O que rolou em 2019 aqui na Ação Anti Sexista

Se você quer ficar por dentro do que aconteceu aqui no blog em 2019 abaixo links para as postagens que escolhi pra você navegar com mais facilidade.

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Notícia:

Que em 2020 a nossa luta avance!

4 bandas com vocalistas mulheres lançam o split Inflamar

No mês passado saiu o split Inflamar, que reúne 4 bandas de vertentes do crust nacional com vocalistas mulheres.

Atualmente existem muitas bandas com mulheres tocando no chamado underground brasileiro e mundial. Porém o meio ainda é bastante masculino, e isso não se restringe ao fato de ter mais bandas com homens do que com mulheres, mas das consequências que um espaço majoritariamente composto por homens implica.

Porém, além de ser resultante das oportunidades diferentes entre mulheres e homens em todos os âmbitos, a participação das mulheres neste meio é ainda por cima abafada, e ficamos com a sensação de estarmos em menor número do que na realidade. Parecem ser coisas que se contrapõem, mas o patriarcado é cheio de armadilhas. A nossa realidade é de que é absolutamente fundamental apontarmos que tal cenário é composto por uma enorme maioria de homens, e que isso precisa ser mudado, ao mesmo tempo que é determinante lembrarmos da presença e dos feitos das mulheres neste mesmo cenário. O reconhecimento do que nós mulheres fazemos é pequeno, quando existe. Não falo do reconhecimento como a necessidade de inflar o ego, mas como um reconhecimento de um trabalho, de um esforço, de uma criação. Além de que o reconhecimento serve também para encorajar outras meninas e mulheres.

A ideia de fazer um split com vocalistas mulheres surge justamente disso.

É certo que o punk e suas ramificações aglutinam muitas pessoas que questionam os padrões impostos socialmente, pois é da sua “natureza”, da sua origem, e por isso mesmo nós mulheres também queremos dar nosso recado, contribuir, participar, contestar. Aprendi muita coisa, conheci e sigo conhecendo pessoas inspiradoras, interessantes e amigáveis desde que eu comecei a tocar. Mas obviamente que as dinâmicas presentes no patriarcado se reproduzem na cena musical underground e punk, porque é composta afinal de pessoas, que vivem numa sociedade onde a ordem é patriarcal. Esta ordem pela sua própria estrutura causa uma exclusão das mulheres, principalmente nos setores de participação mais ativa e não somente de público. O termo ‘somente’ não tá sendo usado como minimizador. Outra armadilha do patriarcado, é procurar fazer com que nossas reivindicações e conclusões se virem contra nós, ou sejam um motivo de competição entre nós mulheres. Então se você diz que é importante criar condições para que as mulheres sejam ativas, há quem te pergunte “o que você tem contra as mulheres passivas?”. Como feminista posso dizer que estou bastante calejada em ter minhas palavras distorcidas e também posso dizer que as pessoas são previsíveis no seu antifeminismo. O que de fato acontece e o que estou dizendo, são que todas as estruturas do patriarcado são de variadas maneiras impeditivas para que meninas e mulheres toquem, produzam, trabalhem de forma geral no meio, mas até mesmo que sejam o público, com as particularidades que isso envolve.

O patriarcado é um sistema de opressão rígido contra as mulheres, específico. E o enfrentamos já quando muito pequenas. Mas ninguém te apresenta o patriarcado, olá fulana a partir de agora você vai ter que viver com este cara aqui, o patriarcado. Ah, prazer, obrigada. Porém ele se impõe a você em diversas formas. Para muitas de nós de forma implacável. Eu lembro de ter questionamentos muito cedo. Poderia ser considerado algo como instinto, você não sabe bem o que tá acontecendo, mas sabe que estes caminhos que lhe estão sendo oferecidos, têm algo de errado com eles, e não parece favorável segui-los.

Questione. Não se cale ou sucumba ao curso que lhe apresentam.
Torça, e lute se possível, para que todas um dia sejamos livres.

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Pra motivar a vibe de luta segue a letra de uma das faixas gravadas pela No Rest:

Nem Sujeição Nem Apatia

Todos diziam a ela pra se conter
que seus sonhos eram muito altos pra uma menina
mas não eram sonhos que ela tinha, o que ela queria era uma realidade menos atroz
aquilo que é fácil pra um pode ser muito difícil pra uma
tentaram de várias formas tirar sua dignidade
nascia uma dor mas também uma busca por liberdade
sua independência jamais será negociada
palavras inúteis e motivos fúteis não têm vez para quem já sabe o que não quer
pra quem pegou a dor e a fez sua companhia
os pesares e os olhares de quem não quer compreender são o motor pra sua coragem e rebeldia
que de sujeição é que não pensou em viver
nem de apatia

link pro som https://soundcloud.com/no-rest/nem-sujeicao-nem-apatia

Segunda faixa da No Rest no split
https://soundcloud.com/no-rest/no-rest-abracando-o-fascismo

capa do cd – ilustração por Marcelo Dod diagramação do encarte por Nata

O split Inflamar conta com as bandas Manger Cadavre?, No Rest, Vasen Käsi e Warkrust. Cada banda gravou duas faixas. Você pode encontrar os sons online e em CD.

As 4 vocalistas: acima à esquerda Aline rodrigues da No Rest; acima à direita Nata Nachthexen da Manger Cadavre?; abaixo à esquerda Anne da Warkrust e à sua direita Mars Martins da Vasen Käsi

Blog da No Rest com mais informações, letras, áudios de som, fotos,etc. https://norest.noblogs.org/

Falecimento de Magdalen Berns – Lésbica Feminista Radical

 

Magdalen Berns faleceu. Que triste notícia.

Magdalen foi uma lésbica feminista crítica à noção de gênero. Sua postura feminista radical, sempre em defesa dos direitos e interesses das mulheres lésbicas e de toda a classe de mulheres, a tornou tanto alvo de ataques constantes, como uma influência feminista. Ela foi inspiração para muitas lésbicas, admirada e respeitada por muitas pessoas em várias partes do mundo.

Corajosa, brilhante, charmosa, espirituosa.

Farás falta.

Magdalen Berns (6.05.1983 – 13.09. 2019)

Women’s Shero

 

[repostando] A Questão do Desaparecimento – Uma Reflexão Sobre o Apagamento da Lesbianidade – Claire Heuchan

 

Repostando / data de 2017

Pelo dia e mês da visibilidade lésbica decidi fazer a tradução deste texto que trata de uma realidade atual das mulheres lésbicas. Que as mulheres lésbicas sejam ouvidas ao mesmo tempo que não silenciadas.
– 29 de agosto dia da visibilidade lésbica –

A Questão do Desaparecimento – Uma Reflexão Sobre o Apagamento da Lesbianidade
-por Claire (Sister Outrider)

Estes são tempos estranhos para ser uma jovem mulher lésbica. Ou melhor, jovial. No tempo que me levou para evoluir de uma inexperiente sapatão caçula em uma completa e formada lésbica, a tensão entre as políticas de identidade do queer e a libertação das mulheres se tornou realmente insuportável. O facebook adicionou reações da bandeira do orgulho gay no mesmo mês que eles começaram a banir mulheres lésbicas por nos descrevermos como butch (algo como sapatão ou caminhão em português). Enquanto a legislação de casamento e o direito de adoção para casais do mesmo sexo se tornam cada vez mais parte da sociedade dominante, o direito de mulheres lésbicas de se auto definirem e declararem seus limites sexuais é comprometido dentro da comunidade LGBT+. Tais contradições são características desta era, mas isso não torna elas mais fáceis de suportar dia após dia.

Amor é amor, a não ser que aconteça de você ser uma mulher lésbica – neste caso sua sexualidade será incansavelmente desconstruída sob suspeita de você estar sendo excludente. Como já escrevi anteriormente, cada sexualidade é por definição excludente. Sexualidade é um conjunto de parâmetros que governa as características que potencialmente nos atraem nas outras pessoas. Para lésbicas, é a presença das características sexuais primárias e secundárias das mulheres que geram (mas não garantem) a possibilidade de atração. O sexo, e não o gênero (nem mesmo a identidade de gênero), é o fator chave. Mas no ponto de vista queer, assim como no da sociedade patriarcal dominante), lésbica é uma designação contestável.

Mulheres lésbicas são encorajadas a se descreverem como queer, um termo tão abrangente e vago que parece ser desprovido de significado específico, pelos motivos de que ninguém que possuí um pênis é tido como inteiramente fora dos nossos limites sexuais. Jocelyn MacDonald coloca muito bem:

“Lésbicas são mulheres, e mulheres são ensinadas que devemos estar disponíveis sexualmente como objetos de consumo público. Então nós despendemos muito tempo dizendo “Não”. Não, nós não vamos transar ou nos relacionar com homens; não, nós não vamos mudar de ideia quanto a isso; não, este corpo não é território masculino. Lésbicas, hetero ou bissexuais, nós mulheres somos punidas sempre que tentamos demarcar limites. O queer sendo um termo genérico torna realmente difícil para lésbicas assegurarem e manterem estes limites, porque se torna impossível nomear estes limites.”

Em tempos em que o reconhecimento do sexo biológico é tratado como um ato de intolerância, a homossexualidade é automaticamente problematizada – as consequências não previstas das políticas identitárias de gênero são enormes e de largo alcance. Ou ainda, seria mais correto dizer, que a sexualidade lésbica virou um problema: a ideia de que nós mulheres direcionemos nossos desejos e energias de uma para outra continua suspeita. De alguma forma, o padrão de homens centrarem homens nas vidas deles nunca recebe o mesmo backlash (reação negativa, resposta em forma de ataque). As lésbicas são uma ameaça ao status quo, seja no heteropatriarcado ou na cultura queer. Quando nós lésbicas rejeitamos a ideia de nos relacionarmos com alguém com pênis, nós somos taxadas de “fetichistas de vaginas” e ginefílicas – Levando em conta que a sexualidade de lésbicas é rotineiramente patologizada no discurso queer, assim como a sexualidade lésbica é patologizada pelo conservadorismo social, não é surpresa para mim que tantas mulheres jovens sucumbam a pressão social e abandonem o termo lésbica em favor do termo queer. O auto apagamento é o preço da aceitação.

“Não é nenhum segredo que o medo e o ódio a homossexuais permeiam nossa sociedade. Mas o desprezo por lésbicas é distinto. É diretamente arraigado no repúdio à autodefinição da mulher, à autodeterminação da mulher, às mulheres que não são controladas pela necessidade, pelo comando ou pela manipulação masculina. O desprezo por lésbicas é mais comumente um repúdio político às mulheres que se organizam em seu próprio benefício em busca de estarem presentes no espaço público, de que sua força seja validada, que sua integridade seja visibilizada.

Os inimigos das mulheres, aqueles que estão determinados a nos negar a liberdade e a dignidade, usam a palavra lésbica para provocar o ódio às mulheres que não se conformam. Este ódio ecoa em toda parte. Este ódio é sustentado e expressado por praticamente todas as instituições. Quando o poder masculino é desafiado, este ódio se intensifica e se inflama de forma a ser volátil, palpável. A ameaça é de que esse ódio pode explodir em violência. A ameaça é onipresente porque a violência contra a mulher é culturalmente aplaudida. E assim a palavra lésbica, gritada ou sussurrada em tom de acusação, é usada para direcionar a hostilidade dos homens contra as mulheres que ousam se rebelar, e é também usada para assustar e intimidar as mulheres que ainda não se rebelaram.” – Andrea Dworkin

A política de identidade queer tende a pensar que mulheres nascidas mulheres se interessarem exclusivamente por outras mulheres é um sinal de intolerância. Não vamos desperdiçar parágrafos com equívocos. Este mundo já tem silenciamentos acerca de gênero mais do que o suficiente, e é invariavelmente as mulheres que pagam o maior preço por estes silenciamentos – neste caso, mulheres que amam outras mulheres. Então eu digo o seguinte: lésbicas negarem categoricamente a possibilidade de se relacionarem com alguém com pênis é tido como transfóbico pela política queer porque não inclui mulheres trans na esfera dos desejos de lésbicas. A lesbofobia inerente na redução da sexualidade lésbica à fonte de validação, obviamente recebe passe livre.

Ainda assim, a sexualidade lésbica não necessariamente exclui pessoas que se identificam como trans. A sexualidade lésbica pode se estender a pessoas que nasceram mulheres que se identificam como não binárias ou queergênero. A sexualidade lésbica pode se estender a pessoas que nasceram mulheres que se identificam como homens trans. Comparando a alta proporção de que homens trans auto identificados viviam como lésbicas butchantes de transicionarem, não é incomum que homens trans façam parte de relacionamentos lésbicos.

Aonde está o limite entre uma lésbica butch e um homem trans? Durante suas reflexões sobre a vida das lésbicas, Roey Thorpe considera que “…invariavelmente alguém pergunta: Aonde todas as butches foram parar? A resposta curta é masculinidade trans (e a resposta longa requer um artigo próprio). Em qual parte dentro do espectro de identidade termina o butch e o trans começa?

O limite é amorfo, embora de forma imaginativa Maggie Nelson tenta traçar em The Argonauts. O parceiro dela, o artista Harry Dodge, é descrito por Nelson como um “butch charmoso em T.” segundo Nelson “qualquer semelhança que eu observe nos meus relacionamentos com mulheres não é a semelhança como Mulher, e certamente não é a semelhança das partes envolvidas. Ao invés disso é a esmagadora compreensão compartilhada do que significa viver no patriarcado.” Dodge é gênero fluido e de aparência masculina. A testosterona e a cirurgia de remoção dos seios não removem a compreensão do seu local neste mundo como mulher. Estas verdades coexistem.

A ideia de que lésbicas são transfóbicas porque os limites da nossa sexualidade não se estendem em acomodar o pênis é uma falácia falocêntrica. E a pressão nas lésbicas para redefinirem esses limites é francamente assustadora – se baseia numa atitude do direito de propriedade sobre os corpos das mulheres, uma atitude que é parte do patriarcado e agora tem sido reproduzida na esfera queer. As mulheres lésbicas não existem para que sejam objetos sexuais ou fontes de validação, mas como seres humanos autodefinidos com desejos e limites próprios.

Conversar sobre a política queer com amigos homens gays da mesma idade que eu é algo revelador. Eu sou lembrada de duas coisas: para os homens, ‘não’ é uma palavra aceita como assunto encerrado. Com mulheres, o não é tratado como uma abertura à negociação. A maioria dos homens gays fica horrorizada ou então surpresa com a noção de que os parâmetros de suas sexualidades possam ou devam mudar de acordo com as imposições da política queer. Alguns (os mais sortudos – a ignorância é uma benção) não estão familiarizados com a fantasiosa teoria queer. Outros (os recentemente inciados) estão, como era de se esperar, resistentes a problematização da homossexualidade do ponto de vista queer. Teve um que chegou a sugerir que gays, lésbicas e bissexuais rompessem com a sopa de letrinhas do alfabeto da política queer e se auto organizassem especificamente em torno das suas sexualidades – dado que as lésbicas estão sendo sujeitas a caça às bruxas TERF (feministas radicais trans excludentes em português) por terem feito a mesma sugestão, foi ao mesmo tempo encorajador e lamentável ouvir de um homem que está fora do feminismo radical dizer a mesma coisa sem medo de ser censurado.

Fico feliz em dizer que nenhum dos homens gays que eu chamo de amigos optaram pelo que pode ser descrito como a lógica de Owen Jones: rejeitar as preocupações das mulheres lésbicas e as tratar como atos de intolerância, numa tentativa de conseguir biscoitos-de-arco-íris da aprovação como aliado trans. A onda de homens de esquerda em lucrarem com a misoginia para consolidar sua reputação é um conto tão antigo quanto o patriarcado. Não é uma grande surpresa que isso aconteça dentro da comunidade queer, já que a cultura queer é dominada por homens.

A comunidade queer definitivamente pode afastar as mulheres lésbicas. Embora eu tenha participado de espaços queer quando eu estava me assumindo, acabei me retirando cada vez mais daquele contexto com o tempo. Eu não sou de forma alguma a única – muitas mulheres lésbicas da minha faixa etária se sentem excluídas e deslocadas nos ambientes queer, lugares que nos dizem que deveríamos pertencer. Não são apenas lésbicas mais velhas que são resistentes a política queer, apesar de que deus sabe o quanto elas nos avisaram sobre a misoginia nela. Meu único arrependimento é não ter ouvido antes – que eu tenha perdido meu tempo e energia tentando conciliar divergências ideológicas entre o queer e o feminismo radical.

O discurso queer se utiliza de uma abordagem coerciva para forçar lésbicas a se conformarem – ou nós acatamos o queer e pertencemos ao grupo, ou nós seremos apenas figuras irrelevantes que estão “por fora” como “as velhas lésbicas chatas”. Esta abordagem, na misógina discriminação pela idade, foi equivocada: eu não consigo imaginar nada que eu quisesse ser mais do que uma lésbica mais velha, e é maravilhoso saber que este é o meu futuro. A influência que tem em mim a profundidade do pensamento das mulheres mais velhas, a forma como elas me desafiam e me guiam no processo de consciência feminista, tem um papel central em formarem tanto a minha noção sobre o mundo como compreender meu lugar nele. Se eu for realmente sortuda, um dia eu terei aquelas conversas elevadas (e as vezes, intelectualmente extenuantes) com as futuras gerações de jovens lésbicas.

Embora eu aprecie o apoio e a sororidade das lésbicas mais velhas (de longe meus seres humanos favoritos), em certos aspectos eu também as invejo pela relativa simplicidade da existência lésbica nos anos 70 e 80. A razão para esta inveja: elas viveram vidas lésbicas num tempo anterior a política queer se tornar dominante. Eu não estou dizendo isso desconsiderando ou implicando que o passado
foi uma utopia para os direitos de gays e lésbicas. Não foi. A(s) geração(ões) deles tiveram a cláusula 28 (“section 28”), cláusula que bania que a homossexualidade fosse considerada nas escolas como relacionamento familiar normal) e a minha tem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os avanços que beneficiam minha geração são resultado direto da luta deles. Ainda assim as lésbicas podiam viver pelo menos parte de suas vidas numa época em que de todas as razões pelas quais a palavra lésbica foi encarada com desgosto, ser considerada “demasiado excludente” não era uma delas. Não houve um ímpeto, dentro de um contexto feminista ou gay, tornar a sexualidade lésbica esquisita (“queer” em inglês, a autora aqui faz um trocadilho).

Algumas coisas não mudaram muito. A sexualidade lésbica é comumente degradada. As mulheres lésbicas ainda estão nas campanhas lésbicas do “Não se preocupe, eu não sou aquele tipo de feminista.” Só que agora, quando eu checo as minhas notificações no Twitter, realmente levo um tempo para descobrir se minha lesbianidade ofendeu a “alt-right” (nova denominação da extrema direita) ou da esquerda queer. Isso faz alguma diferença? A lesbofobia tem o mesmo formato. O ódio às mulheres é o mesmo.

Durante a Parada Gay, uma foto de uma mulher trans sorridente vestindo uma camiseta manchada de sangue dizendo “eu soco as TERFs” circulou nas redes sociais. A imagem tinha a seguinte legenda “isso é como a libertação gay se parece”. Aquelas de nós que vivem na intersecção entre a identidade gay e a mulheridade – lésbicas- são frequentemente taxadas de TERFs puramente pelo fato de que nossa sexualidade torna esta reivindicação dúbia. Considerando que vivemos num mundo onde uma a cada três mulheres sofre violência física ou sexual durante sua vida, eu não me surpreendo– não tem nada de revolucionário ou contracultural em fazer uma piada sobre bater em mulheres. A violência contra as mulheres foi glorificada sem pensar duas vezes, colocada como um objetivo de políticas libertárias. E nós todos sabemos que TERFs são mulheres, já que homens que definem limites são raramente sujeitos a tais ataques. Apontar a misoginia obviamente resulta numa nova enxurrada de misoginia.

Existe uma réplica preferida reservada para as feministas que criticam as políticas sexuais da identidade de gênero, uma resposta certamente associada mais com adolescentes meninos do que qualquer política de resistência: “chupe meu pau de garota”. Ou, se a maldade se junta com uma tentativa de originalidade, “engasgue com meu pau de garota”. Ouvir “engasgue com meu pau de garota” não parece nada diferente de ouvir te dizerem que engasgue num pau de qualquer tipo, mesmo assim isso se tornou já quase uma parte da rotina do discurso de gênero que se abriu no Twitter. O ato permanece o mesmo. A misoginia permanece a mesma. E isso está dizendo que neste cenário a gratificação sexual é derivada de um ato que muito literalmente silencia as mulheres.

Uma frase icônica de Shakespeare em Romeu e Julieta proclama que “uma rosa com qualquer outro nome teria um aroma igualmente doce.” Com isso em mente (por existir muito mais tragédia do que romance sobre esta situação), eu diria que independente do nome um pênis iria repelir sexualmente as lésbicas. E isso é ok. O desinteresse sexual não é a mesma coisa que a discriminação, a opressão ou a marginalização. Porém, sentir que a sexualidade é um direito que se tem sobre alguém é : ele é parte fundamental da opressão das mulheres, e se manifesta claramente na cultura do estupro. Dentro da concepção queer não há espaço dedicado para discussões sobre a misoginia que possibilita o se sentir no direito de ter acesso sexual aos corpos de mulheres. Simplesmente reconhecer que o assunto existe é considerado inaceitável, e como resultado, temos a misoginia protegida por camadas e camadas de silêncio.

Esta não é uma época radiante para se ser uma lésbica. A falta de vontade das políticas queer para simplesmente aceitar a sexualidade lésbica como válida por direito é profundamente desamparadora, ao ponto de se privilegiar o desejo de ter sexo sobre o direito de recusa ao sexo. E mesmo assim a conexão lésbica persiste, como sempre persistiu. Os relacionamentos lésbicos seguem florescendo enquanto oferecem uma alternativa radical ao heteropatriarcado – só porque não é particularmente visível agora, apenas por não ter o apelo dominante (isto é, patriarcal) que tem a cultura queer, não significa que não esteja acontecendo. As lésbicas estão em toda a parte – isso não vai mudar.

Nolite te bastardes carborundorum.

Claire

traduzido por Ação Antisexista

original:https://sisteroutrider.wordpress.com/2017/07/01/the-vanishing-point-a-reflection-upon-lesbian-erasure/amp/

post de 2017 neste blog que você está: http://acaoantisexista.tk/a-questao-do-desaparecimento-uma-reflexao-sobre-o-apagamento-da-lesbianidade/

 

Todos Contra a Mulher

 

Muito enervante tudo que envolve a acusação de estupro contra Neymar.
Não é que me surpreenda ver que a cultura do estupro anda de vento em popa, mas sempre me revolta ver o desprezo e o ódio às mulheres inseridos nos discursos, e que eles passem despercebidos. Desde que a acusação veio à tona, já vemos nas escolhas dos termos a minimização da violência, enquanto o mais ético seria chamar de acusação ou denúncia de estupro, preferem se referir como suposta agressão ou suposto estupro. A formação de opinião se faz desde o início da abordagem, reproduzida com intuito de descredibilizar a mulher, ou pela completa parcialidade nos “questionamentos” – que no final de contas são a própria cultura do estupro.

Junto com isso o que vemos é uma série de acusações à mulher, ao mesmo tempo que buscam inocentar as atitudes do homem. Nunca a gente vê as pessoas justificando em massa a atitude da mulher, já o comportamento do homem é tido como aceitável. É considerado normal usar de poder e dinheiro para conquistar mulheres, mas a outra via é veementemente rechaçada. Eu não estou afirmando que foi isso que atraiu a Najila (o poder, a fama, o dinheiro), mas se ela é criticada por “se vender”, o Neymar teria que ser criticado por “comprar”. É disso que estou falando, da discrepância nas críticas, na parcialidade do que é moral e aceitável e do que não é. O homem com dinheiro e fama é muito poderoso, porém não ouvi nenhuma vez de que Neymar quis se aproveitar de sua posição para fazer uma conquista, mas ouvimos até agora muitas vezes que Najila quis se aproveitar da fama, dinheiro e poder de Neymar, mesmo que ela nem tenha como reter nenhuma dessas coisas consigo, pois pertencem a Neymar. Mas o corpo da mulher, este pertence ao homem, sempre é justificável acessar os corpos de mulheres através de dinâmicas que refletem a desigualdade e até mesmo quando se usa de violência.

E então o próprio Neymar coloca o caso abertamente através de uma rede social expondo uma conversa íntima que teve com Najila que incluía os nudes que ela havia enviado de forma privada a ele. Além da exposição em si ser humilhante (nem vou entrar no mérito de ser crime), qual a relevância das mensagens e seu conteúdo para o caso? Nenhuma pessoa tem obrigação de performar nenhum ato sexual que não queira não importando em que momento dos acontecimentos. Quando uma pessoa diz não, é não e pronto, não importa que a pessoa foi até lá, que agora tá nua, que deu uns beijos e uns amassos. Qualquer pessoa tem o direito de ao se sentir acuada, agredida, ofendida, ou mesmo desconfortável, desistir do que for que esteja rolando. A Najila disse que não queria sem preservativos e ele não aceitou e a forçou. Ponto final da história.

É tão triste toda esta história, tão deprimente de ver que a própria Najila se vê obrigada a entregar provas, vídeos, áudios da violência. Os advogados dela para a nossa estupefação não fizeram orientações básicas, e eles mesmo fazem o papel dos advogados de defesa de Neymar (pois é né), ao dizerem que sem tais provas “não dá para defendê-la”. Desde quando vítimas de violência sexual precisam de registro da violência em vídeos? E se ela nunca teve os vídeos? E se ela disse que tinha gravações porque achou que era a única forma de conseguir dar início a uma denúncia? Novamente, não estou dizendo que ela não tem os vídeos, mas que pouco importa que tenha, se tivesse algo registrado que incriminasse o Neymar, facilitaria a acusação, mas isso não é imperativo para uma denúncia de estupro. Se, como estão supondo, ela mentiu sobre os vídeos, mancha a credibilidade dela? Sim, e a credibilidade de Neymar? De repente aquele cara que sempre foi considerado desonesto nas suas quedas em campo passou a ter sua credibilidade intocável.
Já o primeiro advogado saiu do caso porque segundo ele Najila tinha dito que havia sofrido uma agressão e que o ato sexual tinha sido consensual. Ele diz que ela afirmou que “durante o ato Neymar se tornou uma pessoa violenta, agredindo-a”, e segue dizendo que este seria “o fato típico central (agressão) pelo qual ele deveria ser responsabilizado cível e criminalmente”. Mas só um pouco aí, o ex advogado de Najila ‘acusa’ ela de no boletim de ocorrência ter feito uma “alegação totalmente dissociada dos fatos descritos”, se referindo ao que ela disse aos sócios advogados. Mas e a dissociação que este advogado tá fazendo sobre o que caracteriza um estupro? Como é possível definir que as agressões físicas de Neymar contra Najila não significam coação e consequentemente estupro? E como que um advogado ao ouvir uma cliente lhe contar sobre as agressões que foi vítima durante um ato sexual, não pensou ele mesmo (como advogado que é!) que isso caracteriza coação sexual? Porque é muito provável que ele mesmo ache ser dentro da normalidade que homens sejam violentos com mulheres, e que toda mulher deve no fundo gostar. Mas o que mais me impressiona é concluir sem sombra de dúvida que “até aqui” é só violência física, e que só “à partir daqui” é estupro, descartando-se fatores psicológicos envolvidos durante o processo todo. Não, este não é trabalho de um advogado de acusação de estupro. E é correto que advogados exponham conversas que tiveram com ex cliente?

Daí surgiu a advogada feminista para defender o jogador. E por decidir defendê-lo, ela foi expulsa do Cladem – Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, que é uma entidade de advogadas feministas da qual a advogada fazia parte. Eu fiquei bastante contemplada com a decisão do Cladem, que sem hesitar tomou a única atitude possível para o que se propõe. Aliás poderia corrigir o título com “Todos, menos o Cladem, contra a mulher”. Em nota o Cladem diz:

Entendemos que toda e qualquer pessoa tem direito à defesa dentro dos limites processuais estabelecidos pela ordem jurídica. De modo que, considerando as recentes denúncias envolvendo o jogador Neymar Jr., a ele deve ser assegurado o devido processo legal.

Entendemos também que todo e qualquer advogado e advogada tem constitucionalmente o direito ao livre exercício de sua profissão, descabendo perquirir-se publicamente acerca dos motivos pelos quais um ou outro caso lhe é oferecido e aceito.

Contudo, sendo o CLADEM uma organização composta por advogadas feministas, com mais de três décadas de atuação ética em defesa dos direitos das mulheres e, por consequência, de luta contra a violência simbólica que se expressa dentro e fora do sistema de justiça criminal em casos a envolver violência contra as mulheres, em especial quando o debate público versa sobre o estupro, comunica que a advogada Maíra Fernandes, recentemente contratada para a defesa do jogador Neymar Jr., conforme tomamos conhecimento via imprensa, já não mais pertence a nossa organização.”

Ou seja, não há dúvidas de que o Cladem acredita que toda pessoa tem direito à defesa, e de que não se opõe que Maíra Fernandes tenha direito a sua decisão como advogada, porém não lhe compete enquanto feminista defender um homem acusado de estupro. A premissa feminista é jamais presumir que uma mulher que denuncia uma violência sexual esteja mentindo. Não tem absolutamente nada de errado com a decisão do Cladem – que foi repudiada pela OAB. A advogada não foi desligada da entidade pelo seu direito de advogar, mas por ferir um conceito básico feminista, numa organização feminista. Mas ainda vamos precisar de muito tempo para termos nossas formas de nos organizarmos compreendidas.
Uma outra coisa que me chamou a atenção sobre a advogada, foi a sua declaração, em que ela diz que se convenceu, “absolutamente, de que se trata de uma falsa acusação de estupro” e “o que vi me deixou em tudo confortável para exercer a defesa do cliente”. Como feminista eu posso dizer, não é possível se sentir “em tudo confortável” com uma falsa acusação de estupro. Como advogada ela pode se sentir para defender Neymar, mas não como uma feminista. E é esta a exata razão de que ela não está sendo questionada como advogada, mas como feminista. Além disso, jamais pode ser confortável para nenhuma feminista saber que uma mulher fez falsas acusações de estupro, se é uma coisa que nos atrapalha e machuca é oferecer chances para descredibilizar as mulheres que sofrem violências.

“A Najila se complica” é o que mais lemos nos jornais. Ela de fato não é “a vítima perfeita”, ela enviou nudes, trocou mensagens de cunho sexual, o ex-marido e os advogados dizem que ela é vingativa, temperamental e acusam que ela mentiu sobre o vídeo, sobre o arrombamento, sobre muitas coisas. Mas nada disso, mesmo se provado verdade, nega em si que ela foi agredida e abusada, e antes mesmo de todas estas coisas virem a conhecimento publico ela já foi acusada de mentir. Este é o ponto – a primeiríssima reação da sociedade é sempre inocentar o homem acusado de estupro, enquanto acusam a mulher de estar mentindo. É sempre igual, já vimos todas as vezes que surgiram acusações semelhantes. No dia 1º de junho veio de conhecimento público a acusação, e já no dia 6 um deputado do PSL/RJ protocolou um projeto de lei em referência ao caso envolvendo Neymar, segundo o próprio deputado. Mas como foi possível tirar uma conclusão precipitada de falsa denúncia? Como é possível que isso seja algo cabível? Para nosso maior infortúnio a lei foi apelidada por internautas de lei Neymar da Penha. Não é possível descrever o ultraje e o desrespeito a alusão. Maria da Penha sofreu duas tentativas de assassinato pelo seu marido, e por decorrência das agressões ficou paraplégica. A lei que leva seu nome não só é importantíssima ao combate da violência doméstica contra as mulheres no Brasil, como é referência mundial. Além deste, foram apresentados mais 4 projetos, fechando um total de 5, em apenas poucos dias depois da acusação contra Neymar. Eduardo Bolsonaro parabenizou as iniciativas “para agravar pena de mulheres inescrupulosas que acusam falsamente homens de crimes e calúnias. Acredite, tem mulher bandida que faz carreira assim”, tuitou.

Fica bastante claro que proteger Neymar tem como objetivo proteger todos os homens. Sabemos o quanto é comum e tido como normalidade forçar uma mulher no sexo, como é corriqueiro que homens não aceitem usar preservativos, que se tornem agressivos, entre outras atitudes coercitivas. Inocentar Neymar antes de qualquer investigação é tanto causa como consequência da cultura do estupro, assim como da estrutura patriarcal que subjuga as mulheres.

 

Quem sai isento

 

Não vamos julgar o Neymar dizem aqueles que julgam a mulher.
Não podem culpá-lo sem saber o que aconteceu, já inocentá-lo, podemos.
O que importa é se “isso” vai prejudicar a sua carreira e a seleção. E os patrocinadores… e donos de clubes…e os investidores…
Tem-se 100% certeza que ela premeditou tudo, tem-se 100% certeza que ele não premeditou nada.
É, realmente, temos uma clara situação de quão humilde é o Neymar enquanto a mulher é poderosa.
Nenhuma dúvida sobre a índole de Neymar.
Nenhuma dúvida sobre a índole da mulher.

 

Azul para meninos e rosa para meninas é ser pró gênero

A ministra Damares Alves deu uma declaração gravada em vídeo afirmando que “o país vive uma nova era”, e “menino veste azul e menina veste rosa”.

Realmente estamos vivendo tempos muito obscuros. Como era de se esperar, a declaração foi veementemente criticada e as redes sociais foram inundadas com memes, fotos de homens de rosa e mulheres de azul, e textos de todos os tipos para se opor à declaração tão retrógrada. E então me parece pertinente lembrar do significado de gênero, e das consequências das políticas identitárias do queer acolhidas pelo “feminismo” liberal.

Azul para meninos e rosa para meninas é ser pró gênero, o que torna contraditória a própria declaração de Damares Alves, que diz ser contra a ideologia de gênero. Se ela fosse contra a ideologia de gênero ela seria contra que ambas cores tivessem que ser usadas distintamente por mulheres e homens. Pois bem, contra a ideologia de gênero sou eu, somos nós as feministas, tirando o feminismo liberal que reforça os estereótipos de gênero através principalmente das políticas identitárias. Sendo ou não sendo metáfora, é a mesma coisa. Assim como as cores rosa e azul, vários outros símbolos de vestimenta e também de hábitos e comportamentos, estão na categoria gênero. O gênero é um papel que um indivíduo tem que representar de acordo com o seu sexo. Por isso obviamente a indignação, pois é ridículo limitar mulheres e homens nestes estereótipos. Porém não é só a Damares Alves que faz confusão não. E agora que o bicho vai pegar. Se todo mundo ficou indignado com esta declaração limitante, como a grande maioria das pessoas chama homens de mulheres quando eles usam rosa? Ou maquiagem? Ou salto alto ou vestido? Não é a cor nem a vestimenta que se usa que faz uma pessoa ser homem ou mulher. Mas na atualidade quando um homem usa rosa, maquiagem, etc ele logo passa a ser chamado de mulher (pelas mesmas pessoas que agora estão indignadas com o episódio rosa-azul). Nesta lógica bastaria nós mulheres não usarmos nenhum dos símbolos da feminilidade para não sofrermos a opressão patriarcal (violência, exploração, discriminação, reprodução controlada, feminicídio, etc), pois se o que define ser mulher é uma vestimenta ou comportamento cultural, nós automaticamente nos tornaríamos e seríamos tratadas como homens. Eu fico anos sem usar nenhuma dessas coisas e continuo sendo mulher nesse tempo. Então o homem diz que se sente mulher e passa usar o que? Rosa. Aí é subversivo? Não, aí é reforçar um estereótipo de gênero. Porque como vocês mesmos reivindicaram, com toda a razão, homens também podem usar rosa e mulheres azul. Então meus amigos e amigas, olha só que oportunidade para aprofundar no feminismo e desmascarar toda esta farsa de gênero que vivemos e que nos tempos atuais se intensificou com as políticas de identidade de gênero. Ser mulher ou homem não é usar uma vestimenta.

Agora, não se enganem, Damares Alves e Bolsonaro querem reforçar os estereótipos de gênero, e ao falarem em ideologia de gênero estão se referindo na verdade que são contra o feminismo, contra que o nosso útero seja livre das punições das leis e a favor que sejamos encubadoras, eles são contra as sexualidades que não a heterossexual.

aline rod.

Pelo fim da violência, pela vida das mulheres

No último dia do ano é normal que as pessoas estejam com o pensamento no futuro, num ano melhor, independentemente de quais sejam as suas crenças, ou descrenças. Sem querer tornar pesado este momento, principalmente porque sim é muito exaustiva a opressão patriarcal, e triste, injusta e covarde a violência oriunda deste sistema contra às mulheres. Mas como um sinal de respeito as mulheres que tiveram suas vidas ceifadas e que não podem ver o novo ano ou chegarem ao seu futuro.

No dia 31 de dezembro de 2016, Isamara Filier foi assassinada pelo seu ex marido juntamente com seu filho de 8 anos e mais 10 pessoas. O feminicídio em massa, acabou com a vida de 9 mulheres – “Eu tentei pegar a vadia no almoço de Natal e dia da minha visita, assim pegaria o máximo de vadias daquela família” – Sidnei Ramis de Araújo, o assassino, que cumpriu sua promessa misógina.

Ele também justifica porque matará seu filho: “Morto também já estou, porque não posso ficar contigo, ver você crescer, desfrutar a vida contigo por causa de um sistema feminista e umas loucas.” Fica difícil qual ponto pegar para se discorrer sobre. Mas vamos julgar que neste instante não precisamos falar sobre tudo o que sempre viemos falando, e vamos nos ater numa coisa então por hora. Egoísmo masculino. O egoísmo talvez tenha na masculinidade seu maior ápice. Julgar que as vidas de sua ex mulher, seu filho, e mais 10 pessoas devem ser extinguidas porque sua ex mulher está pedindo a separação e a guarda do filho é egoísmo masculino. E a prova mais violenta disso é que na verdade, com o distanciamento, o que aconteceria é que ele não mais poderia exercer a violência contra a sua família o quanto gostaria. Isamara Filier havia registrado cinco boletins de ocorrência contra Sidnei Ramis por ameaças de agressão e morte além de uma denúncia de abuso sexual contra o filho. O egoísmo masculino é o homem centrado na sua autoimportância levado a crer, pela própria lei dos homens, que ele está em primeiro lugar na hierarquia até mesmo para decidir sobre a vida e a morte. O egoísmo masculino em sua plenitude, costuma causar violência a outras pessoas, especialmente mulheres. Isso nos leva a pensar que nós, as mulheres, somos ou podemos ser a ameaça a este sistema patriarcal. Embora o patriarcado seja a verdadeira ameaça a nossa sobrevivência, sendo os homens os idealizadores e iniciadores do que podemos chamar de guerra, a nossa insubmissão e oposição são as ferramentas possíveis para que esta estrutura venha a ruir e chegar ao seu fim. E ela só será feita se seguirmos lutando pela nossa libertação e pelos nossos direitos. Sempre.

Em memória a Isamara Filier e a todas as mulheres assassinadas vítimas da violência masculina, que só pode existir porque o patriarcado permite e se retroalimenta da sua inerente misoginia.

Aline Rod.

link para o texto escrito na época:

Violência Masculina – uma reflexão após mais um feminicídio

Surpresas boas da vida

Por totalmente ao acaso descobri que a tradução que eu fiz há exatamente um ano atrás para o dia/mês da visibilidade lésbica tá lá no site original, o premiado Sister Outrider, blog da escritora excepcional Claire Heuchan – feminista radical negra escocesa. Nossa fiquei muito feliz, este texto me deu bastante trabalho para traduzir, passei acho que uma semana revisando. Eu lembro que até pensei em escrever pra ela e acabei achando que ela não tinha tempo pra isso! Mas tá lá no blog dela! e eu fico muito feliz mesmo de poder contribuir em divulgar um texto tão valioso nesses tempos onde “a tensão entre as políticas de identidade do queer e a libertação das mulheres se tornou realmente insuportável” segundo a própria Claire. <3

e ela ainda agradece a Ação Antisexista e eu achei tudo isso bacana demais!

aline rod.

a tradução no blog Sister Outrider:

https://sisteroutrider.wordpress.com/2017/09/01/a-questao-do-desaparecimento-uma-reflexao-sobre-o-apagamento-da-lesbianidade/

E a tradução original postei aqui http://acaoantisexista.tk/a-questao-do-desaparecimento-uma-reflexao-sobre-o-apagamento-da-lesbianidade/

e assim a gente vai postando lá postando aqui postando aqui que postou lá até uma hora chegar até você! 🙂

 

 

Chegamos no Dia Internacional da Mulher

Chegamos no Dia Internacional da Mulher
sem que saibam o que é ser uma
sem que saibam de onde vem nossa opressão
outros protagonistas mais uma presunção
chegamos no dia internacional da mulher
e não querem saber como chegamos aqui
nem como sobreviveram nossas antepassadas
terem nos gerado é irrelevância
melhor quando esquecidas na sua insignificância
chegamos no dia internacional da mulher
o que fizeram não pode ser lembrado
e antes que o conhecimento seja repassado
deem um jeito dele junto ao corpo ficar soterrado
chegamos no dia internacional da mulher
nosso engenho é renegado
nosso sangue é derramado
nosso útero é desprezado
mas tem valor para ser alugado
chegamos no dia internacional da mulher
e ser mulher é uma roupa
ou fetiche
uma sensação matinal
que pode mudar no meio da tarde
ao estender uma roupa de baixo no varal
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso corpo é tabu
é “biologia terf”
é biomedicina
é experimento
é xyz com vitamina
chegamos no dia internacional da mulher
e eles são comemorados
e o homem neste dia é situado
para garantir que ele sempre seja o primeiro colocado
chegamos no dia internacional da mulher
e nosso futuro é incerto
nossa esperança é abalada
mas quem se importa com gente desatualizada
chegamos no dia internacional da mulher
e a mais antiga opressão chamam de profissão
é capital é diversão
o poder tá na mão
o prazer está na exploração
chegamos no dia internacional da mulher
ela tá tentando escapar mas ninguém a nota
a quem interessa afinal
é só mais uma mulher morta
chegamos no dia internacional da mulher
o dia da arca de noé não esqueçam
é dia de salvar todas espécies que apareçam
porque afinal hoje é o dia de quem quiser

 

aline rod

Sua Diversão Minha Opressão

Quando eu era criança na época de carnaval eu lembro que uma das grandes “atrações” que as pessoas comentavam, era ficar vendo homens “vestidos de mulher”. Isso era para ser uma coisa pra lá de engraçada, quanto mais “extremo” na feminilidade mais engraçado era para ser. Me lembro que era enfatizado que eles faziam isso só no carnaval, havia esta necessidade de proteger a masculinidade com unhas e dentes. Porém eles não eram obrigados àquilo, era apenas uma grande diversão. Eu não entendia o porquê da graça e achava aquilo desconexo e dependendo assustador – eles usavam balões de ar no peito e maquiagem ultra carregada como coisas ridicularizantes, além dos hipersexualizantes apetrechos. Depois eu entendi que era para ser engraçado porque é fruto da misoginia, a própria homofobia implicada nisso é fruto da misoginia, pois significa a inferiorização do homem ao se “vestir como mulher”, sendo esta a graça. Nos dias de carnaval os homens para fazerem folia se fantasiam com os símbolos da nossa opressão.

Por que são símbolos da nossa opressão?

Ninguém nasce com um top rosa na cabeça e nem tem isso em mente como objetivo para quando estiver engatinhando, nenhuma bebê nasce pedindo ‘coloquem-me um brinco na orelha por favor’. Estes são costumes criados pela noção de gênero da qual faz parte o processo de feminilização imposto a nós mulheres, que começa assim que nascemos e perdura ao longo de nossas vidas. Sim, a feminilização é um processo artificial que não se caracteriza apenas por vestimentas, faz parte de uma perversa e intrincada estrutura que explora as mulheres, seu trabalho e seu corpo.

O gênero, essa “coisa mara” da qual as pessoas confundem com o sexo biológico, é um sistema que existe não para diferenciar inofensivamente homens de mulheres como parte de uma cultura supostamente igualitária. O gênero serve ao patriarcado como uma forma de manter as mulheres na classe subordinada enquanto protege os homens de serem tratados da mesma forma.

Agora, para os homens se “fantasiarem de mulher” é apenas uma diversão, não são obrigados a passar pelo processo de feminilização. É certo que os homens são criados no processo de masculinização, porém a masculinização é pertencente a classe de pessoas com privilégios garantidos. Se sentir desconfortável com o processo de masculinização não exclui os homens da classe dominante, verdade é que não tira as garantias que têm de melhor tratamento, melhores salários, e maior proteção a sua integridade física e psicológica em relação as realidades vividas por mulheres por serem mulheres.

O Carnaval tá aí, e com ele sempre vem esta prática dos homens usarem como fantasia roupas “de mulher”, algo que só faz sentido numa sociedade sexista e generista, que permite que se considere engraçado brincar exatamente com aquilo que objetifica e explora ao mesmo tempo que restringe e limita todo um grupo de pessoas. Poderia se pensar então, que esta prática seria uma forma de se subverter a estas convenções, porém nunca vai ser subversivo colocar uma vestimenta atribuída a uma classe subjugada enquanto se é livre das consequências de se pertencer a ela. Isso sempre vai ser uma prática colonizadora, principalmente quando o objetivo é de fazer graça, piada ou ser pitoresco.

Eu sei que textos assim causam desconforto, as pessoas pensam “por que levar tão a sério” ou “é só uma brincadeira”. É muito provável que você não vai ver nenhuma mulher entrando em briga na rua exigindo que os homens tirem suas fantasias (se o que lhes preocupa é o fato de poderem pular tranquilos o seu carnaval). Sempre me impressiona a fragilidade e a injustiça atrelada a esse tipo de preocupação. Nós mulheres lidamos todos os dias com a nossa opressão que se fantasia de diversas formas e também não se fantasia, nós respiramos nossa opressão, sentimos ela em todos os aspectos, e isso nos causa muito mais que um mero desconforto. Aprendam a lidar com a realidade como ela é, aprendam a lidar quando as mulheres reagem, quando denunciam, quando ameaçam a estrutura percebida como natural, porque ela não é natural. E quando ruir esta estrutura o que era desconforto vai se tornar o óbvio, e as pessoas vão lembrar ‘daquelas mulheres’ como heroínas e vão pagar para ver o filme sobre elas no cinema e sonhar em terem sido uma delas.

 

aline rod.