‘Dysphoric’ – Fugindo da mulheridade como quem foge de uma casa em chamas [tradução livre] – Documentário

Documentário feito pela escritora, cineasta e ativista feminista Vaishnavi Sundar. Lançado ontem online e gratuito.

Tradução livre por Ação Anti Sexista:

‘Dysphoric’ é uma série documental em 4 partes sobre a ascensão da Ideologia da Identidade de Gênero, seus efeitos em mulheres e meninas – especialmente nos países em desenvolvimento.

Sinopse: Neste mundo distópico aonde a misoginia é generalizada e a mulheridade é mercantilizada, ser mulher tem um preço. As corporações capitalizam os corpos de mulheres confundindo a definição do sexo biológico, enquanto lucram com a pseudo ciência não comprovada da teoria queer. O “gaslighting” tem a cumplicidade da mídia, da academia, do mundo político e das leis. Não é nenhuma surpresa que mulheres jovens estejam fugindo da mulheridade como quem foge de uma casa em chamas. Na última década houve um número crescente de garotas buscando transicionar através de procedimentos arriscados e irreversíveis. ‘Dysphoric’ é uma série documental em 4 partes sobre a ascensão da Ideologia da Identidade de Gênero, seus efeitos em mulheres e meninas – especialmente nos países em desenvolvimento. O filme trata da transição de gênero, dos permanentes efeitos colaterais dos hormônios e cirurgias, do lobby das corporações “progressistas” que glorificam milhares de formas estereotipadas de gênero reunidas numa moda, do crescente policiamento de pronomes, do sequestro da linguagem ao chamar mulheres de “menstruadoras”, e dos múltiplos obstáculos que as mulheres encontram quando tentam questionar a misoginia dos novos tempos. O filme dá voz para quem destransiciona, médicos, psiquiatras, sociólogos, feministas, acadêmicos e cidadãos preocupados. ‘Dysphoric’ foi feito em um ano, durante o confinamento da COVID, entre cancelamentos.

Para assistir Playlist aqui: http://bit.ly/dysphoric21 Como não há garantia de que o documentário fique online porque sempre existe a chance de cancelamento, visite http://bit.ly/limesodafilms para ver outras fontes.

O ano de 2020 por Ação Anti Sexista

Estes são alguns dos artigos publicados pela Ação Anti Sexista durante o ano de 2020. Uma seleção de postagens para você ficar por dentro do que rolou no ano por uma perspectiva feminista. Dividido em categorias apenas pra facilitar do que se trata, sem ser algo fixo.

Textos/Comentários:

Notícia/ Denúncia:

Calendário Feminista:

Entrevista – Parte extra da entrevista com Aline Rodrigues para o documentário Viver Para Lutar:

O ano de 2021 já começa com muitos desafios, que a resistência feminista vença as barreiras impostas pelo patriarcado.

Transativistas têm de entender que o que precisa desaparecer é o patriarcado, não as mulheres

A compreensão do que é ser mulher se confunde com a própria visão do que é um ser humano, porque na verdade nós mulheres não somos vistas e tratadas como seres humanos como são os homens. Neste sentido “ser mulher” é uma reivindicação de uma classe que precisa se reconhecer como tal para combater o que a oprime, e se tornar humana em primeiro lugar. Não é possível combater nenhuma opressão se a classe oprimida se dilui até que desapareça. O apagamento ou negação de uma classe oprimida é a própria vitória do que a oprime. Ou seja, o apagamento de mulheres é a vitória do patriarcado. É fundamental reconhecer a realidade material de mulheres e as consequências provindas da nossa biologia. É misoginia negar ou desprezar a biologia feminina, pois é por ela que sofremos inúmeras formas de invasão, violência, exploração e controle.

É bem certo que sempre foi ousadia ser uma feminista, e sempre surge uma nova forma de ataque para conter o feminismo e a libertação das mulheres. E com isso cada vez mais as pessoas se sentem confortáveis o suficiente para exporem e hostilizarem mulheres sem antes tentar compreendê-las. Tentar compreender-nos já é uma concessão a que não estão dispostos. Sempre foi assim na história, as mulheres antes mesmo de poderem explicar qualquer coisa (não que necessariamente precisem), são atacadas, ameaçadas e até mesmo assassinadas por suas ideias e comportamento.

Não é à toa que a misoginia é amplamente aceita e promovida até mesmo na esquerda que se diz progressista. É assim que funciona, a misoginia é estrutural, faz parte de um sistema de ódio às mulheres que facilita que mulheres sejam agredidas e negligenciadas. Existe um falso “comprometimento” com a luta das mulheres, mas apenas com o “feminismo” que pede licença e se comporta como “boa menina”, outorgando aos homens ou aos interesses desses o julgamento da nossa própria luta. Há um bom tempo que feministas, especialmente feministas radicais, são acusadas de transfóbicas com intuito de descredibilizar nossos argumentos e para que sejamos banidas de círculos. Na maioria das vezes transfobia é um termo usado para insultar mulheres quando dizem que ser mulher não é um sentimento, quando não concordam com o termo cis, quando falam em menstruação ou sobre seus corpos. Acusam lésbicas de transfobia por não se relacionarem sexualmente com pessoas que têm pênis e que se auto identificam como mulheres lésbicas. A auto identificação atualmente é colocada como a única coisa determinante para que um homem seja validado como mulher, basta ele dizer que é uma, enquanto o sexo de um indivíduo é considerado fantasia ou essencialismo como se estivéssemos relevando algo que não existe.

É a materialidade biológica das mulheres sendo extinta para nos destituir de direitos, a fim de que homens possam burlar limites que demarcamos para nos proteger e nos organizar. E é como se nós mulheres estivéssemos inventando toda a história da humanidade de abusos, estupros e outras violências cometidos por corpos masculinos contra mulheres. Este é um processo colonizatório que busca ocupar e reinventar nossos corpos ao definir o que é ser mulher sem o nosso consentimento. É mais um “ganhar na força”, um “conseguir na marra”, “não aceitar um não como resposta” tão típico dos homens pela forma como são construídos socialmente. Quando um homem se auto identifica como mulher ele está colonizando mulheres, mesmo que ele não esteja consciente disso. E mesmo que ele esteja com algum sentimento que o faça sofrer, o feminismo não é a luta que objetiva apaziguar o sofrimento dos homens. Não somos nós as mulheres que causamos danos aos homens pelo motivo de serem homens. Não somos nós as mulheres que de forma sistêmica lhes tiramos qualquer coisa que seja. Os homens são acostumados a poderem ter tudo o que querem, tudo está ao seu alcance, até mesmo ocupar nossos corpos e usurpar os nossos direitos, e como se não bastasse, ainda precisamos lhes dar assistência e validação para tanto.

J.K. Rowling autora de Harry Potter é atacada nas redes por questionar o apagamento de mulheres

J. K. Rowling é mais uma vez atacada por questionar o apagamento da realidade de mulheres. A autora dos livros de Harry Potter está sendo duramente criticada e acusada de transfóbica pelo seguinte tuíte:

“Pessoas que menstruam. Tenho certeza que havia uma palavra para essas pessoas. Alguém me ajuda? Wumben? Wimpund? Woomud?” (O jogo de palavras aponta a obviedade do termo correto ser “woman”)

A legenda da matéria que ela questiona: “Opinion: Creating a more equal post-COVID-19 world for people who menstruate” – Opinião: Criando um mundo mais igualitário pos Covid-19 para pessoas que menstruam.

Parece que “Mulher” é uma palavra que deve ser banida, um significado sujo. Essa é a nova cara da misoginia. A que ponto chegamos para que uma mulher seja atacada por nos lembrar que pessoas que menstruam são mulheres? É de uma contradição e incoerência absurdas nos dizerem para não reduzirmos as pessoas à biologia e se referirem a nós como pessoas que menstruam. Extremamente ofensivo e redutor. As pessoas se ofendem com a palavra mulher, sentem vergonha, ou querem nos colonizar? E isso não é assustador? Mas seria ingênuo não entender que o que está acontecendo é a mudança proposital na linguagem por uma suposta inclusão de qualquer pessoa que queira ou se sinta permanente ou temporariamente como uma mulher às custas da exclusão de nós mulheres da nossa própria realidade material. Como se ser mulher fosse de fato um sentimento. Esta é uma questão teórica, que pode ser debatida com argumentação, mas não com este tipo de retaliação. As pessoas a essa altura já sabem, ou deveriam saber, que este é um posicionamento feminista estabelecido em como funciona a opressão das mulheres. Nós mulheres somos exploradas e discriminadas primeiramente pela nossa biologia, a opressão sobre nossas escolhas e sentimentos vêm como consequência.

Eu sinto uma revolta muito grande, uma profunda tristeza em ver que na verdade as pessoas não se importam de xingar publicamente as mulheres, tudo para se firmarem na mais nova tendência – de negação da nossa opressão. Daí o ator Daniel Radcliffe, protagonista nos filmes da saga, sem nenhum constrangimento decide criticá-la publicamente com uma espécie do que se tornou um mantra que nem sequer foi sobre o que J.K.Rowling disse, ele diz que “mulheres trans são mulheres”. Notem que o ator pegou o questionamento da Rowling de que pessoas que menstruam são mulheres e sua resposta foi “mulheres trans são mulheres”. Mas me pergunto por que ele fez essa volta? Por que ele não disse que “homens trans também menstruam”? Sabem por quê? Porque velado no seu discurso “pró trans” ele não tem a mesma consideração por este grupo de pessoas trans. E continua: “Qualquer declaração em contrário apaga a identidade e a dignidade das pessoas trans e vai contra todos os conselhos dados por associações profissionais de saúde que têm muito mais conhecimento sobre esse assunto do que Jo [J.K. Rowling] ou eu.” Nesta frase ele já usa do silenciamento, pois já nos “ensina” que não podemos declarar o contrário, não podemos ter outra percepção do que significa ser mulher, nem podemos lutar pelos nossos direitos como queremos. Em resumo, um homem se acha no direito o suficiente de dizer a J.K. Rowling que ela não tem o direito de lutar pelas mulheres como ela acredita. As pessoas começaram a dizer para ela calar a boca, ficar quieta, usaram termos como f***-se e toda espécie de xingamento. Tamanho conforto e segurança têm as pessoas de xingar uma mulher publicamente porque ela “ousou” falar o que pensa sobre o apagamento da realidade de mulheres, sem medo de serem acusadas de misoginia.

Mas nós estamos aqui para denunciar a misoginia de vocês e estamos guardando tudo o que vocês estão dizendo. Quando vocês perceberem que esta é uma tática de silenciamento de mulheres, que a propaganda contra nós muito difundida durante a caça às bruxas, é o que vocês estão fazendo tão à vontade, vocês talvez verão de que lado estavam e sintam, quem sabe, vergonha e arrependimento. Mas daí vocês já fizeram, vocês já contribuíram com a propaganda anti mulher de ódio à nossa realidade. Daí vocês já nos obrigaram a voltar vários passos atrás na nossa luta. Dai vocês já até mesmo nos dividiram o suficiente para seguir mantendo os homens em primeiro lugar.

Todas as matérias que vi aqui nos sites brasileiros tratam já como transfóbica a fala de Rowling. Eu vi apenas uma manchete que dizia que a autora havia sido ‘acusada de transfobia’, na maioria já está dada a sentença de transfobia como certa. No portal Ponte.org, tem uma ilustração com Rowling colocada como burra, com uma cara de quem não sabe o que está falando. É tão absurda a “charge” pois ela sabe exatamente do que está falando. Chamar a Rowling de burra? Haja misoginia pra isso. E haja espaço também para que se dê seguimento a isso em paz e harmonia. Esta matéria também dá dicas de como não ser transfóbico, e uma das regras para evitar pisar na bola diz para: “não reduzir as nossas existências as genitálias pois é mega transfóbico”. E aí dizem “crescemos em uma sociedade que acredita que meninas precisam e devem ter genitálias femininas e meninos precisam ter genitálias masculinas”. Pera lá, olhem a escolha e a manobra pra explicar a nossa sociedade em relação as mulheres! Crescemos numa sociedade onde meninas precisam e devem ter genitálias?! Ou crescemos numa sociedade que vê uma vagina e enquadra as mulheres na classe subjugada e explorada? E novamente, a resposta para não valorizar a genitália e o biológico é dizer “pessoas que menstruam”? Esta não é uma referência biológica?? Além disso podemos perceber que esses discursos sempre igualam mulheres e homens numa espécie de “opressão oposta que ambos sofrem” e isso apaga completamente a opressão de mulheres para dar lugar a uma “opressão geral” para homens também. A estratégia de apagamento também é em si uma forma de opressão pois sem sabermos o que nos oprime não teremos meios de como lutar e nos posicionar.

O fato é que os homens seguem sendo homens com H, fortes e assegurados de que nunca sofrerão ataques como estes dos quais nós mulheres somos alvos constantemente.

[Repost] Chegamos no Dia internacional da Mulher

Chegamos no Dia Internacional da Mulher
sem que saibam o que é ser uma
sem que saibam de onde vem nossa opressão
outros protagonistas mais uma presunção
chegamos no dia internacional da mulher
e não querem saber como chegamos aqui
nem como sobreviveram nossas antepassadas
terem nos gerado é irrelevância
melhor quando esquecidas na sua insignificância
chegamos no dia internacional da mulher
o que fizeram não pode ser lembrado
e antes que o conhecimento seja repassado
deem um jeito dele junto ao corpo ficar soterrado
chegamos no dia internacional da mulher
nosso engenho é renegado
nosso sangue é derramado
nosso útero é desprezado
mas tem valor para ser alugado
chegamos no dia internacional da mulher
e ser mulher é uma roupa
ou fetiche
uma sensação matinal
que pode mudar no meio da tarde
ao estender uma roupa de baixo no varal
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso corpo é tabu
é “biologia terf”
é biomedicina
é experimento
é xyz com vitamina
chegamos no dia internacional da mulher
e eles são comemorados
e o homem neste dia é situado
para garantir que ele sempre seja o primeiro colocado
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso futuro é incerto
nossa esperança é abalada
mas quem se importa com gente desatualizada
chegamos no dia internacional da mulher
e a mais antiga opressão chamam de profissão
é capital é diversão
o poder tá na mão
o prazer está na exploração
chegamos no dia internacional da mulher
ela tá tentando escapar mas ninguém a nota
a quem interessa afinal
é só mais uma mulher morta
chegamos no dia internacional da mulher
o dia da arca de noé não esqueçam
é dia de salvar todas espécies que apareçam
porque afinal hoje é o dia de quem quiser

aline rod

Escrito e publicado pela primeira vez em março de 2018. http://acaoantisexista.com.br/chegamos-no-dia-internacional-da-mulher/

Azul para meninos e rosa para meninas é ser pró gênero

A ministra Damares Alves deu uma declaração gravada em vídeo afirmando que “o país vive uma nova era”, e “menino veste azul e menina veste rosa”.

Realmente estamos vivendo tempos muito obscuros. Como era de se esperar, a declaração foi veementemente criticada e as redes sociais foram inundadas com memes, fotos de homens de rosa e mulheres de azul, e textos de todos os tipos para se opor à declaração tão retrógrada. E então me parece pertinente lembrar do significado de gênero, e das consequências das políticas identitárias do queer acolhidas pelo “feminismo” liberal.

Azul para meninos e rosa para meninas é ser pró gênero, o que torna contraditória a própria declaração de Damares Alves, que diz ser contra a ideologia de gênero. Se ela fosse contra a ideologia de gênero ela seria contra que ambas cores tivessem que ser usadas distintamente por mulheres e homens. Pois bem, contra a ideologia de gênero sou eu, somos nós as feministas, tirando o feminismo liberal que reforça os estereótipos de gênero através principalmente das políticas identitárias. Sendo ou não sendo metáfora, é a mesma coisa. Assim como as cores rosa e azul, vários outros símbolos de vestimenta e também de hábitos e comportamentos, estão na categoria gênero. O gênero é um papel que um indivíduo tem que representar de acordo com o seu sexo. Por isso obviamente a indignação, pois é ridículo limitar mulheres e homens nestes estereótipos. Porém não é só a Damares Alves que faz confusão não. E agora que o bicho vai pegar. Se todo mundo ficou indignado com esta declaração limitante, como a grande maioria das pessoas chama homens de mulheres quando eles usam rosa? Ou maquiagem? Ou salto alto ou vestido? Não é a cor nem a vestimenta que se usa que faz uma pessoa ser homem ou mulher. Mas na atualidade quando um homem usa rosa, maquiagem, etc ele logo passa a ser chamado de mulher (pelas mesmas pessoas que agora estão indignadas com o episódio rosa-azul). Nesta lógica bastaria nós mulheres não usarmos nenhum dos símbolos da feminilidade para não sofrermos a opressão patriarcal (violência, exploração, discriminação, reprodução controlada, feminicídio, etc), pois se o que define ser mulher é uma vestimenta ou comportamento cultural, nós automaticamente nos tornaríamos e seríamos tratadas como homens. Eu fico anos sem usar nenhuma dessas coisas e continuo sendo mulher nesse tempo. Então o homem diz que se sente mulher e passa usar o que? Rosa. Aí é subversivo? Não, aí é reforçar um estereótipo de gênero. Porque como vocês mesmos reivindicaram, com toda a razão, homens também podem usar rosa e mulheres azul. Então meus amigos e amigas, olha só que oportunidade para aprofundar no feminismo e desmascarar toda esta farsa de gênero que vivemos e que nos tempos atuais se intensificou com as políticas de identidade de gênero. Ser mulher ou homem não é usar uma vestimenta.

Agora, não se enganem, Damares Alves e Bolsonaro querem reforçar os estereótipos de gênero, e ao falarem em ideologia de gênero estão se referindo na verdade que são contra o feminismo, contra que o nosso útero seja livre das punições das leis e a favor que sejamos encubadoras, eles são contra as sexualidades que não a heterossexual.

aline rod.

Chegamos no Dia Internacional da Mulher

Chegamos no Dia Internacional da Mulher
sem que saibam o que é ser uma
sem que saibam de onde vem nossa opressão
outros protagonistas mais uma presunção
chegamos no dia internacional da mulher
e não querem saber como chegamos aqui
nem como sobreviveram nossas antepassadas
terem nos gerado é irrelevância
melhor quando esquecidas na sua insignificância
chegamos no dia internacional da mulher
o que fizeram não pode ser lembrado
e antes que o conhecimento seja repassado
deem um jeito dele junto ao corpo ficar soterrado
chegamos no dia internacional da mulher
nosso engenho é renegado
nosso sangue é derramado
nosso útero é desprezado
mas tem valor para ser alugado
chegamos no dia internacional da mulher
e ser mulher é uma roupa
ou fetiche
uma sensação matinal
que pode mudar no meio da tarde
ao estender uma roupa de baixo no varal
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso corpo é tabu
é “biologia terf”
é biomedicina
é experimento
é xyz com vitamina
chegamos no dia internacional da mulher
e eles são comemorados
e o homem neste dia é situado
para garantir que ele sempre seja o primeiro colocado
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso futuro é incerto
nossa esperança é abalada
mas quem se importa com gente desatualizada
chegamos no dia internacional da mulher
e a mais antiga opressão chamam de profissão
é capital é diversão
o poder tá na mão
o prazer está na exploração
chegamos no dia internacional da mulher
ela tá tentando escapar mas ninguém a nota
a quem interessa afinal
é só mais uma mulher morta
chegamos no dia internacional da mulher
o dia da arca de noé não esqueçam
é dia de salvar todas espécies que apareçam
porque afinal hoje é o dia de quem quiser

 

aline rod

Sua Diversão Minha Opressão

Quando eu era criança na época de carnaval eu lembro que uma das grandes “atrações” que as pessoas comentavam, era ficar vendo homens “vestidos de mulher”. Isso era para ser uma coisa pra lá de engraçada, quanto mais “extremo” na feminilidade mais engraçado era para ser. Me lembro que era enfatizado que eles faziam isso só no carnaval, havia esta necessidade de proteger a masculinidade com unhas e dentes. Porém eles não eram obrigados àquilo, era apenas uma grande diversão. Eu não entendia o porquê da graça e achava aquilo desconexo e dependendo assustador – eles usavam balões de ar no peito e maquiagem ultra carregada como coisas ridicularizantes, além dos hipersexualizantes apetrechos. Depois eu entendi que era para ser engraçado porque é fruto da misoginia, a própria homofobia implicada nisso é fruto da misoginia, pois significa a inferiorização do homem ao se “vestir como mulher”, sendo esta a graça. Nos dias de carnaval os homens para fazerem folia se fantasiam com os símbolos da nossa opressão.

Por que são símbolos da nossa opressão?

Ninguém nasce com um top rosa na cabeça e nem tem isso em mente como objetivo para quando estiver engatinhando, nenhuma bebê nasce pedindo ‘coloquem-me um brinco na orelha por favor’. Estes são costumes criados pela noção de gênero da qual faz parte o processo de feminilização imposto a nós mulheres, que começa assim que nascemos e perdura ao longo de nossas vidas. Sim, a feminilização é um processo artificial que não se caracteriza apenas por vestimentas, faz parte de uma perversa e intrincada estrutura que explora as mulheres, seu trabalho e seu corpo.

O gênero, essa “coisa mara” da qual as pessoas confundem com o sexo biológico, é um sistema que existe não para diferenciar inofensivamente homens de mulheres como parte de uma cultura supostamente igualitária. O gênero serve ao patriarcado como uma forma de manter as mulheres na classe subordinada enquanto protege os homens de serem tratados da mesma forma.

Agora, para os homens se “fantasiarem de mulher” é apenas uma diversão, não são obrigados a passar pelo processo de feminilização. É certo que os homens são criados no processo de masculinização, porém a masculinização é pertencente a classe de pessoas com privilégios garantidos. Se sentir desconfortável com o processo de masculinização não exclui os homens da classe dominante, verdade é que não tira as garantias que têm de melhor tratamento, melhores salários, e maior proteção a sua integridade física e psicológica em relação as realidades vividas por mulheres por serem mulheres.

O Carnaval tá aí, e com ele sempre vem esta prática dos homens usarem como fantasia roupas “de mulher”, algo que só faz sentido numa sociedade sexista e generista, que permite que se considere engraçado brincar exatamente com aquilo que objetifica e explora ao mesmo tempo que restringe e limita todo um grupo de pessoas. Poderia se pensar então, que esta prática seria uma forma de se subverter a estas convenções, porém nunca vai ser subversivo colocar uma vestimenta atribuída a uma classe subjugada enquanto se é livre das consequências de se pertencer a ela. Isso sempre vai ser uma prática colonizadora, principalmente quando o objetivo é de fazer graça, piada ou ser pitoresco.

Eu sei que textos assim causam desconforto, as pessoas pensam “por que levar tão a sério” ou “é só uma brincadeira”. É muito provável que você não vai ver nenhuma mulher entrando em briga na rua exigindo que os homens tirem suas fantasias (se o que lhes preocupa é o fato de poderem pular tranquilos o seu carnaval). Sempre me impressiona a fragilidade e a injustiça atrelada a esse tipo de preocupação. Nós mulheres lidamos todos os dias com a nossa opressão que se fantasia de diversas formas e também não se fantasia, nós respiramos nossa opressão, sentimos ela em todos os aspectos, e isso nos causa muito mais que um mero desconforto. Aprendam a lidar com a realidade como ela é, aprendam a lidar quando as mulheres reagem, quando denunciam, quando ameaçam a estrutura percebida como natural, porque ela não é natural. E quando ruir esta estrutura o que era desconforto vai se tornar o óbvio, e as pessoas vão lembrar ‘daquelas mulheres’ como heroínas e vão pagar para ver o filme sobre elas no cinema e sonhar em terem sido uma delas.

 

aline rod.

Nova fornada de zines!

Recentemente fiz três zines, um sobre textos/pensamentos aleatórios onde alguns já foram publicados na internet e outros não; outro com dois textos sobre gênero já publicados aqui (post 1; post 2) e o terceiro uma tradução que fiz do texto da Claire (Sister Outrider) que também já foi publicado aqui.

fico muito feliz sempre que “materializo” os textos e posso folhá-los. 🙂

a foto é da finalização da confecção

A Linguagem Misógina do Discurso Liberal e o Apagamento da Realidade das Mulheres

“Bio chicas” é um dos termos mais ofensivos e desrespeitosos que já ouvi ser usado para se referir a meninas. Ouvi este num debate sobre “desconstrução de gênero”. Engraçado, que esta abordagem de desconstrução nada mais é que apagar a opressão e exploração que nós mulheres sofremos desde que nascemos. Engraçado que esta tal desconstrução tem o objetivo de negar que a opressão e a exploração das mulheres são baseadas no sexo. O gênero é uma construção social, determinada pelo sexo, ou alguém acredita que é tirado unidunitê a cada pessoa que nasce e que se escolhe por acidente qual gênero esta pessoa vai ter? O gênero é determinado pelo sexo e vai determinar o tipo de tratamento que uma pessoa vai receber. As mulheres vão fazer parte da classe subordinada e os homens farão parte da classe dominante, e isso significa que as mulheres terão seus corpos controlados pelo estado e suas leis – por exemplo a criminalização do aborto – sendo as mulheres punidas por tal crime, correndo risco de vida em aborto clandestino, ou ainda obrigadas a manter a gravidez contra a sua vontade independente das condições que se encontram.
Este tratamento determinado pelo sexo também significa que as mulheres serão vistas como propriedade dos homens de tal forma que a violência perpetrada pelos homens contra as mulheres se dará tanto por homens próximos como por estranhos, fazendo parte da guerra não declarada contra as mulheres, o que por sua vez significa todos tipos de violência incluindo tirar suas vidas – o feminicídio.
Esse tratamento igualmente significa que as oportunidades na vida serão distintas desde a infância, sendo a autoestima e a autoconfiança de uma menina completamente atacadas desde muito cedo enquanto as dos meninos comumente estimuladas e insufladas. Isso significa que os corpos dessas meninas serão objetificados e hipersexualizados desde pequenas. Isso significa que meninas e mulheres fazem parte da classe que sofre de forma incontestavelmente maior com abuso e violência sexual.
Isso significa ainda, que estas oportunidades continuarão sendo distintas e que as mulheres irão receber salários menores pelos mesmos serviços prestados, ou serão “naturalmente direcionadas” a profissões menos valorizadas. Isso significa que a prostituição será uma “oferta” incomparavelmente mais presente para mulheres e meninas. Isso significa que as mulheres serão as protagonistas da tortura sofrida na pornografia que vende o estupro e a violência contra a mulher como entretenimento e diversão. E isso por sua vez significa manter a cultura do estupro.

Simplesmente não querem se referir as meninas como meninas porque isso estaria excluindo “meninas não bio”, considerando o sentimento destas mais importante e relevante do que as consequências materiais da opressão baseada no sexo que se seguirá por toda a vida de uma menina. Infelizmente a esquerda foi cooptada pelo liberalismo e não percebeu, e estamos vendo uma onda de políticas identitárias substituindo o feminismo e o tratando como ultrapassado. Não só negando o feminismo, mas distorcendo e moldando a luta das mulheres para que atenda as necessidades de outros grupos – porque as mulheres nunca serão prioridade. Sabemos muito bem que pertencemos a segunda classe no patriarcado, somos tratadas desde que nascemos assim, sabemos que a misoginia é tão verdadeira e poderosa que o backlash* sempre vai acontecer de uma forma nova e revestida.

Agora temos que lidar com o discurso do “subversivo” que nada mais é do que estar disfarçado nesta categoria, porém mantém a mesma ordem de que nós mulheres sejamos exploradas e que temos que acatar isso caladas. O discurso do subversivo ataca erroneamente as feministas chamando-as de conservadoras para ganhar a discussão. Argumento desonesto e sem absolutamente um mínimo de entendimento do que significa a luta feminista e o que significa a importância de garantir que não sejamos silenciadas.

O discurso liberal tá se encarregando de criar, “em nome da diversidade”, vários termos que apagam as realidades de nós mulheres, nos sufocando com o intuito de extinguirem nossa resistência. Porém isso nunca vai acontecer. Enquanto houverem mulheres nesse mundo haverá luta. Enquanto formos exploradas e oprimidas sempre haverão mulheres priorizando sua sobrevivência.

aline rod.

*backlash no contexto feminista é o contra-ataque ou reação negativa ao feminismo.

A Point About Genderqueer Politics

When I first started playing and writing lyrics it was because I had all this idea of getting out from my chest the oppression of patriarchy. Of course I loved music, it was not only gloom. But I thought that all the pain could be transformed into something ‘useful’. Events that I had been passed through affected my life in a way that to scream and say were a way of surviving.

I wanted to fight sexism and misogyny and I thought that in the punk scene I would find a place of support and identification.

Some feminists who are not punks say that I should leave it. But I don’t want to leave it. At least not yet. I just don’t want to stop doing something that means to me, that it’s part of my life (playing and writing) just because people involved also reproduce sexism. In every place, every job, every school, every community, every kind of entertainment, you will always find sexism and misogyny. We can’t just stop living, and leaving spaces in order to make room for others, to make them feel comfortable without our presence, without our fight.

I have been passed through many situations in and out of the punk scene that makes me keep struggling. But I don’t want to talk about that now.

I just want to point that to fight sexism and misogyny in the punk scene is restless, just like it is in our daily basis. I have always been in the brink of war. In the war. For all the reasons – discrimination, jokes, abuse, fear, threat. For some time now something “new” happened. Not to ease our fight, not to be by our side. But to add more effort to our fight. It is the genderqueer views of feminism.

One of these days, a gender fluid man told me that he doesn’t believe in “biological stuff”. I asked what do you mean by that? He said, I for myself like to wear women’s clothes. That could be fine for me (could be) because first I “don’t believe” in “women’s clothes”, isn’t that a convention? I asked why was that, and what it has to do with “biological stuff”? He answered that sentence I was sensing it was coming up: “because I feel like a woman” but he added “sometimes”. Than I just made a simple question: yeah, and how does it feel to “feel like” a woman, please tell me because I actually wasn’t born with that feeling, you know, I was forced to be a woman”. It’s pretty senseless and a very shallow view to say that “you don’t believe in “biological stuff” and say that there is such a thing as “feeling like a woman”. This is as inconsistent as it can get. Like you are saying that there is a feminine brain? Isn’t that biological? Make your decision please to believe or not in “biological stuff”. Are you saying you don’t like gender roles but believe you are in the “feminine side” because you like lipsticks and skirts? Do you actually believe that being a woman means a certain costume to wear? Or even to be feminine? Don’t you really know that we are groomed to be feminine, there is nothing natural on that. And “natural” isn’t biological?

What I see is men thinking they are subverting a convention when in fact they are stressing the gender stereotypes when they say “I like skirts that must make me a woman”. Or all the other stuff we have been listening like “I always liked dolls”, “I was always very sensitive” and so on.

I know that convention exists and the need of people to be part of conventions. I know people have dysphoria. But that is another thing. Even so, we should question why people feel so bad in their bodies, and try to find the roots of their deep discomfort. And it’s not them who should be questioned, but society.

But I also can tell that in the punk scene, and also in the anarchist scene, when you ask directly to these men, are you a woman? They never answer yes. The majority of them say, I’m nonbinary. It’s like they themselves don’t even believe in what they are saying. It’s also a very good strategy to have a possibility to change your mind when it’s convenient. When the time of convenience comes.

And than he and another friend started asking me a lot of questions in a very male socialized way of asking. Very aggressive, very putting me against the wall. I felt more than pressured. I felt what men eventually make us feel: I felt hurt.

They were two men, none of them were reclaiming they were women just for the record. So they were telling me now how I should think and feel. How my feminism “is wrong” and how it “should be”, that I should “respect” people’s choices when they want to be treated like a woman (one of them told me that). First. “people” here means “men” right? Second. You really want to be treated like a woman? Do you want to see your brother have more respect even if you are the elder one since forever? So the hierarchy of age here it was suddenly forgotten. Do you want to be seen as object for your classmates and feel very uncomfortable when they touch you? When your best friend’s father touches you and you are not able to understand what have happened but you sense you have to be in silence, because although you know nothing about it you know for some reason it will be considered your fault? Do you want to go to the gynecologist when you are a teenager and the male doctor abuses you, because “why are you in his office in the first place?” Do you want to keep being abused for male doctors along your life? Do you want to be abused for many men because it’s ok to have sex, and it’s subversive, and they just keep hurting your feelings? Do you want to see your self esteem drowning because you were supposed to be thin, or to have the right curves? Do you want to be forced to get pregnant? I’ll ask again: Do you want to be forced to get pregnant? And forced to get pregnant again? Do you want to have no idea if you want to get pregnant or if it is just pressure of someone else’s expectations or because it’s just another form he can control you even more? Do you want to raise your children alone? Do you want to have no rights and support when deciding to make an abortion? Do you want to walk always in fear???? Do you really want to walk always in fear???

Do you want to be the one chosen to be raped because you are a woman in a group? Do you really want to be the favorite target of rape? And tortured? And killed? Do you want to get less money for the same job you do now? Do you want to have prostitution and pornography as the only “opportunity” for you? Would you rather being not here having this conversation because you couldn’t even be treated further like a woman as they killed you when your were born? Do you want to have been a victim of FMG? What does it mean for you to be treated like a woman? That somebody opens the f***ing door to relieve their consciousness? Or when someone acts nicely because he wants a “favor” in exchange?

And than they told me. You should explain yourself because you seem to be transphobic.

Should I really?

Shouldn’t you try listening to me? Shouldn’t you step back? Shouldn’t you stop telling us how we have to fight against the oppression that is inflicted to us and affects our entire lives in every level? Shouldn’t you better check your position? Shouldn’t you be telling other men what they should or shouldn’t do in order to stop women exploitation as you say you care?

I think you should.

 

Aline Rod.

also published on my tumblr : http://enilador.tumblr.com/post/143438801392/a-point-about-genderqueer-politics