Transativistas têm de entender que o que precisa desaparecer é o patriarcado, não as mulheres

A compreensão do que é ser mulher se confunde com a própria visão do que é um ser humano, porque na verdade nós mulheres não somos vistas e tratadas como seres humanos como são os homens. Neste sentido “ser mulher” é uma reivindicação de uma classe que precisa se reconhecer como tal para combater o que a oprime, e se tornar humana em primeiro lugar. Não é possível combater nenhuma opressão se a classe oprimida se dilui até que desapareça. O apagamento ou negação de uma classe oprimida é a própria vitória do que a oprime. Ou seja, o apagamento de mulheres é a vitória do patriarcado. É fundamental reconhecer a realidade material de mulheres e as consequências provindas da nossa biologia. É misoginia negar ou desprezar a biologia feminina, pois é por ela que sofremos inúmeras formas de invasão, violência, exploração e controle.

É bem certo que sempre foi ousadia ser uma feminista, e sempre surge uma nova forma de ataque para conter o feminismo e a libertação das mulheres. E com isso cada vez mais as pessoas se sentem confortáveis o suficiente para exporem e hostilizarem mulheres sem antes tentar compreendê-las. Tentar compreender-nos já é uma concessão a que não estão dispostos. Sempre foi assim na história, as mulheres antes mesmo de poderem explicar qualquer coisa (não que necessariamente precisem), são atacadas, ameaçadas e até mesmo assassinadas por suas ideias e comportamento.

Não é à toa que a misoginia é amplamente aceita e promovida até mesmo na esquerda que se diz progressista. É assim que funciona, a misoginia é estrutural, faz parte de um sistema de ódio às mulheres que facilita que mulheres sejam agredidas e negligenciadas. Existe um falso “comprometimento” com a luta das mulheres, mas apenas com o “feminismo” que pede licença e se comporta como “boa menina”, outorgando aos homens ou aos interesses desses o julgamento da nossa própria luta. Há um bom tempo que feministas, especialmente feministas radicais, são acusadas de transfóbicas com intuito de descredibilizar nossos argumentos e para que sejamos banidas de círculos. Na maioria das vezes transfobia é um termo usado para insultar mulheres quando dizem que ser mulher não é um sentimento, quando não concordam com o termo cis, quando falam em menstruação ou sobre seus corpos. Acusam lésbicas de transfobia por não se relacionarem sexualmente com pessoas que têm pênis e que se auto identificam como mulheres lésbicas. A auto identificação atualmente é colocada como a única coisa determinante para que um homem seja validado como mulher, basta ele dizer que é uma, enquanto o sexo de um indivíduo é considerado fantasia ou essencialismo como se estivéssemos relevando algo que não existe.

É a materialidade biológica das mulheres sendo extinta para nos destituir de direitos, a fim de que homens possam burlar limites que demarcamos para nos proteger e nos organizar. E é como se nós mulheres estivéssemos inventando toda a história da humanidade de abusos, estupros e outras violências cometidos por corpos masculinos contra mulheres. Este é um processo colonizatório que busca ocupar e reinventar nossos corpos ao definir o que é ser mulher sem o nosso consentimento. É mais um “ganhar na força”, um “conseguir na marra”, “não aceitar um não como resposta” tão típico dos homens pela forma como são construídos socialmente. Quando um homem se auto identifica como mulher ele está colonizando mulheres, mesmo que ele não esteja consciente disso. E mesmo que ele esteja com algum sentimento que o faça sofrer, o feminismo não é a luta que objetiva apaziguar o sofrimento dos homens. Não somos nós as mulheres que causamos danos aos homens pelo motivo de serem homens. Não somos nós as mulheres que de forma sistêmica lhes tiramos qualquer coisa que seja. Os homens são acostumados a poderem ter tudo o que querem, tudo está ao seu alcance, até mesmo ocupar nossos corpos e usurpar os nossos direitos, e como se não bastasse, ainda precisamos lhes dar assistência e validação para tanto.

Azul para meninos e rosa para meninas é ser pró gênero

A ministra Damares Alves deu uma declaração gravada em vídeo afirmando que “o país vive uma nova era”, e “menino veste azul e menina veste rosa”.

Realmente estamos vivendo tempos muito obscuros. Como era de se esperar, a declaração foi veementemente criticada e as redes sociais foram inundadas com memes, fotos de homens de rosa e mulheres de azul, e textos de todos os tipos para se opor à declaração tão retrógrada. E então me parece pertinente lembrar do significado de gênero, e das consequências das políticas identitárias do queer acolhidas pelo “feminismo” liberal.

Azul para meninos e rosa para meninas é ser pró gênero, o que torna contraditória a própria declaração de Damares Alves, que diz ser contra a ideologia de gênero. Se ela fosse contra a ideologia de gênero ela seria contra que ambas cores tivessem que ser usadas distintamente por mulheres e homens. Pois bem, contra a ideologia de gênero sou eu, somos nós as feministas, tirando o feminismo liberal que reforça os estereótipos de gênero através principalmente das políticas identitárias. Sendo ou não sendo metáfora, é a mesma coisa. Assim como as cores rosa e azul, vários outros símbolos de vestimenta e também de hábitos e comportamentos, estão na categoria gênero. O gênero é um papel que um indivíduo tem que representar de acordo com o seu sexo. Por isso obviamente a indignação, pois é ridículo limitar mulheres e homens nestes estereótipos. Porém não é só a Damares Alves que faz confusão não. E agora que o bicho vai pegar. Se todo mundo ficou indignado com esta declaração limitante, como a grande maioria das pessoas chama homens de mulheres quando eles usam rosa? Ou maquiagem? Ou salto alto ou vestido? Não é a cor nem a vestimenta que se usa que faz uma pessoa ser homem ou mulher. Mas na atualidade quando um homem usa rosa, maquiagem, etc ele logo passa a ser chamado de mulher (pelas mesmas pessoas que agora estão indignadas com o episódio rosa-azul). Nesta lógica bastaria nós mulheres não usarmos nenhum dos símbolos da feminilidade para não sofrermos a opressão patriarcal (violência, exploração, discriminação, reprodução controlada, feminicídio, etc), pois se o que define ser mulher é uma vestimenta ou comportamento cultural, nós automaticamente nos tornaríamos e seríamos tratadas como homens. Eu fico anos sem usar nenhuma dessas coisas e continuo sendo mulher nesse tempo. Então o homem diz que se sente mulher e passa usar o que? Rosa. Aí é subversivo? Não, aí é reforçar um estereótipo de gênero. Porque como vocês mesmos reivindicaram, com toda a razão, homens também podem usar rosa e mulheres azul. Então meus amigos e amigas, olha só que oportunidade para aprofundar no feminismo e desmascarar toda esta farsa de gênero que vivemos e que nos tempos atuais se intensificou com as políticas de identidade de gênero. Ser mulher ou homem não é usar uma vestimenta.

Agora, não se enganem, Damares Alves e Bolsonaro querem reforçar os estereótipos de gênero, e ao falarem em ideologia de gênero estão se referindo na verdade que são contra o feminismo, contra que o nosso útero seja livre das punições das leis e a favor que sejamos encubadoras, eles são contra as sexualidades que não a heterossexual.

aline rod.

Prostituição é Exploração

Quando você critica a prostituição você sempre tem que ouvir alguém te perguntando o que você tem contra as mulheres prostituídas.

Por acaso quando você critica qualquer outro tipo de exploração, tortura ou escravidão alguém te pergunta o que você tem contra estas pessoas exploradas, torturadas ou escravizadas?

 

 

A Linguagem Misógina do Discurso Liberal e o Apagamento da Realidade das Mulheres

“Bio chicas” é um dos termos mais ofensivos e desrespeitosos que já ouvi ser usado para se referir a meninas. Ouvi este num debate sobre “desconstrução de gênero”. Engraçado, que esta abordagem de desconstrução nada mais é que apagar a opressão e exploração que nós mulheres sofremos desde que nascemos. Engraçado que esta tal desconstrução tem o objetivo de negar que a opressão e a exploração das mulheres são baseadas no sexo. O gênero é uma construção social, determinada pelo sexo, ou alguém acredita que é tirado unidunitê a cada pessoa que nasce e que se escolhe por acidente qual gênero esta pessoa vai ter? O gênero é determinado pelo sexo e vai determinar o tipo de tratamento que uma pessoa vai receber. As mulheres vão fazer parte da classe subordinada e os homens farão parte da classe dominante, e isso significa que as mulheres terão seus corpos controlados pelo estado e suas leis – por exemplo a criminalização do aborto – sendo as mulheres punidas por tal crime, correndo risco de vida em aborto clandestino, ou ainda obrigadas a manter a gravidez contra a sua vontade independente das condições que se encontram.
Este tratamento determinado pelo sexo também significa que as mulheres serão vistas como propriedade dos homens de tal forma que a violência perpetrada pelos homens contra as mulheres se dará tanto por homens próximos como por estranhos, fazendo parte da guerra não declarada contra as mulheres, o que por sua vez significa todos tipos de violência incluindo tirar suas vidas – o feminicídio.
Esse tratamento igualmente significa que as oportunidades na vida serão distintas desde a infância, sendo a autoestima e a autoconfiança de uma menina completamente atacadas desde muito cedo enquanto as dos meninos comumente estimuladas e insufladas. Isso significa que os corpos dessas meninas serão objetificados e hipersexualizados desde pequenas. Isso significa que meninas e mulheres fazem parte da classe que sofre de forma incontestavelmente maior com abuso e violência sexual.
Isso significa ainda, que estas oportunidades continuarão sendo distintas e que as mulheres irão receber salários menores pelos mesmos serviços prestados, ou serão “naturalmente direcionadas” a profissões menos valorizadas. Isso significa que a prostituição será uma “oferta” incomparavelmente mais presente para mulheres e meninas. Isso significa que as mulheres serão as protagonistas da tortura sofrida na pornografia que vende o estupro e a violência contra a mulher como entretenimento e diversão. E isso por sua vez significa manter a cultura do estupro.

Simplesmente não querem se referir as meninas como meninas porque isso estaria excluindo “meninas não bio”, considerando o sentimento destas mais importante e relevante do que as consequências materiais da opressão baseada no sexo que se seguirá por toda a vida de uma menina. Infelizmente a esquerda foi cooptada pelo liberalismo e não percebeu, e estamos vendo uma onda de políticas identitárias substituindo o feminismo e o tratando como ultrapassado. Não só negando o feminismo, mas distorcendo e moldando a luta das mulheres para que atenda as necessidades de outros grupos – porque as mulheres nunca serão prioridade. Sabemos muito bem que pertencemos a segunda classe no patriarcado, somos tratadas desde que nascemos assim, sabemos que a misoginia é tão verdadeira e poderosa que o backlash* sempre vai acontecer de uma forma nova e revestida.

Agora temos que lidar com o discurso do “subversivo” que nada mais é do que estar disfarçado nesta categoria, porém mantém a mesma ordem de que nós mulheres sejamos exploradas e que temos que acatar isso caladas. O discurso do subversivo ataca erroneamente as feministas chamando-as de conservadoras para ganhar a discussão. Argumento desonesto e sem absolutamente um mínimo de entendimento do que significa a luta feminista e o que significa a importância de garantir que não sejamos silenciadas.

O discurso liberal tá se encarregando de criar, “em nome da diversidade”, vários termos que apagam as realidades de nós mulheres, nos sufocando com o intuito de extinguirem nossa resistência. Porém isso nunca vai acontecer. Enquanto houverem mulheres nesse mundo haverá luta. Enquanto formos exploradas e oprimidas sempre haverão mulheres priorizando sua sobrevivência.

aline rod.

*backlash no contexto feminista é o contra-ataque ou reação negativa ao feminismo.