A Marcha Das Vadias Não É Solidária

O texto que segue foi escrito há pouco mais de um ano atrás. Porém eu desisti de publicá-lo por vários motivos. Eu me senti cansada ao obter na grande maioria das vezes respostas que demonstraram nenhuma ou pouca compreensão dos argumentos que utilizei em textos ou em conversas (pelo menos no meu convívio). Eu fiquei estigmatizada, eu nem vou explicar, mas eu sei que isso aconteceu. Eu sei também que este é o preço de qualquer ideia menos popular, é o preço pago por feministas, ou qualquer mulher que rompe o silêncio. Tudo bem. Além disso eu conheço muitas mulheres e garotas que são adeptas da Marcha das Vadias, e eu sempre me preocupo com a opinião destas, se elas vão pensar que eu estou contra elas, se elas vão levar para o “lado pessoal”, e acho que no fim sim. E isso também é parte do processo, ou o preço que pago. Mas eu estou absolutamente disposta a lutar pelo feminismo da forma como eu vejo o feminismo: o que eu acredito ser a luta pela libertação de todas nós mulheres.

 Aconteceu uma edição da Marcha das Vadias domingo passado e eu acabei me envolvendo mais uma vez com esse assunto. Achei este texto nas minhas coisas e percebi que ainda está atual com o que eu penso.

Quero agradecer  a todas que me dão apoio, as que comentam aqui no blog, as que compartilham da crítica,as  que tem outras ideias que complementam, a quem compartilha os textos, em fim. 

 

A Marcha das Vadias está consolidada podemos dizer assim. Infelizmente a marcha abafa muitas questões feministas, ao mesmo tempo que utiliza de argumentos feministas para justificá-la. A meu ver a marcha não só é bastante inconsistente como ação feminista mas é contraditória como tal e um passo atrás. Eu acho ainda estranho que as pessoas que defendem a Marcha das Vadias falem em vários feminismos ao mesmo tempo que não aceitam outros feminismos e procuram categorizar qualquer crítica à Marcha como conservadora. A Marcha tem conseguido de forma eficaz uma homogeneização das feministas que nos prejudica bastante. Ser feminista passou a ser sinônimo de ser participante da Marcha ao ponto de ser um choque quando uma feminista não se engaja à Marcha das Vadias.

Por que será que todas as demandas feministas, todas as lutas que mulheres feministas engajadas propõe não são ouvidas nem levadas a sério e a Marcha das Vadias de um dia para o outro passa a ser a “voz das mulheres”? Por que tantos homens passaram a aderir a Marcha das Vadias, sem sequer compreendem outras ações que propomos? E por que ao contrário de um aprofundamento nestas questões ao constatarem isso, as pessoas da Marcha preferem dizer que isso é uma coisa positiva?

Por que a mídia tem tanto interesse na Marcha das Vadias? Acredito que o apelo que a Marcha tem é em função também da sociedade nos querer objetificadas. Desta forma as mulheres estão mais uma vez sendo usadas pelo patriarcado e pelo capitalismo, servindo as propostas neoliberais. A Marcha é um evento que cabe como uma luva na cultura da sexualização e da objetificação dos nossos corpos, mesmo que as pessoas acreditem que é uma forma de lutar pela liberdade de suas sexualidades. Eu acredito que a Marcha das Vadias se encaixa perfeitamente para que não aprofundemos o feminismo e na questão vital de que não está nos libertando, mas corroborando para dizer que sim, somos todas vadias! E isso atinge que ponto exatamente? De liberdade sexual? Eu acredito que não. Para mim abraça a lógica machista de que somos vadias, e somos o que os homens quiserem que sejamos. E agora além de sermos o que os homens querem que sejamos, dizemos sim! E sim, agora descobrimos que podemos ser objetificadas e hipersexualizadas, que isso é muito bom para a nossa liberdade sexual, basta dizermos que somos objeto do nosso próprio desejo! Sério? Para mim abraça a cultura de que somos desejáveis ao olhos de homens e que sigamos nos comportando como objetos de desejo masculino em termos historicamente criados para excitarem os homens, não importa o quanto justifiquemos com o discurso de que somos objeto de nosso próprio desejo. Quem está querendo enganar quem?

A marcha consiste de um ponto de vista extremamente individual, por isso também se enquadra no pensamento neoliberal, onde cada mulher está centrada em si mesma dizendo “eu faço o que eu quero”, “isso é bom pra mim”, “sou livre” ignorando que muitas mulheres não tem a mesma oportunidade de escolha. Muitas de nós mulheres que são ou foram tratadas como vadias não querem se apropriar deste termo, e muitíssimo pelo contrário, queremos nos livrar deste, pois queremos poder sermos nós mesmas sem que nos ponham selos! ‘Eu tenho visto e também sentido na pele, que o termo vadia sempre foi usado como ferramenta misógina. E por mais que a Marcha das Vadias quer se apropriar disso, nós mulheres não vamos deixar de sermos tratadas como vadias, putas, vacas, etc quando alguém assim desejar. Digamos que seja possível ressignificar o termo Vadia, vamos supor que isso seja possível, podemos estar certas de que outro termo será criado para qualquer comportamento ou realidade das mulheres, e as mulheres prostituídas terão que ter uma nova denominação, porque estas precisam ser tratadas como vadias na vista da sociedade. Nós não vamos estar eliminando o problema, apenas mudando de nome, mas continuaremos sendo menosprezadas – umas mais que outras, isso é importante ressaltar: quem são as mais menosprezadas? Ou ainda, quem são as privilegiadas?

Não esqueçam que o termo vadia é um termo criado pelo heteropatriarcado,  porque se refere a mulher em relação ao homem. A mulher sozinha é santa, o outro lado da mesma moeda, de um também estereótipo que visa controlar, pois a mulher também não pode estar sozinha, ela precisa de um homem, mas não mais de um. Já as lésbicas são aberrações e ameaçam o papel da mulher de reprodução. Conceitos heterossexistas e conservadores para que compremos conforme nossa “opção”, conforme no que melhor nos enquadramos.

Mas não, não vale a pena nos rotularmos!

O que é ser uma vadia? É um tipo de comportamento? É usar um tipo de roupa? A mulher que “dá pra todo mundo”?

Eu não acredito em nenhuma destas premissas e acho incrível como esta apropriação apaga de vista as mulheres prostituídas porque fala em comportamento, mas jamais fala sobre a exploração e a violência que as prostituídas enfrentam.Com certeza a marcha não fala pelas mulheres prostituídas, antes pelo contrário ela ignora estas mulheres que não podem escolher um dia do ano, como fazem a maioria das mulheres na marcha ao se apropriarem do termo e se vestirem como vadias. Mulheres que são tratadas com desprezo, abuso e violência, simplesmente porque elas são as “verdadeiras vadias” para a sociedade todos os dias.

Pois nós todas as mulheres, prostituídas ou não, não somos vadias, vagabundas ou vacas. Se uma mulher ou garota que regularmente vai pra escola ou para o trabalho mas um dia por ano resolve ir a marcha utilizando o termo vadia, ela está agindo de maneira colonizadora, porque ela não sofre de forma alguma as consequências de ser uma “vadia de verdade”, ela não tem homens fazendo fila para estuprá-la com respaldo da sociedade, que acredita que suas filhas estão salvas enquanto estas mulheres que “escolheram” serem “prostitutas” existirem para que os homens descarreguem todo seu ódio e violência que sentem pelas mulheres (como disse Rebecca Mott.). Esta mulher ou garota que vai a marcha e diz que é puta, só o diz por estar numa absoluta posição de privilégio que inclui escolher o dia que vai ser ou se vestir “como puta”. O problema não é estar numa posição de privilégio, como alguém me perguntou: “qual o problema destas garotas na maioria brancas de classe média fazerem suas reivindicações?” Não seria problema mesmo, se isso não contribuísse ativamente para apagar os problemas que outras indivíduas estão passando. Feminismo para mim está absolutamente conectado com solidariedade entre mulheres, então torno a repetir que se milhões de mulheres querem se livrar do peso de serem tratadas como vadias e que o termo vadia lhes machuca e elas estão dizendo isso, porque ignorá-las? Será que pelo menos isso não merece a atenção das pessoas que marcham?

Acredito que muitas garotas principalmente as novas, realmente acreditam que o que a Marcha propõe favorece a liberdade de nós mulheres, não duvido das intenções de muitas pessoas envolvidas na Marcha. A questão que coloco não é para ficarmos em batalha, de forma alguma. As críticas que coloco são para propormos uma Marcha que agregue mais mulheres, que todas as mulheres se sintam confortáveis para caminharem juntas.Se a reivindicação é contra a violência sexual, marchemos contra a violência sexual. Se a reivindicação é quanto a nossa sexualidade marchemos por ela. A nossa sexualidade pode ser a nossa não relação com os homens! Ou pode ser também a nossa não sexualidade! Ou a nossa sexualidade está estritamente ligada aos homens e ao que os outros esperam de nós? E seria isso “nossa” sexualidade?

Que a marcha atinja a maioria da pessoas, eu compreendo, pelo espetáculo que virou, pela cobertura midiática e pela genuína necessidade de reivindicar os direitos das mulheres. Mas ela é uma verdadeira bomba de contradição ao feminismo. Ela fere as propostas feministas ao que se estende para todas as mulheres, que além das mulheres sofrerem discriminação e violências, que classe e cor da pele são determinantes para ditarem a maneira de como serão tratadas. Conscientes disso, porque deveríamos nos engajar em ações reformistas como esta?

A Marcha fala de estupro e sexualidade mas de uma forma a apagar demandas feministas importantíssimas. Lutamos pela nossa liberdade sexual, esta liberdade sexual não é liberdade se ela está totalmente inserida no contexto patriarcal, e nos jogos que este impõe de controle, onde o homem domina e a mulher é subjugada e objetificada. Numa sociedade que cansa de justificar o estupro como uma “urgência incontrolável” masculina (para isso servem as “prostitutas”, certo?), ou seja, uma via da sexualidade do homem, enquanto na verdade o estupro é apenas a confirmação de poder e do ódio às mulheres.

Não é uma questão de ser muito dura nas críticas, é uma questão de observar uma falta de consideração e solidariedade com as mulheres prostituídas, com as mulheres negras, as dos povos originários, de etnias, e com todas mulheres que são ou foram tratadas como vadias e vivem uma vida se esforçando para se livrarem destes traumas e de situações brutais, e que apenas a palavra vadia as fazem relembrarem de algo que elas carregam pesadamente. Se as mulheres que vão a marcha preferem ignorar milhões de outras mulheres, são elas que estão sendo duras, a diferença é que elas se consideram alegres, divertidas e liberadas e estão centradas na sua catarse individual. E mesmo que tenham direito obviamente de viverem suas catarses, elas só não podem dizer que estão se solidarizando com todas nós as outras mulheres que sentimos na pele o que é sermos tratadas como vadias. Não, elas não estão.

 

Porque a crítica à Marcha das Vadias não é puritanismo

A apropriação do termo Vadia – utilizada pela Marcha das Vadias – é criticada como estratégia feminista por muitas de nós, provocando um longo debate. Eu compartilho da opinião de que a apropriação do termo não trará mudanças, que pelo contrário o termo Vadia contribui para nos objetificar e subjugar, que não ajuda como estratégia contra o estupro, e que ignora a realidade de muitas de nós, principalmente das mulheres e crianças prostituídas, embora pareça se solidarizar.

Neste debate surgiu o argumento de que seria por conservadorismo e por uma sexualidade reprimida que se critica a apropriação do termo. Em contraponto, se passou a assumir como uma espécie de “vantagem” inerente às pessoas que são a favor da apropriação da palavra vadia, como sendo bem resolvidas* e/ou sexualmente ativas.

A primeira coisa que me salta aos olhos é que sexualidade reprimida não é um defeito, é um problema, e como tal não serve como acusação nem ofensa. Dizer que as pessoas são muito reprimidas como crítica a este comportamento, é culpá-las pelo que lhes foi imposto. Já, alertar para isso e incentivar que as pessoas lutem contra esta repressão é algo construtivo. Além disso, não são todas as pessoas reprimidas que são como os estereótipos que se tem de pessoas quadradas e conservadoras. Não são também todas as pessoas que não tem sexualidade ativa que são de fato reprimidas, elas podem ter outros motivos para não serem ativas, e nem é verdade que as pessoas ativas são necessariamente felizes sexualmente.

Este tipo de afirmação parte do ponto de que sexo é algo bom sempre. Sexo nem sempre é bom, porque depende da situação, do momento, com quem, e do prazer. É uma afirmação também que ignora completamente as pessoas assexuais – que não sentem desejo sexual. Pode ser difícil da gente pensar assim num primeiro momento, já que existe uma forte repressão sexual e que somos impelidas a pensar que a luta por uma sexualidade livre significa fazermos sexo quando bem entendermos com quem bem quisermos, quando na verdade sexualidade livre significa além disso é claro, que nossas opções sexuais não sejam motivos para sermos perseguidas, e tampouco que as pessoas sejam perseguidas ou inferiorizadas quando não são sexualmente ativas, por opção ou não.

Apropriar-se do termo vadia não é sinônimo de uma sexualidade bem resolvida. Vai muito além da sexualidade de uma pessoa (embora possa fazer parte) as opções e táticas políticas que ela toma para si. Eu diria que optar por não usar o termo vadia tem muito mais a ver com uma preocupação quanto a sexualidade mal resolvida da sociedade e todas as implicações disso (estupro, controle, objetificação…) do que com a própria sexualidade (ainda que esta seja também mal resolvida). E embora uma mulher possa adotar o termo vadia como tática política, não significa que uma mulher que se apropria do termo vadia, se torna automaticamente politizada e liberta.

Ir para a Marcha usando “roupas de vadia” e se apropriar do termo vadia, passaram a ser considerados símbolos de autonomia e de se estar bem resolvida, naturalmente que ao criticar  essas formas de ação ficamos vulneráveis para sermos consideradas mulheres fechadas, conservadoras. É bem fácil de entender o receio que muitas podem sentir em questionar a Marcha, já que nos exclui automaticamente do círculo de vanguarda.

Não podemos ignorar que existe uma pressão também na mulher para provar sua feminilidade, sexualidade e sua capacidade de fêmea. A nossa sexualidade é controlada através de repressão e também de cobranças das nossas “capacidades e poderes” sexuais. É consenso de que o termo vadia é usado quando querem nos xingar, mas não é também usado para designar mulher boa de cama no imaginário machista? Estaríamos nós inconscientemente atreladas á opinião dos outros quanto às nossas capacidades de sedução, porque de certa forma queremos ser aceitas, estar incluídas, mesmo que numa sociedade que nos machuca? Não estou dizendo que este sentimento é o que leva à existência da Marcha, longe disso, estou apenas colocando que este sentimento pode estar presente dificultando desassociar sexualidade com participação na Marcha (que não se trata de sexualidade mas de estupro), podendo também gerar constrangimento para quem a critica, por ter sua sexualidade questionada.

Assim as mulheres questionadoras da simbologia adotada pela Marcha das Vadias são taxadas de conservadoras e de “mal resolvidas”. Pensem bem, isso não é muito diferente de dizer que feminista é mal amada,que falta um homem no seu corpo.

*O termo bem resolvida(o) também está atrelado as especificidades no contexto patriarcal, nem sempre significa algo positivo, as vezes parece até dar uma idéia contrária, de conformidade. Ademais é bastante difícil identificar conceitos como esse, numa sociedade patriarcal onde a sexualidade é um tabu. Isso passa também pela questão do consentimento, pois uma pessoa bem resolvida pode não estar atenta aos desejos da sua parceira (o) e numa outra escala, às vontades das pessoas a quem ela tenta suas investidas.

enila dor.
Outubro 2012

-Este texto  também faz parte da compilação Considerações sobre a Marcha das Vadias e Outros Textos, que você pode ler todo aqui na sessão de zines.

Considerações sobre a Marcha das Vadias

A Slut Walk surgiu em Toronto no Canadá em abril de 2011, quando um policial declarou que “as mulheres deveriam evitar se vestirem como putas para não serem violentadas”. A declaração absurda culpabiliza a vítima e justifica quem exerce tal violência. Em resposta, várias mulheres organizaram a SlutWalk. E assim em varias partes do mundo se sucedeu o que no Brasil se chama de Marcha das Vadias.

A declaração do policial, porém, reflete uma opinião que não é novidade. Sempre a ouvimos e há muito nós feministas/ mulheres reivindicamos que não importa como uma mulher se veste, hora ou lugar que se encontra, nada pode justificar o estupro. A mulher não pede para ser violentada. Muitas são as mulheres também que são estupradas pelos próprios maridos, namorados, conhecidos, etc., demonstrando a mentalidade de que mulher é propriedade, e como tal pode ser “utilizada” pelo proprietário como ele bem quiser. O homem que lhe é estranho, que não a conhece, também se sente proprietário daquela mulher naquele momento e se acha no direito de violentá-la.

Nós mulheres não podemos ser culpadas por estas violências sofridas. A culpa da violência é do agressor! Ponto. Nós mulheres temos que ter o direito de nos vestirmos como quisermos. Agora, se a marcha das Vadias utiliza deste argumento, esquece por outro lado que o termo Vadia (também puta ou vagabunda) é extremamente opressor, que existe apenas no contexto da sociedade patriarcal, e se apropriar do termo não vai trazer mudanças no sentido de diminuir a violência sexual. Sim, não é porque uma mulher se veste “como uma vadia” que ela “merece” ser estuprada, assim como se vestir mais “discretamente” não vai garantir segurança para nenhuma mulher, pois a violência que os homens agressores cometem não depende da roupa que uma mulher veste. Depende dele.

Inicialmente a marcha surgiu como protesto, mas logo foi adotada em vários lugares e passou a ser uma ação feminista, e por isso também que é criticada, pois ela não se encaixa para muitas de nós como uma ação feminista por mudanças radicais, pelo contrário, para muitas de nós ela ofusca e ignora questões importantes. Ela ignora que a apropriação do termo vadia reforça a objetificação da mulher, e ela ignora que para as prostituídas o termo carrega o significado de exploração e vulnerabilidade máxima quanto às violências que sofrem.

As mulheres que vão para a Marcha vestidas “de vadia” pensam estarem contestando algum valor conservador, mas ignoram que o próprio conceito de se vestir “como puta” é hipócrita nesta sociedade patriarcal e capitalista. Porque as roupas curtas e justas consideradas roupas “de puta”, são também as que o mercado nos impõe para que sejamos desejáveis. A realidade é que existe controle sobre como devemos nos vestir para sermos aceitas na sociedade, para sermos respeitadas, mas também disponíveis e atraentes. Que a nossa revolta seja contra a mentalidade machista da sociedade e contra o mercado competitivo capitalista e patriarcal que se utilizam disso para nos controlar e lucrar.

Quando questionados o termo e a forma de ação da Marcha das Vadias, prontamente houve uma tentativa de acabar com qualquer argumento, acusando este de moralista e conservador, impedindo um maior aprofundamento da discussão.

Assim aconteceu também com a questão da prostituição que foi trazida ao debate, pois vadia além de ser o xingamento que os homens fazem para as mulheres que não lhes agradam e o rótulo dado à mulher que “dá pra todo mundo”, é o termo usado para se referir à “prostituta”, “a maior Vadia de todas.”

Não existe nenhum respeito pelas prostituídas, elas são objetos descartáveis de prazer e de poder masculino, podendo sofrer qualquer tipo de tratamento.

Quando questionada a Marcha das Vadias como sendo a voz das prostituídas e que era composta pelo contrário, de uma grande maioria de mulheres e garotas de posição privilegiada, estas mulheres e garotas responderam que a marcha servia também para se solidarizar com as prostitutas. Mas eu acredito que se vestir “como uma prostituta”, com roupas “de vadia” e se apropriar do termo Vadia para ir à Marcha é uma forma colonizadora de agir, mesmo que seja com a intenção de se solidarizar, porque é fácil se apropriar dos termos e vestimentas sem ser uma prostituta no dia-a-dia. Por uma questão de consideração com as prostituídas, por amor a elas, é que não compreendo que deixemos de lado seus sofrimentos, ofuscando-os ao dizermos que somos também vadias, mas não sofrendo as mesmas conseqüências disso, que são como os homens as tratam todos os dias. Estas mulheres são constantemente estupradas, espancadas, humilhadas, roubadas, abusadas e assassinadas por serem vadias como profissão, sem que isso tenha sequer reconhecimento de um tratamento indigno, pois estes homens se acham no direito de tratarem elas do jeito que eles quiserem, pois eles não as consideram nada mais do que um objeto que eles vão usar, e eles sabem que nunca serão punidos por serem violentos ou abusivos com elas, e muito provavelmente nada lhes vai acontecer, mesmo se matarem uma prostituta. A sociedade também não reconhece que o tratamento a elas é indigno, e quando faz acredita ser um problema secundário. Moralismo para mim é pensar que por uma mulher ser prostituta nada que aconteça a ela caracteriza abuso, afinal ela “ta aí pra isso”. Moralismo para mim é achar que uma mulher que anda com vários homens é vadia, ao invés de pensar que uma mulher que anda com vários homens é uma mulher que anda com vários homens, não há necessidade de rotulá-la. Não há necessidade deste rótulo para nenhum comportamento que uma mulher tenha, ou situação que ela se encontre, e não vale a pena nos apropriamos de um termo que não é um significado verdadeiro sobre nenhum comportamento ou situação, mas uma maneira de reprimir qualquer comportamento que nós mulheres possamos ter que não agrada a sociedade, ou partes dela.

Eu acho revoltante ver as pessoas se referirem a prostituição como uma profissão da qual quem tem a “cabeça aberta” encara-a tranquilamente, e só uma pessoa conservadora mesmo pra não aceitar isso nos “dias de hoje”. O que “os dias de hoje” nos mostra de tão positivo para as mulheres prostituídas? Eu acho que esta é uma forma de pensar pra aliviar a consciência, de tirar a responsabilidade social que devemos ter, a de lutar por igualdade para todas as pessoas. Como se a prostituição fosse uma profissão como qualquer outra, como se as profissões não fossem resultado das desigualdades. Pois se existe exploração no trabalho para a maioria das pessoas, existe exploração dupla na prostituição, pelo capital e pelo domínio masculino. A mulher é que é explorada e subjugada pelo homem -sendo prostituta ou não- e a prostituta está ainda mais vulnerável na maioria das vezes. Para uma libertação de fato da mulher, o ideal seria um mundo onde as mulheres não fossem prostituídas simplesmente porque o ideal para a nossa libertação é que tenhamos autonomia incluindo a dos nossos corpos. Incluir como autonomia a escolha da prostituída em vender seu corpo, é ignorar que ela está sujeita a qualquer tipo de tratamento. A prostituta não é uma trabalhadora comum, mas uma escrava sem direito à reclamar. O argumento de que existem mulheres que gostam de serem prostitutas e que por isso não seriam exploradas visto que “sabem muito bem o que estão fazendo e são donas dos seus corpos”, é uma forma superficial de encarar o problema, pois este “saber o que se quer” se confunde com aceitação e com sobrevivência. As oportunidades são muito diferentes para as pessoas, dependem de gênero, classe, cor e etnia. Muitas das mulheres prostitutas foram criadas em ambientes de prostituição – isso não pode ser considerado uma escolha. As mulheres prostitutas são na verdade prostituídas – levadas ou forçadas a isso. Prostituição é conseqüência, fruto do poder hegemônico dos homens, e não uma escolha. A dicotomia entre moralismo x liberação como argumento para o engajamento das mulheres à Marcha, só dificulta o debate. A crítica a apropriação do termo vadia para a Marcha das Vadias nunca nem sonhou em dizer que prostituição é depravação. Nem é depravação ser prostituta, nem é moralismo querermos ver e sermos mulheres livres!

Não é servindo o homem que nós mulheres nos libertaremos, não é sendo escravas sexuais que seremos livres e não é alimentando seus desejos em contraponto aos nossos que acabaremos com a hegemonia masculina, ainda que uma mulher acredite que ela própria deseja isso.

É um absurdo que a prostituição seja execrada por razões moralistas carregadas de hipocrisia, isso é trabalho para as instituições e mentalidades conservadoras. Mas também é absurdo que sejam ignorados o sofrimento, a exploração, o abuso, a violência, o estupro e a escravidão inerentes a ela.

Vejo aí uma postura bem típica neo liberal, que vê a compra e venda do sexo como uma prestação de serviço normal, esquecendo que a desigualdade é intrínseca a prostituição, assumindo que nada se pode fazer quanto ao domínio masculino. A solução não é proibir a prostituição nem perseguir prostitutas obviamente. A solução para todas sermos mulheres livres é destruir com o patriarcado, com o controle exercido pelos homens e seus privilégios em todas as esferas da sociedade. A solução é empoderar as mulheres individualmente e como classe. Isto é uma idealização com certeza, mas nem por isso vamos nos conformar e lutar pela metade.

Nossa luta deve se constituir em não sermos donas de casa submissas nem serviçais dos desejos dos homens, que nada mais são que duas faces da mesma moeda. A sociedade é hipócrita suficiente para manter ambas as faces, comumente utilizadas por um mesmo homem que utiliza “dos serviços” da dona de casa e da prostituta, evidenciando que ele exerce controle e domínio onde quer que ele circule.

A Marcha das Vadias teve intenção de se solidarizar, mas ignora ou abafa estas questões, e ainda pode alimentar preconceitos e reforçar papéis. Em relação a estratégia adotada pela Marcha, pergunto, como os homens vêem a Marcha passar? Na prática, os homens que passam pela Marcha, prestam atenção nas mulheres com “pouca roupa”. E isso acontece porque eles estão chocados? Ao contrário de se importarem, a grande maioria dos homens se diverte, e eu não acredito que isso traga algum benefício para nós mulheres. Eu não acho estratégico que sejamos objeto de desejo destes homens, acho que isso é uma coisa fundamental, que nós mulheres não façamos parte das preliminares hipotéticas que estes homens possam elaborar nas suas cabeças. E vou além, eu acho que é mais provável do que parar, pensar e entender a mensagem, que um homem agressor espere uma das manifestantes na primeira esquina se ele tiver a oportunidade, quando esta estiver sozinha.

Sinto que falta dialogarmos muito, nos conhecermos mais e lutarmos muito mais para a nossa libertação, para amadurecermos nas nossas lutas e reivindicações buscando desenvolver estratégias que ajudem aos nossos objetivos. Penso que a sinceridade nos nossos argumentos é chave para não cairmos em reformismos, não podemos nos utilizar de argumentos que tendem apenas a convencer, não temos nada a ganhar se não ganharmos a liberdade, nada a ganhar se não formos todas mulheres livres!

enila dor.
Outubro 2012

-Este texto faz parte do zine Considerações Sobre a Marcha das Vadias e Outros Textos, que você encontra na íntegra na sessão de zines aqui no site.

Bate Papo sobre a Marcha das Vadias e exibição do filme Monster- no Espaço Deriva

Em continuidade pelo mês de luta das Mulheres, nesta semana a Ação Antisexista, estará com duas atividades no Espaço Deriva. Hoje, terça feira 19, faremos leitura e debate sobre o zine “Considerações sobre a Marcha das Vadias e outros textos”, e na quinta feira, 21, terá a exibição do filme Monster. A prostituição é assunto em ambas atividades. Bom momento para discutirmos o que é ser uma “prostituta de verdade”…sobre as violências contra as mulheres e a misoginia implicada nestas violências.

Terça-feira, 19/março : Leitura e debate do zine Considerações sobre a Marcha das Vadias e outros Textos. 19h.

Quando surgiu a Marcha das Vadias eu fiquei um pouco confusa: eu me revoltei contra a declaração do policial canadense como todas as mulheres que criaram a Slutwalk, mas eu achei a estratégia bem falha em vários sentidos, coisa que eu explico em dois textos desse zine. O primeiro texto que escrevi, Considerações sobre a Marcha da Vadias, comecei em novembro de 2011, depois de um diálogo virtual com uma amiga que estava vivendo em outro país. Eu comecei a escrever a resposta e isso acabou se tornando um texto sobre o assunto. Eu fiquei muito tempo em cima do texto, mas não consegui concluir na época… deixei o texto de lado. Isso se deu porque eu via muita dificuldade em abordar e organizar todas as questões que envolviam o assunto, em função de sua complexidade e pela dicotomia que foi criada entre liberação e moralismo. As pessoas não queriam discutir sobre a estratégia adotada pela Marcha das Vadias. Talvez muitas de nós chegaram a pensar em reconstruir as estratégias, pois havia uma intenção de contestarmos também o ponto de vista machista do policial canadense, e não só dele. Mas a Marcha já tinha sido criada e não sofreria mudanças, ao perceber isso não me engajei. Retomei o texto este ano também fruto de diálogo sobre o assunto e da tradução dos textos de Rebecca Mott. das quais participei.

Este zine explica um pouco os pontos de vista que criticam as estratégias da Marcha das Vadias. É um compilação de dois textos da escritora feminista radical e sobrevivente de prostituição Rebecca Mott., e dois textos meus.

Rebecca Mott. como ex-prostituta nos traz seu ponto de vista, fruto de sua vida cheia de abusos e violência no passado. É impossível ficarmos alheixs ao que ela coloca. A violência contra uma é a violência contra todas, e o que Rebecca escreve é reflexo das violências das quais passou. Existe a ideia de quando uma mulher sofre violência, seu relato e opinião por serem frutos de trauma são deslegitimados, como se não houvesse racionalização, reflexão e elaboração no pensamento. Eu penso essa ser uma forma de reproduzir a desvalorização das ideias que as mulheres têm. Eu penso essa ser uma forma de supervalorizar o pensamento cientifico em detrimento do conhecimento adquirido por vivência.

Enila Dor, novembro de 2012.

Quinta-feira, 21/março: Exibição do filme Monster seguido de bate-papo. 19h.

Filme da diretora Patty Jenkins, 2003, 109min. O filme é baseado em parte da vida de Aileen Wuornos, mulher prostituída executada pelo Estado que a considerou como uma assassina em série, apesar de Aileen ter alegado legítima defesa, evidenciando como o Estado reprime e criminaliza a auto defesa das mulheres. O filme é ao mesmo tempo brutal e sensível, tocando também sobre sororidade e lesbianidade.

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A Vadia Por Definição – Rebecca Mott.

Seguem as reflexões/questionamentos sobre a Marcha das Vadias. Novamente o texto é de Rebecca Mott., uma sobrevivente de prostituição   Pra quem quiser conferir o original em inglês: rmott62.wordpress.com/2011/05/10/the-ultimate-slut/

Num primeiro momento a tradução que fiz de “The Ultimate Slut” me pareceu mais correta como ” A Verdadeira Vadia”. Alguma coisa porém me dizia que desta forma em português teria um sentido duplo que não é o que a autora pretende,e por isso acabei escolhendo “por definição” no lugar de “verdadeira”. Mas quero compartilhar que me soa um pouco estranho ter decidido pelo termo escolhido. Espero no entanto que não prejudique a compreensão. Boa leitura.

A Vadia por definição

Este ano começou um movimento chamado Marcha das Vadias*, que pegou como fogo entre mulheres bastante privilegiadas, e que está bastante ligado com xs defensorxs do mercado sexual.

A Marcha surge da boa idéia de que nenhuma mulher ou menina deveria ser estuprada ou abusada por causa das roupas que ela estiver usando – ou por seu estilo de vida.  Isso é verdade – mas tem sido algo fácil para a indústria do mercado sexual manipular.

Afinal de contas, normalmente a Vadia por Definição está sob o controle do mercado sexual – ela é a prostituta, ela está dentro da pornografia violenta, ela é a acompanhante, ela é consumida pelos turistas sexuais.

Se você escolhe reinventar o termo Vadia – saiba que você está fazendo isso de um ponto de vista altamente privilegiado da qual a Vadia por Definição não tem acesso. Se você escolhe dizer que ser chamada de Vadia é algo empoderador – então escute as mulheres e meninas que estão envolvidas no mercado sexual que são desprovidas de poder e voz.

A Marcha das Vadias não está falando para ou pela Vadia por Definição. Está passando por cima e se utilizando dela.

Se fosse inventada por homens seria considerado arrogância, por que ex prostitutas tem que serem tolerantes só porque ela foi criada por mulheres?

Se você quer saber o que é ser uma Vadia, uma Vadia sem liberdade de ir e vir, sem liberdade de falar, sem direito a segurança – então se coloque na pele de uma Vadia por Definição.

Na maioria das vezes as mulheres e meninas no mercado do sexo são estupradas, espancadas e assassinadas independente do que vestem, independente do ambiente onde elas se encontram.

O que a Marcha das Vadias faz de fato que faça alguma diferença na prática quanto a isso?

Ao contrário, muitas das pessoas que participam da Marcha das Vadias dizem que as mulheres – evitando falar nas crianças envolvidas – escolhem entrar no mercado do sexo. Para essas pessoas ser uma Vadia é apenas um trabalho.

Essas pessoas então marcham orgulhosas da sua solidariedade para que o mercado sexual corra como um negócio normalmente.

Pra ser educada eu diria que isso é fechar os olhos para a violência que é uma regra dentro do Mercado sexual. Mas hoje eu não sinto vontade de ser gentil – eu diria então que esta é uma atitude egoísta e de alto privilégio, que vê as mulheres no mercado sexual como sub-humanas, que são boas apenas para serem usadas como propaganda enganosa.

Quantas são as mulheres que estão envolvidas no mercado sexual, neste “apenas um trabalho”, que tem estado nele por tempo integral por vários anos, sem nenhum poder ou escolha sobre como os clientes vão usar elas?

Quantas são as mulheres que envolvidas neste “apenas um trabalho” se encontram em condições onde o estupro é tão normal que não pode ser falado, onde mulheres desaparecerem é coisa normal, onde “Não” não significa nada?

Chame de trabalho quando você tem filas de homens esperando para despejar todas as fantasias pornográficas deles dentro de você.

Chame de trabalho, quando você perde a fala e a vontade de protestar que só levam a mais sexo sádico e ameaças de morte.

Esteja na pele de uma Vadia por Definição, então vá a Marcha das Vadias.

Eu nunca usarei o termo Vadia- porque eu nunca vou aceitar a Violência dos homens e odeio ver que a classe prostituída está se tornando ainda mais invisível por mulheres que dizem que está tudo bem serem chamadas de Vadias.

Vadia é um termo criado por homens com profundo desprezo e ódio por todas mulheres e meninas – mas para a Vadia por Definição, os homens estão dizendo que ela não significa nada além da coisa que eles vão foder até reduzi-l a lixo.

Como é possível se apropriar disso?

Estou sendo direta porque toda esta história tem me deixado mal. Leve em conta que eu me sentir mal é em parte por lembrar novamente que eu sou sub-humana para as mulheres suficientemente privilegiadas ao ponto de se apropriarem do termo vadia.

Eu não consigo esquecer quão venenoso é este termo – eu gostaria muito de conseguir.

Rebecca Mott.  10/maio/2011

* Do inglês Sluwalk. Apesar da equivalência dos termos Slut e Vadia, sentimos que o termo em português é mais brando. Em compensação o texto vale para a apropriação de outros termos também, como Puta e Vagabunda.

 

Razões pelas quais eu não vou na Marcha das Vadias – Rebecca Mott.

Olá a todas!

Tradução do texto “Razões pelas quais eu não vou na Marcha das Vadias”, escrito pela feminista radical, escritora e sobrevivente de prostituição, Rebecca Mott. Confira o site dela com seus textos (em inglês): http://rmott62.wordpress.com/

Este é primeiro texto de uma série sobre este tema que estarei traduzindo.

Razões pelas quais eu não vou na Marcha das Vadias

A Marcha das Vadias pode parecer uma forte ação feminista, mas para mim, como ex prostituta, parace uma forma negativa de lidar com a violência masculina contra todas as mulheres e meninas.

Não acredito que se apropriar da palavra “vadia” faça com que os homens agressores percebam algo de errado em seu comportamento, pelo contrário, se encaixa no jogo deles. Usar o termo vadia é se enquadrar naquilo que homens abusivos querem que as mulheres sejam. Chamar uma mulher ou menina de vadia é comumente usado para mantê-la como objeto sexual dos homens. Chamar uma mulher ou menina de vadia é usado para mantê-la heterosexual e não liberada, e que ela existe para agradar os homens.

Se apropriar da palavra vadia não faz com que a história simplesmente desapareça.

Mas pra mim como ex prostituta, duvido muito que as razões por trás da Marcha das Vadias – que foi tão rapidamente adotada por liberais e muitas vezes por feministas pró trabalho sexual – sejam em função de que ser vadia é considerado “trabalho” dentro do mercado do sexo.

Maravilha, outro truque para fazer desaperacer a violencia contra as mulheres que estão no mercado sexual, já que esse é o trabalho delas, e portanto não pode ser considerado violencia masculina, mas sim o papel da prostituta.

A Marcha das Vadias está nos interesses das mulheres privilegiadas que podem brincar com o papel de vadia, se vestir como uma puta, exibir cartazes com dizeres como “Vadias Dizem Sim”, que imaginam que as mulheres no mercado do sexo são empoderadas quando elas nos chamam de irmãs.

A Marcha das Vadias diz que o estupro é ruim quando feito contra mulheres e meninas”de verdade” independente do que elas vestem e onde vão. Mas ignora fortemente o estupro e a tortura sexual que acontecem diariamente contra as mulheres e meninas que estão no mercado do sexo.

Isto é ignorado – pois na visão da Marcha das Vadias isso é só trabalho – então não devemos julgar e nem mesmo nos aprofundarmos.

Algumas mulheres na Marcha das Vadias pensam que é radical se vestir com o estereótipo que elas tem da Vadia, ou com a versão cartunizada de uma puta. Elas podem chamar isso de burlesco, mas para as ex prostitutas isso é um insulto.

Se vestir como puta pra noite é frequentemente feito de uma posição de alto privilégio. Você se veste assim porque acredita estar segura, e se você for estuprada isso será um ultraje.

Fazer de conta que é uma puta não é ser uma puta.

A maioria das mulheres e meninas prostituídas não estão protegidas do estupro, não é um ultraje quando isso acontece – suas roupas e por onde andam são problemas menores comparados a viver numa sociedade que ignora seus sofrimentos, e usa sua imagem somente para fazer festa.

Além do que, como você ousa vestir-se com os estereótipos de puta que a maioria das prostitutas estão tentando se livrar. Na verdade você está mostrando seu privilégio.

Claro que eu acredito que nenhuma mulher ou menina deva ser estuprada em nenhuma situação, não importa o que ela esteja vestindo.

Mas a Marcha das Vadias está evitando o problema de que os homens que decidem estuprar irão estuprar mulheres e meninas não importando o que ela usa ou a situação que ela se encontra.

É o direito masculino de acreditar que todas mulheres e meninas não são nada além de objeto sexual que é a questão – é o ponto de vista do homem que mulheres e meninas podem ser pegas e estupradas sem sérias consequências pra ele, que é a questão.

Não é sobre as mulheres tentarem dar um jeito de se conformarem o suficiente para que homens agressores possam mudar seu comportamento – é sobre lutar por justiça e castigos severos que acabem com a violência cometida pelos homens.

Eu irei para o Reclaim the Night* – mas a Marcha das Vadias não faz nada por mim nem justiça para as prostituídas.

Rebecca Mott, 1º de Maio, 2011

*“Retome as noites” é um ato organizado por feministas que existe desde os 70 nos países de língua inglesa e que começou com protestar contra a cultura de estupro. Feministas marchavam a noite por causa da idéia comum de que ‘não ande em uma rua escura a noite pois poderá ser estuprada’. As marchas continuam sendo realizadas até hoje em muitos países. No Brasil houveram alguns em Brasília, Florianópolis e Curitiba, consistindo em intervenções urbanas. (nota da Apoya Mutua).