamam de “trabalho sexual”: termo usado para apagar que a exploração (dos corpos de mulheres) é inerente a prostituição.

Jean Wyllys explica que o projeto de lei foi nomeado como PL Gabriela Leite, por ela ser uma mulher que escolheu entrar para a prostituição. Gabriela Leite é branca, pertencente a classe média e ex aluna de filosofia da USP, e virou o exemplo, muito conveniente, para quem defende que a prostituição pode ser uma escolha. Ao constatar que Gabriela Leite é uma mulher que escolheu se prostituir, e passar a tê-la como exemplo, está-se automaticamente negligenciando todas as outras mulheres que não escolheram serem prostituídas, que não estão nas mesmas condições nem têm a mesma história que ela. Mas ah, quem se importa com estas mulheres!

Então a ala defensora da prostituição se preocupa com as mulheres que escolhem, porém não a ouvimos dar a mesma atenção para as mulheres que querem sair da prostituição e não conseguem, que de fato, são a grande maioria da classe. Não vemos quem defende a descriminalização dos cafetões e dos usuários, falar em proteção e garantias as mulheres que querem sair da prostituição. Por quê não existem programas nem projetos de lei para tanto? E por quê as mulheres não conseguem sair da prostituição? Esta é uma questão muito importante para entendermos como funciona a entrada das mulheres e meninas na prostituição, porque o que acontece é que classe, cor da pele e etnia, são fatores determinantes para que mulheres e meninas entrem para a prostituição e com que não consigam empregos melhores. Outro fator relevante pra a entrada na prostituição e que mostra o tratamento desproporcionalmente desigual entre homens e mulheres é o abuso e a violência que as mulheres sofrem mesmo no âmbito familiar, muitas vezes desde criança. O abuso e a violência são altamente determinantes para que meninas e mulheres se prostituam. O abuso e a violência que as meninas e mulheres são submetidas fazem parte do ciclo que leva a mais abuso e violência, mas é visto como “escolha”, é visto como algo da “natureza humana”, prefere-se dizer que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo embora essa não seja verdade, pois as mulheres foram antes caçadoras, coletoras, pintoras… Falar em escolha é bastante fantasioso quando a prostituição é a única “escolha” para milhões de mulheres.

Mas é disto que o pensamento neoliberal trata, de que o indivíduo escolhe e isso implica que se ele está numa situação ruim, é por sua “culpa”, pois poderia ter escolhido diferente. É esta a premissa do mercado competitivo capitalista. E vemos muitas pessoas culpando as pessoas desfavorecidas, as pessoas pobres, as que não conseguiram um emprego melhor, as que não tiveram oportunidade de estudo, como se elas apenas não tivessem capacidade de estudar e se dar bem na vida.

Não se escolhe ser “prostituta” e não se escolhe estar desempregada(o) passando dificuldade.

Já foi muito bem pontuado que se a prostituição fosse tão empoderadora, os homens estariam fazendo fila para se prostituírem.

Mas os homens não precisam recorrer a prostituição pois lhes é garantido outros empregos e oportunidades, são as mulheres uma subclasse que não precisa ter a mesma chance de proteção e cuidado dada aos homens. A verdade é que os corpos dos homens são deles, eles são os proprietários de seus corpos. Já as mulheres devem pertencer aos homens (maridos, amantes, clientes, pais, irmãos…), ao estado, a igreja e ao poder legislativo (também majoritariamente masculinos). São os nossos corpos que são estuprados, são os nossos corpos que são controlados e objetificados, são os nossos corpos que são mercantilizados e são os nossos corpos que engravidam – porém não temos poder de decisão pelo mesmo.A prostituição não diferentemente também é fruto desta dominação masculina.

Proponho em refletirmos de forma inversa para entendermos esta questão da escolha na prostituição. Se a prostituição é uma escolha seria o mesmo que dizer que está na mesa escolhermos entre sermos advogada, professora, faxineira, secretária, médica, enfermeira, doméstica, prostituta, por exemplo. Estão realmente na mesa estas opções igualmente para todas? Não vemos nitidamente as diferenças entre as oportunidades? Sabemos de onde vêm as diferenças. Logo as mulheres que não tiveram que se prostituir não “escolheram” não se prostituir. Não ponham nas nossas bocas que temos moral, que somos “boas moças”. Parem com este discurso moralista e conservador, que sempre nos reduz a santas ou putas, puritanas ou liberadas, para defender a legalização da prostituição.

A diferença é que a prostituição é a única “oferta” para milhões de mulheres mas não é para os homens.

Outro argumento utilizado pelos defensores da prostituição é que ela é uma prestação de serviços como outra qualquer, um trabalho como qualquer outro. A prostituição não é uma prestação de serviço como outra qualquer só porque existe(nem sempre) troca por dinheiro, ela não é como qualquer outro trabalho porque ela é inerentemente desigual, já que existe um explorador bem específico- o homem, e uma explorada bem específica- a mulher. Ela implica que a mulher sirva ao homem, ela valoriza as “necessidades” do homem, mesmo que esta “necessidade” de fato foi coisa inventada. É disso que a indústria do sexo consiste, em criar necessidades para os homens, direcionadas ao consumo deles.Todo serviço prestado é por troca de dinheiro, mas os serviços são também divididos entre a classe das mulheres e a classe dos homens e garantem melhores condições para esta última. Existem muitos trabalhos onde as pessoas são exploradas, porém constatar isso não pode servir de argumento de que as prostituídas também podem ser exploradas.

O que é revoltante no discurso de Jean Wyllys, e o que demonstra a verdadeira face deste projeto de lei, é a preocupação em “proteger” os homens que compram as mulheres, e os que lucram explorando estas mulheres: os cafetões. Jean Wyllys tenta convencer os congressistas dizendo que pelo fato de a maioria deles utilizarem destes “serviços” que o projeto de lei lhes beneficiaria, ou seja, lhes daria legitimidade para continuarem explorando as mulheres e mercantilizando seus corpos sem que corram o risco de serem punidos! É realmente muito boa essa. Segundo suas próprias palavras “não será difícil aprovar o projeto já que a maioria dos homens congressistas usam as prostitutas” É exatamente isso Jean Wyllys, os homens USAM as mulheres. E esta “maioria dos homens congressistas” seria o mesmo que dizer a maioria do congresso, certo? Não é coincidência que as mulheres sejam maioria incomparável das pessoas prostituídas e os homens a maioria das pessoas que estão no congresso.

É bom lembrar que a punição aos usuários e cafetões, apesar de estar prevista na lei, já não acontece com devida frequência. Quem mais sofre punição são as mulheres prostituídas, como aconteceu em Niterói no dia 23 de maio último, onde as mulheres que se encontravam no prédio invadido pela polícia foram abusadas, estupradas, tiveram dinheiro e outros pertences roubados, e muitas delas foram detidas. A descriminalização de usuários e cafetões, acaba de vez com a única garantia que as mulheres prostituídas têm, pois legitima a exploração destas mulheres, legaliza a exploração que não vai deixar de acontecer.

Pela descriminalização das mulheres prostituídas, mas não para quem as exploram.

Mas Jean Wyllys mostra preocupação também com o turista sexual que está chegando para a o grande evento maravilhoso que é a copa do mundo! E ele estava tentando aprovar este projeto de lei antes da Copa! Este evento que está desmantelando e desalojando famílias, removendo moradoras(es) de rua. Este evento que está impedindo milhares de pessoas que trabalham nas ruas de seguirem com seu ganha pão. Este grande evento que está criminalizando os movimentos sociais e legitimando ainda mais a violência policial e também punindo, prendendo e indiciando manifestantes e quem está se opondo a Copa. E eu acho isso relevante de dizer porque tentar aprovar a lei para a copa mostra uma perspectiva de descaso também com todas as problemáticas que a copa acarreta na vida das pessoas de forma violenta e arbitrária.

Jean Wyllys ainda afirma no alto da sua modéstia que “As únicas pessoas que se opõem a mim são as moralistas”. Aqui Jean Wyllys desconhece ou simplesmente descarta que uma das pautas do feminismo é a liberdade para todas as mulheres e que isso inclui as mulheres prostituídas, que o feminismo também é luta contra toda e qualquer forma de humilhação e exploração das mulheres.

Talvez não seja por desconhecimento que Jean Wyllys descarte o que estamos dizendo, talvez seja pelo fato de que como homem, e por isso em posição de privilégio, lhe falte compreensão sobre a importância da libertação das mulheres, e sobre a raiz da opressão que impede a libertação. Talvez Jean wyllys não ouve o que o feminismo diz que as mulheres, e isso inclui as prostituídas (caso alguém tenha se esquecido) não precisam de homens para representá-las. Um homem nunca representará mulher nenhuma.

Da mesma forma, eu sei que não posso representar as mulheres prostituídas. Mas como mulher e feminista eu tenho minhas opiniões no que diz respeito a opressão de mulheres, e isso inclui as mulheres prostituídas, se não meu feminismo seria um “feminismo” só para as mulheres das quais “merecem minha atenção”. Eu discordo de que tanto Jean Wyllys, como Gabriela Leite possam representar toda a classe prostituída. Quem é Jean Wyllys para representá-las? É realmente Gabriela Leite e mesmo seu grupo singular de mulheres uma representatividade a toda classe prostituída? Ao mesmo tempo que se fala em ouvir das mulheres prostituídas, se dá voz a uma pessoa bem específica pertencente a uma absoluta minoria de uma realidade bem particular como a de Gabriela Leite, e de um grupo seleto de mulheres que estão dizendo que escolheram entrarem para a prostituição.

Seguindo no discurso de Jean Wyllys ele diz que “Continuar deixando essas casas na ilegalidade é jogar essas profissionais nas ruas e aumentar a desproteção e o risco de que sofram violência.” e também que “A casa de prostituição é permitida desde que nela não se exerce qualquer tipo de exploração sexual.”

Esta é uma total falta de conhecimento de como funciona a prostituição, ou talvez apenas um argumento para convencer mas que não é factual. Na realidade as mulheres prostituídas também sofrem violências entre quatro paredes, são estupradas, abusadas, apanham, sofrem tortura e também são assassinadas em quartos, e isso inclui pelos cafetões. É pura fantasia achar que a rua é o único local de perigo, seria o mesmo que dizer que estupro só acontece na rua, ou à noite, ou por desconhecidos, quando sabemos que o estupro acontece largamente em espaços supostamente seguros, por pessoas próximas. Muitas prostituídas se sentem mais seguras longe das casas de prostituição onde elas não exercem nenhum poder sobre si mesmas, onde ao contrário estão totalmente dependentes e a mercê dos donos destes estabelecimentos que têm como subsistência a exploração destas mulheres. Acreditar que as mulheres estarão protegidas fora das ruas é um equívoco. Não haverá lei que protegerá a mulher num quarto de algum estabelecimento quando ela estiver sozinha com seus clientes ou cafetões. Não haverá respeito ás leis, não haverá limites aceitáveis. Muitas mulheres prostituídas relatam que uma vez que o cliente paga, elas não podem dizer “Não”. Quais homens respeitam os limites que elas tentam impor? E quando a necessidade fala mais alto, quais limites elas conseguem demarcar para si mesmas? É muito desumano o tratamento que as mulheres prostituídas recebem, é absolutamente muito desumano e só evidencia a posição das mulheres no patriarcado. É uma ilusão achar que as regras trabalhistas podem ser cumpridas na prostituição.

Não podemos abandonar nem esquecer nenhum grupo de mulheres, nenhuma mulher. Não podemos contribuir para manutenção do domínio dos homens sobre as mulheres, reduzindo as mulheres a seres submissos, servis, dependentes e sempre definidas em relação aos homens. Temos que parar de pormos em primeiro lugar as “necessidades” dos homens. É preciso uma mudança de paradigma. Temos que parar de comprar as crenças masculinistas impostas sobre nós de forma a nos destruir, a nos apagar, a nos subjugar, a nos manter ignorantes das nossas infinitas possibilidades e potenciais.

enilador.
13.06.2014

 

 

Copa do Mundo e a Exploração de Mulheres

A Adidas lançou camisetas para a Copa do Mundo de 2014.

Não me surpreendeu o motivo das camisetas: a objetificação da mulher brasileira e o incentivo do turismo sexual. Numa das estampas uma mulher está de biquíni (obviamente) com a frase “lookin’ to score in Brazil”, que é uma expressão que quer dizer “levar uma mulher para a cama”. A outra estampa é um coração que também é uma bunda de biquíni! É absolutamente absurda a proposta de camisetas da Adidas. O Brazil é bem conhecido mundialmente como destino de turismo sexual e na copa do mundo estima-se que haverá um grande aumento na exploração de mulheres, adolescentes e crianças.

Além de todo absurdo que é a existencia da copa por si só, os desalojos, a gentrificação, a repressão e a violencia policial, a perseguição dos movimentos sociais, que já estão acontecendo, as mulheres mais uma vez são alvos da estrutura capitalista patriarcal. A subjugação das mulheres é norma. As mulheres são estupradas e exploradas sejam nas guerras, sejam em “celebrações”, sejam no cotidiano.

Me angustia ver que mesmo no feminismo existam muitas pessoas que preferem não ver que a exploração sexual de mulheres só existe pela gigantesca diferença de oportunidades entre mulheres e homens.

As camisetas da Adidas além de incentivarem o turismo sexual, são uma ofensa e uma contribuição para que se continue tendo a mulher brasileira, assim como toda latina americana, especialmente as mulheres negras, como mulheres “quentes”, para nos manterem como objetos sexuais para o prazer masculino.

Parem com a exploração das mulheres!

Parem com a cultura do estupro!

Não vai ter copa!

Porque a crítica à Marcha das Vadias não é puritanismo

A apropriação do termo Vadia – utilizada pela Marcha das Vadias – é criticada como estratégia feminista por muitas de nós, provocando um longo debate. Eu compartilho da opinião de que a apropriação do termo não trará mudanças, que pelo contrário o termo Vadia contribui para nos objetificar e subjugar, que não ajuda como estratégia contra o estupro, e que ignora a realidade de muitas de nós, principalmente das mulheres e crianças prostituídas, embora pareça se solidarizar.

Neste debate surgiu o argumento de que seria por conservadorismo e por uma sexualidade reprimida que se critica a apropriação do termo. Em contraponto, se passou a assumir como uma espécie de “vantagem” inerente às pessoas que são a favor da apropriação da palavra vadia, como sendo bem resolvidas* e/ou sexualmente ativas.

A primeira coisa que me salta aos olhos é que sexualidade reprimida não é um defeito, é um problema, e como tal não serve como acusação nem ofensa. Dizer que as pessoas são muito reprimidas como crítica a este comportamento, é culpá-las pelo que lhes foi imposto. Já, alertar para isso e incentivar que as pessoas lutem contra esta repressão é algo construtivo. Além disso, não são todas as pessoas reprimidas que são como os estereótipos que se tem de pessoas quadradas e conservadoras. Não são também todas as pessoas que não tem sexualidade ativa que são de fato reprimidas, elas podem ter outros motivos para não serem ativas, e nem é verdade que as pessoas ativas são necessariamente felizes sexualmente.

Este tipo de afirmação parte do ponto de que sexo é algo bom sempre. Sexo nem sempre é bom, porque depende da situação, do momento, com quem, e do prazer. É uma afirmação também que ignora completamente as pessoas assexuais – que não sentem desejo sexual. Pode ser difícil da gente pensar assim num primeiro momento, já que existe uma forte repressão sexual e que somos impelidas a pensar que a luta por uma sexualidade livre significa fazermos sexo quando bem entendermos com quem bem quisermos, quando na verdade sexualidade livre significa além disso é claro, que nossas opções sexuais não sejam motivos para sermos perseguidas, e tampouco que as pessoas sejam perseguidas ou inferiorizadas quando não são sexualmente ativas, por opção ou não.

Apropriar-se do termo vadia não é sinônimo de uma sexualidade bem resolvida. Vai muito além da sexualidade de uma pessoa (embora possa fazer parte) as opções e táticas políticas que ela toma para si. Eu diria que optar por não usar o termo vadia tem muito mais a ver com uma preocupação quanto a sexualidade mal resolvida da sociedade e todas as implicações disso (estupro, controle, objetificação…) do que com a própria sexualidade (ainda que esta seja também mal resolvida). E embora uma mulher possa adotar o termo vadia como tática política, não significa que uma mulher que se apropria do termo vadia, se torna automaticamente politizada e liberta.

Ir para a Marcha usando “roupas de vadia” e se apropriar do termo vadia, passaram a ser considerados símbolos de autonomia e de se estar bem resolvida, naturalmente que ao criticar  essas formas de ação ficamos vulneráveis para sermos consideradas mulheres fechadas, conservadoras. É bem fácil de entender o receio que muitas podem sentir em questionar a Marcha, já que nos exclui automaticamente do círculo de vanguarda.

Não podemos ignorar que existe uma pressão também na mulher para provar sua feminilidade, sexualidade e sua capacidade de fêmea. A nossa sexualidade é controlada através de repressão e também de cobranças das nossas “capacidades e poderes” sexuais. É consenso de que o termo vadia é usado quando querem nos xingar, mas não é também usado para designar mulher boa de cama no imaginário machista? Estaríamos nós inconscientemente atreladas á opinião dos outros quanto às nossas capacidades de sedução, porque de certa forma queremos ser aceitas, estar incluídas, mesmo que numa sociedade que nos machuca? Não estou dizendo que este sentimento é o que leva à existência da Marcha, longe disso, estou apenas colocando que este sentimento pode estar presente dificultando desassociar sexualidade com participação na Marcha (que não se trata de sexualidade mas de estupro), podendo também gerar constrangimento para quem a critica, por ter sua sexualidade questionada.

Assim as mulheres questionadoras da simbologia adotada pela Marcha das Vadias são taxadas de conservadoras e de “mal resolvidas”. Pensem bem, isso não é muito diferente de dizer que feminista é mal amada,que falta um homem no seu corpo.

*O termo bem resolvida(o) também está atrelado as especificidades no contexto patriarcal, nem sempre significa algo positivo, as vezes parece até dar uma idéia contrária, de conformidade. Ademais é bastante difícil identificar conceitos como esse, numa sociedade patriarcal onde a sexualidade é um tabu. Isso passa também pela questão do consentimento, pois uma pessoa bem resolvida pode não estar atenta aos desejos da sua parceira (o) e numa outra escala, às vontades das pessoas a quem ela tenta suas investidas.

enila dor.
Outubro 2012

-Este texto  também faz parte da compilação Considerações sobre a Marcha das Vadias e Outros Textos, que você pode ler todo aqui na sessão de zines.

Considerações sobre a Marcha das Vadias

A Slut Walk surgiu em Toronto no Canadá em abril de 2011, quando um policial declarou que “as mulheres deveriam evitar se vestirem como putas para não serem violentadas”. A declaração absurda culpabiliza a vítima e justifica quem exerce tal violência. Em resposta, várias mulheres organizaram a SlutWalk. E assim em varias partes do mundo se sucedeu o que no Brasil se chama de Marcha das Vadias.

A declaração do policial, porém, reflete uma opinião que não é novidade. Sempre a ouvimos e há muito nós feministas/ mulheres reivindicamos que não importa como uma mulher se veste, hora ou lugar que se encontra, nada pode justificar o estupro. A mulher não pede para ser violentada. Muitas são as mulheres também que são estupradas pelos próprios maridos, namorados, conhecidos, etc., demonstrando a mentalidade de que mulher é propriedade, e como tal pode ser “utilizada” pelo proprietário como ele bem quiser. O homem que lhe é estranho, que não a conhece, também se sente proprietário daquela mulher naquele momento e se acha no direito de violentá-la.

Nós mulheres não podemos ser culpadas por estas violências sofridas. A culpa da violência é do agressor! Ponto. Nós mulheres temos que ter o direito de nos vestirmos como quisermos. Agora, se a marcha das Vadias utiliza deste argumento, esquece por outro lado que o termo Vadia (também puta ou vagabunda) é extremamente opressor, que existe apenas no contexto da sociedade patriarcal, e se apropriar do termo não vai trazer mudanças no sentido de diminuir a violência sexual. Sim, não é porque uma mulher se veste “como uma vadia” que ela “merece” ser estuprada, assim como se vestir mais “discretamente” não vai garantir segurança para nenhuma mulher, pois a violência que os homens agressores cometem não depende da roupa que uma mulher veste. Depende dele.

Inicialmente a marcha surgiu como protesto, mas logo foi adotada em vários lugares e passou a ser uma ação feminista, e por isso também que é criticada, pois ela não se encaixa para muitas de nós como uma ação feminista por mudanças radicais, pelo contrário, para muitas de nós ela ofusca e ignora questões importantes. Ela ignora que a apropriação do termo vadia reforça a objetificação da mulher, e ela ignora que para as prostituídas o termo carrega o significado de exploração e vulnerabilidade máxima quanto às violências que sofrem.

As mulheres que vão para a Marcha vestidas “de vadia” pensam estarem contestando algum valor conservador, mas ignoram que o próprio conceito de se vestir “como puta” é hipócrita nesta sociedade patriarcal e capitalista. Porque as roupas curtas e justas consideradas roupas “de puta”, são também as que o mercado nos impõe para que sejamos desejáveis. A realidade é que existe controle sobre como devemos nos vestir para sermos aceitas na sociedade, para sermos respeitadas, mas também disponíveis e atraentes. Que a nossa revolta seja contra a mentalidade machista da sociedade e contra o mercado competitivo capitalista e patriarcal que se utilizam disso para nos controlar e lucrar.

Quando questionados o termo e a forma de ação da Marcha das Vadias, prontamente houve uma tentativa de acabar com qualquer argumento, acusando este de moralista e conservador, impedindo um maior aprofundamento da discussão.

Assim aconteceu também com a questão da prostituição que foi trazida ao debate, pois vadia além de ser o xingamento que os homens fazem para as mulheres que não lhes agradam e o rótulo dado à mulher que “dá pra todo mundo”, é o termo usado para se referir à “prostituta”, “a maior Vadia de todas.”

Não existe nenhum respeito pelas prostituídas, elas são objetos descartáveis de prazer e de poder masculino, podendo sofrer qualquer tipo de tratamento.

Quando questionada a Marcha das Vadias como sendo a voz das prostituídas e que era composta pelo contrário, de uma grande maioria de mulheres e garotas de posição privilegiada, estas mulheres e garotas responderam que a marcha servia também para se solidarizar com as prostitutas. Mas eu acredito que se vestir “como uma prostituta”, com roupas “de vadia” e se apropriar do termo Vadia para ir à Marcha é uma forma colonizadora de agir, mesmo que seja com a intenção de se solidarizar, porque é fácil se apropriar dos termos e vestimentas sem ser uma prostituta no dia-a-dia. Por uma questão de consideração com as prostituídas, por amor a elas, é que não compreendo que deixemos de lado seus sofrimentos, ofuscando-os ao dizermos que somos também vadias, mas não sofrendo as mesmas conseqüências disso, que são como os homens as tratam todos os dias. Estas mulheres são constantemente estupradas, espancadas, humilhadas, roubadas, abusadas e assassinadas por serem vadias como profissão, sem que isso tenha sequer reconhecimento de um tratamento indigno, pois estes homens se acham no direito de tratarem elas do jeito que eles quiserem, pois eles não as consideram nada mais do que um objeto que eles vão usar, e eles sabem que nunca serão punidos por serem violentos ou abusivos com elas, e muito provavelmente nada lhes vai acontecer, mesmo se matarem uma prostituta. A sociedade também não reconhece que o tratamento a elas é indigno, e quando faz acredita ser um problema secundário. Moralismo para mim é pensar que por uma mulher ser prostituta nada que aconteça a ela caracteriza abuso, afinal ela “ta aí pra isso”. Moralismo para mim é achar que uma mulher que anda com vários homens é vadia, ao invés de pensar que uma mulher que anda com vários homens é uma mulher que anda com vários homens, não há necessidade de rotulá-la. Não há necessidade deste rótulo para nenhum comportamento que uma mulher tenha, ou situação que ela se encontre, e não vale a pena nos apropriamos de um termo que não é um significado verdadeiro sobre nenhum comportamento ou situação, mas uma maneira de reprimir qualquer comportamento que nós mulheres possamos ter que não agrada a sociedade, ou partes dela.

Eu acho revoltante ver as pessoas se referirem a prostituição como uma profissão da qual quem tem a “cabeça aberta” encara-a tranquilamente, e só uma pessoa conservadora mesmo pra não aceitar isso nos “dias de hoje”. O que “os dias de hoje” nos mostra de tão positivo para as mulheres prostituídas? Eu acho que esta é uma forma de pensar pra aliviar a consciência, de tirar a responsabilidade social que devemos ter, a de lutar por igualdade para todas as pessoas. Como se a prostituição fosse uma profissão como qualquer outra, como se as profissões não fossem resultado das desigualdades. Pois se existe exploração no trabalho para a maioria das pessoas, existe exploração dupla na prostituição, pelo capital e pelo domínio masculino. A mulher é que é explorada e subjugada pelo homem -sendo prostituta ou não- e a prostituta está ainda mais vulnerável na maioria das vezes. Para uma libertação de fato da mulher, o ideal seria um mundo onde as mulheres não fossem prostituídas simplesmente porque o ideal para a nossa libertação é que tenhamos autonomia incluindo a dos nossos corpos. Incluir como autonomia a escolha da prostituída em vender seu corpo, é ignorar que ela está sujeita a qualquer tipo de tratamento. A prostituta não é uma trabalhadora comum, mas uma escrava sem direito à reclamar. O argumento de que existem mulheres que gostam de serem prostitutas e que por isso não seriam exploradas visto que “sabem muito bem o que estão fazendo e são donas dos seus corpos”, é uma forma superficial de encarar o problema, pois este “saber o que se quer” se confunde com aceitação e com sobrevivência. As oportunidades são muito diferentes para as pessoas, dependem de gênero, classe, cor e etnia. Muitas das mulheres prostitutas foram criadas em ambientes de prostituição – isso não pode ser considerado uma escolha. As mulheres prostitutas são na verdade prostituídas – levadas ou forçadas a isso. Prostituição é conseqüência, fruto do poder hegemônico dos homens, e não uma escolha. A dicotomia entre moralismo x liberação como argumento para o engajamento das mulheres à Marcha, só dificulta o debate. A crítica a apropriação do termo vadia para a Marcha das Vadias nunca nem sonhou em dizer que prostituição é depravação. Nem é depravação ser prostituta, nem é moralismo querermos ver e sermos mulheres livres!

Não é servindo o homem que nós mulheres nos libertaremos, não é sendo escravas sexuais que seremos livres e não é alimentando seus desejos em contraponto aos nossos que acabaremos com a hegemonia masculina, ainda que uma mulher acredite que ela própria deseja isso.

É um absurdo que a prostituição seja execrada por razões moralistas carregadas de hipocrisia, isso é trabalho para as instituições e mentalidades conservadoras. Mas também é absurdo que sejam ignorados o sofrimento, a exploração, o abuso, a violência, o estupro e a escravidão inerentes a ela.

Vejo aí uma postura bem típica neo liberal, que vê a compra e venda do sexo como uma prestação de serviço normal, esquecendo que a desigualdade é intrínseca a prostituição, assumindo que nada se pode fazer quanto ao domínio masculino. A solução não é proibir a prostituição nem perseguir prostitutas obviamente. A solução para todas sermos mulheres livres é destruir com o patriarcado, com o controle exercido pelos homens e seus privilégios em todas as esferas da sociedade. A solução é empoderar as mulheres individualmente e como classe. Isto é uma idealização com certeza, mas nem por isso vamos nos conformar e lutar pela metade.

Nossa luta deve se constituir em não sermos donas de casa submissas nem serviçais dos desejos dos homens, que nada mais são que duas faces da mesma moeda. A sociedade é hipócrita suficiente para manter ambas as faces, comumente utilizadas por um mesmo homem que utiliza “dos serviços” da dona de casa e da prostituta, evidenciando que ele exerce controle e domínio onde quer que ele circule.

A Marcha das Vadias teve intenção de se solidarizar, mas ignora ou abafa estas questões, e ainda pode alimentar preconceitos e reforçar papéis. Em relação a estratégia adotada pela Marcha, pergunto, como os homens vêem a Marcha passar? Na prática, os homens que passam pela Marcha, prestam atenção nas mulheres com “pouca roupa”. E isso acontece porque eles estão chocados? Ao contrário de se importarem, a grande maioria dos homens se diverte, e eu não acredito que isso traga algum benefício para nós mulheres. Eu não acho estratégico que sejamos objeto de desejo destes homens, acho que isso é uma coisa fundamental, que nós mulheres não façamos parte das preliminares hipotéticas que estes homens possam elaborar nas suas cabeças. E vou além, eu acho que é mais provável do que parar, pensar e entender a mensagem, que um homem agressor espere uma das manifestantes na primeira esquina se ele tiver a oportunidade, quando esta estiver sozinha.

Sinto que falta dialogarmos muito, nos conhecermos mais e lutarmos muito mais para a nossa libertação, para amadurecermos nas nossas lutas e reivindicações buscando desenvolver estratégias que ajudem aos nossos objetivos. Penso que a sinceridade nos nossos argumentos é chave para não cairmos em reformismos, não podemos nos utilizar de argumentos que tendem apenas a convencer, não temos nada a ganhar se não ganharmos a liberdade, nada a ganhar se não formos todas mulheres livres!

enila dor.
Outubro 2012

-Este texto faz parte do zine Considerações Sobre a Marcha das Vadias e Outros Textos, que você encontra na íntegra na sessão de zines aqui no site.

Bate Papo sobre a Marcha das Vadias e exibição do filme Monster- no Espaço Deriva

Em continuidade pelo mês de luta das Mulheres, nesta semana a Ação Antisexista, estará com duas atividades no Espaço Deriva. Hoje, terça feira 19, faremos leitura e debate sobre o zine “Considerações sobre a Marcha das Vadias e outros textos”, e na quinta feira, 21, terá a exibição do filme Monster. A prostituição é assunto em ambas atividades. Bom momento para discutirmos o que é ser uma “prostituta de verdade”…sobre as violências contra as mulheres e a misoginia implicada nestas violências.

Terça-feira, 19/março : Leitura e debate do zine Considerações sobre a Marcha das Vadias e outros Textos. 19h.

Quando surgiu a Marcha das Vadias eu fiquei um pouco confusa: eu me revoltei contra a declaração do policial canadense como todas as mulheres que criaram a Slutwalk, mas eu achei a estratégia bem falha em vários sentidos, coisa que eu explico em dois textos desse zine. O primeiro texto que escrevi, Considerações sobre a Marcha da Vadias, comecei em novembro de 2011, depois de um diálogo virtual com uma amiga que estava vivendo em outro país. Eu comecei a escrever a resposta e isso acabou se tornando um texto sobre o assunto. Eu fiquei muito tempo em cima do texto, mas não consegui concluir na época… deixei o texto de lado. Isso se deu porque eu via muita dificuldade em abordar e organizar todas as questões que envolviam o assunto, em função de sua complexidade e pela dicotomia que foi criada entre liberação e moralismo. As pessoas não queriam discutir sobre a estratégia adotada pela Marcha das Vadias. Talvez muitas de nós chegaram a pensar em reconstruir as estratégias, pois havia uma intenção de contestarmos também o ponto de vista machista do policial canadense, e não só dele. Mas a Marcha já tinha sido criada e não sofreria mudanças, ao perceber isso não me engajei. Retomei o texto este ano também fruto de diálogo sobre o assunto e da tradução dos textos de Rebecca Mott. das quais participei.

Este zine explica um pouco os pontos de vista que criticam as estratégias da Marcha das Vadias. É um compilação de dois textos da escritora feminista radical e sobrevivente de prostituição Rebecca Mott., e dois textos meus.

Rebecca Mott. como ex-prostituta nos traz seu ponto de vista, fruto de sua vida cheia de abusos e violência no passado. É impossível ficarmos alheixs ao que ela coloca. A violência contra uma é a violência contra todas, e o que Rebecca escreve é reflexo das violências das quais passou. Existe a ideia de quando uma mulher sofre violência, seu relato e opinião por serem frutos de trauma são deslegitimados, como se não houvesse racionalização, reflexão e elaboração no pensamento. Eu penso essa ser uma forma de reproduzir a desvalorização das ideias que as mulheres têm. Eu penso essa ser uma forma de supervalorizar o pensamento cientifico em detrimento do conhecimento adquirido por vivência.

Enila Dor, novembro de 2012.

Quinta-feira, 21/março: Exibição do filme Monster seguido de bate-papo. 19h.

Filme da diretora Patty Jenkins, 2003, 109min. O filme é baseado em parte da vida de Aileen Wuornos, mulher prostituída executada pelo Estado que a considerou como uma assassina em série, apesar de Aileen ter alegado legítima defesa, evidenciando como o Estado reprime e criminaliza a auto defesa das mulheres. O filme é ao mesmo tempo brutal e sensível, tocando também sobre sororidade e lesbianidade.

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A Vadia Por Definição – Rebecca Mott.

Seguem as reflexões/questionamentos sobre a Marcha das Vadias. Novamente o texto é de Rebecca Mott., uma sobrevivente de prostituição   Pra quem quiser conferir o original em inglês: rmott62.wordpress.com/2011/05/10/the-ultimate-slut/

Num primeiro momento a tradução que fiz de “The Ultimate Slut” me pareceu mais correta como ” A Verdadeira Vadia”. Alguma coisa porém me dizia que desta forma em português teria um sentido duplo que não é o que a autora pretende,e por isso acabei escolhendo “por definição” no lugar de “verdadeira”. Mas quero compartilhar que me soa um pouco estranho ter decidido pelo termo escolhido. Espero no entanto que não prejudique a compreensão. Boa leitura.

A Vadia por definição

Este ano começou um movimento chamado Marcha das Vadias*, que pegou como fogo entre mulheres bastante privilegiadas, e que está bastante ligado com xs defensorxs do mercado sexual.

A Marcha surge da boa idéia de que nenhuma mulher ou menina deveria ser estuprada ou abusada por causa das roupas que ela estiver usando – ou por seu estilo de vida.  Isso é verdade – mas tem sido algo fácil para a indústria do mercado sexual manipular.

Afinal de contas, normalmente a Vadia por Definição está sob o controle do mercado sexual – ela é a prostituta, ela está dentro da pornografia violenta, ela é a acompanhante, ela é consumida pelos turistas sexuais.

Se você escolhe reinventar o termo Vadia – saiba que você está fazendo isso de um ponto de vista altamente privilegiado da qual a Vadia por Definição não tem acesso. Se você escolhe dizer que ser chamada de Vadia é algo empoderador – então escute as mulheres e meninas que estão envolvidas no mercado sexual que são desprovidas de poder e voz.

A Marcha das Vadias não está falando para ou pela Vadia por Definição. Está passando por cima e se utilizando dela.

Se fosse inventada por homens seria considerado arrogância, por que ex prostitutas tem que serem tolerantes só porque ela foi criada por mulheres?

Se você quer saber o que é ser uma Vadia, uma Vadia sem liberdade de ir e vir, sem liberdade de falar, sem direito a segurança – então se coloque na pele de uma Vadia por Definição.

Na maioria das vezes as mulheres e meninas no mercado do sexo são estupradas, espancadas e assassinadas independente do que vestem, independente do ambiente onde elas se encontram.

O que a Marcha das Vadias faz de fato que faça alguma diferença na prática quanto a isso?

Ao contrário, muitas das pessoas que participam da Marcha das Vadias dizem que as mulheres – evitando falar nas crianças envolvidas – escolhem entrar no mercado do sexo. Para essas pessoas ser uma Vadia é apenas um trabalho.

Essas pessoas então marcham orgulhosas da sua solidariedade para que o mercado sexual corra como um negócio normalmente.

Pra ser educada eu diria que isso é fechar os olhos para a violência que é uma regra dentro do Mercado sexual. Mas hoje eu não sinto vontade de ser gentil – eu diria então que esta é uma atitude egoísta e de alto privilégio, que vê as mulheres no mercado sexual como sub-humanas, que são boas apenas para serem usadas como propaganda enganosa.

Quantas são as mulheres que estão envolvidas no mercado sexual, neste “apenas um trabalho”, que tem estado nele por tempo integral por vários anos, sem nenhum poder ou escolha sobre como os clientes vão usar elas?

Quantas são as mulheres que envolvidas neste “apenas um trabalho” se encontram em condições onde o estupro é tão normal que não pode ser falado, onde mulheres desaparecerem é coisa normal, onde “Não” não significa nada?

Chame de trabalho quando você tem filas de homens esperando para despejar todas as fantasias pornográficas deles dentro de você.

Chame de trabalho, quando você perde a fala e a vontade de protestar que só levam a mais sexo sádico e ameaças de morte.

Esteja na pele de uma Vadia por Definição, então vá a Marcha das Vadias.

Eu nunca usarei o termo Vadia- porque eu nunca vou aceitar a Violência dos homens e odeio ver que a classe prostituída está se tornando ainda mais invisível por mulheres que dizem que está tudo bem serem chamadas de Vadias.

Vadia é um termo criado por homens com profundo desprezo e ódio por todas mulheres e meninas – mas para a Vadia por Definição, os homens estão dizendo que ela não significa nada além da coisa que eles vão foder até reduzi-l a lixo.

Como é possível se apropriar disso?

Estou sendo direta porque toda esta história tem me deixado mal. Leve em conta que eu me sentir mal é em parte por lembrar novamente que eu sou sub-humana para as mulheres suficientemente privilegiadas ao ponto de se apropriarem do termo vadia.

Eu não consigo esquecer quão venenoso é este termo – eu gostaria muito de conseguir.

Rebecca Mott.  10/maio/2011

* Do inglês Sluwalk. Apesar da equivalência dos termos Slut e Vadia, sentimos que o termo em português é mais brando. Em compensação o texto vale para a apropriação de outros termos também, como Puta e Vagabunda.

 

Razões pelas quais eu não vou na Marcha das Vadias – Rebecca Mott.

Olá a todas!

Tradução do texto “Razões pelas quais eu não vou na Marcha das Vadias”, escrito pela feminista radical, escritora e sobrevivente de prostituição, Rebecca Mott. Confira o site dela com seus textos (em inglês): http://rmott62.wordpress.com/

Este é primeiro texto de uma série sobre este tema que estarei traduzindo.

Razões pelas quais eu não vou na Marcha das Vadias

A Marcha das Vadias pode parecer uma forte ação feminista, mas para mim, como ex prostituta, parace uma forma negativa de lidar com a violência masculina contra todas as mulheres e meninas.

Não acredito que se apropriar da palavra “vadia” faça com que os homens agressores percebam algo de errado em seu comportamento, pelo contrário, se encaixa no jogo deles. Usar o termo vadia é se enquadrar naquilo que homens abusivos querem que as mulheres sejam. Chamar uma mulher ou menina de vadia é comumente usado para mantê-la como objeto sexual dos homens. Chamar uma mulher ou menina de vadia é usado para mantê-la heterosexual e não liberada, e que ela existe para agradar os homens.

Se apropriar da palavra vadia não faz com que a história simplesmente desapareça.

Mas pra mim como ex prostituta, duvido muito que as razões por trás da Marcha das Vadias – que foi tão rapidamente adotada por liberais e muitas vezes por feministas pró trabalho sexual – sejam em função de que ser vadia é considerado “trabalho” dentro do mercado do sexo.

Maravilha, outro truque para fazer desaperacer a violencia contra as mulheres que estão no mercado sexual, já que esse é o trabalho delas, e portanto não pode ser considerado violencia masculina, mas sim o papel da prostituta.

A Marcha das Vadias está nos interesses das mulheres privilegiadas que podem brincar com o papel de vadia, se vestir como uma puta, exibir cartazes com dizeres como “Vadias Dizem Sim”, que imaginam que as mulheres no mercado do sexo são empoderadas quando elas nos chamam de irmãs.

A Marcha das Vadias diz que o estupro é ruim quando feito contra mulheres e meninas”de verdade” independente do que elas vestem e onde vão. Mas ignora fortemente o estupro e a tortura sexual que acontecem diariamente contra as mulheres e meninas que estão no mercado do sexo.

Isto é ignorado – pois na visão da Marcha das Vadias isso é só trabalho – então não devemos julgar e nem mesmo nos aprofundarmos.

Algumas mulheres na Marcha das Vadias pensam que é radical se vestir com o estereótipo que elas tem da Vadia, ou com a versão cartunizada de uma puta. Elas podem chamar isso de burlesco, mas para as ex prostitutas isso é um insulto.

Se vestir como puta pra noite é frequentemente feito de uma posição de alto privilégio. Você se veste assim porque acredita estar segura, e se você for estuprada isso será um ultraje.

Fazer de conta que é uma puta não é ser uma puta.

A maioria das mulheres e meninas prostituídas não estão protegidas do estupro, não é um ultraje quando isso acontece – suas roupas e por onde andam são problemas menores comparados a viver numa sociedade que ignora seus sofrimentos, e usa sua imagem somente para fazer festa.

Além do que, como você ousa vestir-se com os estereótipos de puta que a maioria das prostitutas estão tentando se livrar. Na verdade você está mostrando seu privilégio.

Claro que eu acredito que nenhuma mulher ou menina deva ser estuprada em nenhuma situação, não importa o que ela esteja vestindo.

Mas a Marcha das Vadias está evitando o problema de que os homens que decidem estuprar irão estuprar mulheres e meninas não importando o que ela usa ou a situação que ela se encontra.

É o direito masculino de acreditar que todas mulheres e meninas não são nada além de objeto sexual que é a questão – é o ponto de vista do homem que mulheres e meninas podem ser pegas e estupradas sem sérias consequências pra ele, que é a questão.

Não é sobre as mulheres tentarem dar um jeito de se conformarem o suficiente para que homens agressores possam mudar seu comportamento – é sobre lutar por justiça e castigos severos que acabem com a violência cometida pelos homens.

Eu irei para o Reclaim the Night* – mas a Marcha das Vadias não faz nada por mim nem justiça para as prostituídas.

Rebecca Mott, 1º de Maio, 2011

*“Retome as noites” é um ato organizado por feministas que existe desde os 70 nos países de língua inglesa e que começou com protestar contra a cultura de estupro. Feministas marchavam a noite por causa da idéia comum de que ‘não ande em uma rua escura a noite pois poderá ser estuprada’. As marchas continuam sendo realizadas até hoje em muitos países. No Brasil houveram alguns em Brasília, Florianópolis e Curitiba, consistindo em intervenções urbanas. (nota da Apoya Mutua).