8 de março – Nem Sujeição Nem Apatia!

Letra do som Nem Sujeição Nem Apatia da banda No Rest que sou vocalista.
Faixa da coletânea Inflamar lançada no final de 2019. Ouça a faixa aqui.

A Característica Própria da Luta das Mulheres

Nos últimos anos o Dia Internacional de Luta das Mulheres em Porto Alegre, tem sido marcado por abranger pautas mais genéricas que afetam toda a população. Porém o feminismo precisa junto as pautas que escolher reivindicar, focar nas especificidades que as mulheres enfrentam.

O contexto político sempre vai afetar direta e duramente a vida das mulheres, através de leis, das estruturas sociais, relações de trabalho, políticas e infraestruturas deficientes para atenderem os problemas específicos de mulheres e pelo discurso presente. Como a estrutura é patriarcal, fundamentada na perspectiva de dominação masculina – e isso ocorre em todo canto do mundo- o que nós mulheres enfrentamos como consequência dessa ordem, são as violências específicas contra mulheres, os direitos negados e usurpados, negligência à nossa saúde, nossas vidas sob controle no mais íntimo de nossos seres. As formas diversas de como nós mulheres somos atacadas pelas violências masculinas tem um significado de violência bem específico – estupros, espancamentos, abusos, controle, ameaças, perseguição, feminicídio. Dizer não, pode ter como resposta uma agressão ou assassinato. O que significa igualdade quando tal direito básico humano é negado? O que significa autonomia quando nem mesmo uma escolha sobre si mesma é respeitada? Para nós mulheres o conceito de direitos humanos e autonomia têm completamente outra concepção da dos homens. Nossa percepção destes conceitos é diferente da percepção dos homens, não sabemos o que significam direitos humanos e autonomia do ponto de vista masculino. Para nós direitos humanos são aquilo que os homens já têm. Para nós, direitos humanos são os direitos concedidos aos homens – por homens. Não são todos os homens que têm os mesmos direitos, mas todos têm direitos diferentes de mulheres por serem homens. Por isso Igualdade de Gênero significa para o feminismo termos direitos que são apenas garantidos aos homens. Verdade é que o feminismo luta por abolir o conceito de gênero, porque nele estão incutidos os papéis desiguais entre a classe masculina e a feminina. Isso difere porém, das políticas identitárias, que promovem a criação de vários gêneros sem no entanto solucionar o problema dos estereótipos de gênero, que pelo contrário, são reforçados quando se assumem símbolos de feminilidade e masculinidade para suas autodefinições. A ressignificação do termo gênero acaba dando continuidade a negação dos direitos das mulheres quando rejeita, despreza ou minimiza a realidade biológica. Muitas vezes nossa luta é apropriada por setores que se consideram progressistas ou revolucionários. O que o feminismo diz é que gênero é a noção de que as mulheres são subalternas aos homens, é a divisão dos dois sexos em dois gêneros para garantir a supremacia masculina. Dividir em diversos gêneros os dois sexos não elimina a divisão sexual na sociedade que abrange todas esferas sociais.

A luta feminista não pode perder sua especificidade, se diluir até o ponto que perca seu sentido de existir- a não ser que não se precise mais dela.

Quando as pautas do Dia Internacional de Luta das Mulheres são genéricas sem enfatizar na diferenciação do que é ser mulher de ser homem na sociedade, a gente acaba contribuindo com o princípio de que a nossa luta é de segunda ordem. Não podemos reproduzir o desprezo das nossas realidades, pois é desprezar nossa existência.

É importante que se a gente fala em saúde a gente fale em saúde da mulher, não porque a gente não queira saúde pra todo mundo, mas porque a saúde não é absolutamente nem um pouco igual para homens e mulheres. O aborto é uma questão de saúde pública, e somos nós as mulheres que somos punidas ou mortas em decorrência da criminalização do aborto. No momento atual, o lobby antiaborto procura criar constituições estaduais com o objetivo de acabar com o aborto legal – os três casos em que o aborto é permitido no país: em caso de risco de vida para a mulher, quando a gestação é resultante de um estupro ou se o feto for anencéfalo. Este é o próprio contexto político atual, se é para falarmos no contexto que estamos, é mais que pertinente que no Dia Internacional de Luta das Mulheres se destaque isso. O esforço em retirar o direito das mulheres ao aborto já legalizado é uma das maiores ameaças que metade da população está sujeita, – na verdade um pouco mais que metade, segundo dados do IBGE de 2018, 51,7% é a população de mulheres no país, enquanto a de homens é de 48,3%. Já no congresso as mulheres representam apenas 15%, onde a elaboração e aprovação de leis, incluindo as do aborto, são feitas majoritariamente por pessoas que nunca ficarão grávidas nas suas vidas – os homens. Ainda falando em saúde, as pesquisas médicas por serem focadas em homens resultam com que as mulheres tenham menos remédios e tratamentos desenvolvidos, o que por sua vez é um risco à saúde e à vida de mulheres. Há uma negligência aos problemas biológicos específicos das mulheres, assim como aos efeitos adversos e dosagens inadequadas, com consequências terríveis para mulheres. Obviamente que a reivindicação por saúde no Brasil, se refere principalmente às populações mais pobres, do acesso à saúde, porém uma coisa não exclui a outra, ou melhor, no caso das mulheres exclui, pois as mulheres mais pobres, a maioria negra, sofre com a intersecção destes fatores (incluído o de ser mulher).

Quando nós feministas falamos em empregos, temos que apontar que as mulheres ainda ganham menos que os homens, segundo levantamento do IBGE em média 20,5% menos. A pesquisa mostra também que as mulheres dedicam mais tempo aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos, são 18,1 horas por semana, enquanto os homens dedicam 10,5 horas semanais. A dupla jornada de trabalho, além de indicar que as mulheres gastam mais tempo com o trabalho não remunerado, faz com que as mulheres aceitem trabalhos mais precários. É verdade também que por dedicarmos mais tempo ou tempo integral no cuidado das pessoas, que as condições de educação dos nossos filhos e de emprego dos homens da nossa família, assim como a saúde de todos estes, são importantes para nós. Mas no dia de luta das mulheres é imprescindível que se destaque como se dão as questões de emprego, saúde e de educação das mulheres.

É importante que o 8 de março sempre reforce o que significa ser mulher nos diversos âmbitos sociais. As pautas que o movimento feminista escolhe têm sempre que enfatizar bem definidamente o ponto de vista das mulheres na sociedade. De outra forma se parecem mais como pautas da esquerda masculina, a impressão que se tem é que quando se opta por uma forma mais genérica de abordagem é justamente para não causar nenhum desconforto aos homens. É compreensível já que o movimento feminista é constantemente atacado por várias frentes, tanto a direita como a esquerda confluem quando diminuem a relevância da nossa luta. É compreensível que diante a tantos ataques e retrocessos, as mulheres queiram o apoio dos homens que elas julgam estarem do seu lado, porém este apoio nunca deve ser buscado como algo primordial, os homens podem ser aliados sem que sejam protagonistas ou agraciados.

aline rod.

Dia Internacional da Mulher – Relato sobre as demos de Potsdam e Berlim

No momento me encontro em Berlim. Aqui tenho articulado com grupos feministas e pude participar de duas demos que aconteceram final de semana passado pelo Dia Internacional da Mulher. Sábado aconteceu a demonstração e protesto organizada por Women in Exile & Friends na cidade de Potsdam que juntou mais de 200 mulheres. Caminhamos pela cidade com nossas faixas e cartazes, gritando frases contra o patriarcado e as fronteiras.

Domingo, no dia 8 de março marchamos também em protesto pelas ruas de Berlim. As mulheres da comunidade Curda estiveram em peso na marcha da qual organizaram juntamente com outros grupos feministas como o grupo International Women Space, e outros grupos de esquerda. Ao mesmo tempo acontecia outra marcha em Berlim organizada por outros grupos feministas. Ambas marchas finalizaram no Brandeburgertor (Portão de Brandenburgo) num total de 8 mil pessoas. Havia um palco montado onde algumas mulheres fizeram suas falas e também bandas compostas por mulheres  tocaram.

Aqui, não diferente do Brasil, também existem homens querendo protagonizar as marchas feministas. No início da marcha em Berlim, as Curdas falaram no microfone para que os homens presentes ficassem na parte de trás da marcha. Vários homens ignoraram este pedido, seja por não terem ouvido ou não terem “entendido” ou por não acharem relevante e propositalmente desafiarem isso. Mais de uma vez varias de nós íamos dizendo para eles irem para trás. Mas o espaço era público e com uma concentração muito grande de pessoas com várias delas se somando no meio do caminho o que tornou mais difícil. Felizmente nós mulheres eramos em número muito maior e nossas vozes e presença se sobressaíram.

As duas demos ( Potsdam e Berlim) foram organizadas por grupos feministas que têm ênfase nos direitos das mulheres imigrantes e refugiadas. Estes grupos lutam contra o racismo, a discriminação, a deportação e denunciam o tratamento dado pelo governo alemão. Uma das exigências destes grupos é abolir os “lagers” (campos de isolamento) como são chamados por ativistas os prédios  aonde as refugiadas e refugiados são obrigados a ficar. O nome utilizado pelo estado alemão é Asylheim (casas de asilo). Porém as pessoas que estão pedindo asilo são colocadas em espaços muito pequenos, tem seus direitos básicos negados, estão sempre sobre risco de serem deportadas, e são marginalizadas ao serem obrigadas a ficarem em áreas restritas e distantes dos centros lhes deixando mais vulneráveis a ataques racistas.

Estes grupos feministas de refugiadas e imigrantes fazem um trabalho para garantirem espaços seguros para as mulheres e trabalham com questões específicas que as mulheres enfrentam.

Não posso deixar de frisar a frente que as mulheres Curdas fizeram na demonstração com seus dizeres, com suas mãos erguidas, com sua música que todas cantavam bem alto. Desta maneira contribuíram para que a demonstração fosse bastante forte e emocionante de forma bastante impressionante.

Eu me sinto muito feliz por ter podido participar das marchas e por estar tendo a oportunidade de articular com as mulheres que encontro aqui de diferentes partes do mundo. Os grupos feministas, as mulheres e as nossas exigências formam uma rede de solidariedade e ações por uma luta em comum: a luta contra a opressão do patriarcado que nos ataca diretamente. A forma como somos atingidas pela opressão quando decorrente de virmos de locais diferentes (muitas formas são exatamente iguais) não nos afasta se respeitarmos nossas diferentes circunstâncias, e nos une ao nos reconhecermos  como classe explorada por vivermos em sociedades misóginas.

13.03.2015

Marcha em Berlim

Marcha em Potsdam

 

 

 

informação adicional sobre o dia: a demo feminista na cidade de Nuremberg foi atacada por neonazis que jogaram objetos e spray de pimenta nas pessoas que estavam na marcha. Algumas pessoas tiveram ferimentos leves.