Vítima ou Sobrevivente?

 

Somos todas vítimas do patriarcado porque é um sistema de opressão e exploração. Somos todas sobreviventes pelas mesmas razões.

Quando eu vejo as pessoas dizendo que as mulheres não devem “agir como vítimas” eu sinto duas coisas. Uma, que eu preferiria que as mulheres saíssem psicologicamente do estado de depressão. Porém não tem como não pensar que este estado de depressão é fruto de uma situação real que não foi inventada. A outra, é que eu não consigo deixar de pensar que quando alguém diz que as mulheres não devem “se fazer de vítimas” que existe por trás disso uma culpabilização das mulheres. Como se elas se sentissem vítimas sem o serem. O que não é possível.

Quando uma mulher é estuprada ela não está se vitimizando, ela está sendo vítima de um estuprador.

Quando uma mulher faz uma denúncia de estupro, ela não está se vitimizando ela está lutando contra a cultura do estupro, ela está alertando outras mulheres, ela está no seu processo de cura da qual só ela pode escolher como se sente – se uma vítima ou uma sobrevivente.

Quando uma mulher chora ao lembrar do abuso que sofreu ela não está se vitimizando. Ela está realmente?

Quando uma mulher não consegue reagir, ela não está se vitimizando! Ela está lutando pela sua sobrevivência.

Uma coisa é nós querermos promover força e resistência para nós mulheres, é querermos desenvolver uma elevação na nossa autoestima tão atacada a todo instante. Uma coisa é querermos promover um aumento na nossa moral, respirar em meio ao nosso abalo emocional. Mas outra coisa diferente é acharmos que só o termo sobrevivente é válido. O termo sobrevivente muitas vezes vem com o discurso do empoderamento. Porém o empoderamento em si é um conceito questionável, visto que se empoderar não é ter poder. Só se empodera quem não tem poder, quem tem poder não se empodera, mas exerce poder. Existe uma grande confusão quanto ao se sentir empoderada como se fosse uma solução. Mais uma das tantas falas do discurso liberal, mais voltado para a indivídua, o que ela toma como ‘empoderador’ independente de que faça uma mudança material na sua vida. Obviamente que a atitude que uma mulher exerce na sua vida traz mudanças materiais, o que estou querendo dizer é que nem sempre uma ‘atitude’ vai lhe garantir o tratamento que você merece. Se fosse assim, bastava a gente dizer que tal coisa nunca vai acontecer para esta coisa nunca acontecer, bastava estar com a atitude ‘certa’. É um discurso perigoso porque fala em termos de mérito e culpabiliza quem não é bem sucedida.

Eu não estou aqui ‘reivindicando’ o termo vítima como se eu achasse uma coisa maravilhosa alguma mulher se sentir vítima. To questionando o que tem me incomodado. E tem me incomodado faz tempo ver as pessoas substituírem a palavra vítima por sobrevivente como se fosse uma ordem, como se fosse uma falha se compreender como vítima. E principalmente para criticar uma mulher que se sente vítima depois de ter sido uma vítima. Por mais que seja melhor para ela ‘levantar a cabeça’, essa resolução não pode vir como uma regra que ela deve seguir. Além do que é bem possível que se autodenominar vítima ou sobrevivente seja parte de ciclos que podem se intercalarem, uma mulher bem pode se dizer vítima e sobrevivente dependendo do ponto de vista que ela enxergar.

Para ser bem sincera eu comecei a pensar sobre essa questão quando eu de cara pensei nas mulheres que não sobreviveram. Eu sempre penso nelas, eu sempre penso nas mulheres que não conseguiram, nas que foram assassinadas.

Se escolhemos dizer que não somos vítimas mas sobreviventes não estaríamos automaticamente chamando as mulheres mortas de as únicas vítimas e com isso lhes tirando ‘o poder’ do qual parece que só nós as sobreviventes teríamos? Não estaríamos com isso sendo meritocratas? Não estaríamos passando por cima dos túmulos dessas mulheres? Não estaríamos silenciando-as ainda mais? E isso por acaso não dá ainda mais poder ao assassino? Pois saibam que as mulheres morrem bravamente, que lutam pela sua sobrevivência, mesmo as que não a alcançam.

Eu totalmente entendo o valor de se sentir uma sobrevivente.

Mas os estupradores não estão violentando as mulheres para que elas se sintam empoderadas.

As vítimas sabem melhor do que ninguém que elas são também sobreviventes, mesmo que elas não usem o termo para si. Porque elas podem, se assim quiserem, te contar o que lhes aconteceu.

aline rod.